Grande parte de minha vida profissional foi dedicada às questões sociais do relacionamento entre empresa e trabalhador. Na época, a palavra sustentabilidade nem era usada para definir o tripé dos interesses econômicos-ambientais-sociais. O aprendizado foi intenso. Naquele período, a relação entre empresa e trabalhador era estigmatizada e conflituosa, especialmente com relação ao trabalho rural, no corte da cana. E a precariedade, natural das condições desse trabalho, contribuía para acentuar os conflitos sociais.
O cenário se comprometeu ainda mais com a regulamentação de suspensão de queimadas: se, por um lado, isso era maravilhoso pela perspectiva ambiental e social, não haveria mais fuligens, sujeiras e diminuição do impacto nas populações próximas aos canaviais, por outro, não poderia haver corte manual. Essa foi uma das condições que a gente constata: nada é tão ruim que não possa piorar. Trabalhar no corte da cana queimada é difícil: trabalho árduo, sujeito às intempéries, mas, ainda assim, era um trabalho, e o que fazer sem ele? Como direcionar milhares de trabalhadores que, sem qualificação, tinham no corte da cana uma opção de subsistência?
Nesse contexto, comecei uma trajetória riquíssima, tanto pelos desafios que se apresentavam naquele período, quanto pelas possibilidades de ação, principalmente em razão da capacidade de influência que tivemos numa das maiores empresas do setor. Entendo que uma grande contribuição em responsabilidade social empresarial foi atuar na base do problema.
O propósito era tentar transformar a vida daquelas pessoas, quebrar o ciclo: profissionais em condições precárias de trabalho por falta de capacitação, resultado da falta de condições de educação e formação recebida e, na sequência, para os filhos, gerando mais profissionais sem quase nenhuma qualificação. Era óbvio que a base da solução estava na educação e na formação profissional.
Mas estávamos em uma empresa, precisávamos agir de forma responsável com todos, onde se incluíam os interesses dos próprios sócios investidores. Começamos a construir um programa consistente de responsabilidade social: necessidades da empresa, como negócio versus necessidades das pessoas e suas expectativas.
Com a mecanização da lavoura, não havendo mais queimadas, naturalmente seriam necessários operadores de máquinas e mecânicos. Claro que, em quantidades infinitamente menores, mas já havia uma esperança ali. Também importante considerar que o sonho de 9 entre 10 trabalhadores rurais era mudar para a indústria. Mas, para qualquer função na indústria, era necessário ao menos ensino fundamental.
Montamos, então, um dos maiores programas de qualificação e educação continuada do setor. Um levantamento apurado do quadro profissional requerido para a setor como um todo, com requisitos mínimos de formação e competências x mapeamento das condições atuais das pessoas que estavam em risco de desemprego por eliminação da função exercida. O resultado comparativo dessas matrizes nos levou ao mapa de necessidades de formação profissional e educação continuada.
Tão importante quanto trabalhar no desenvolvimento dos pais, trabalhadores adultos, seria oferecer oportunidade de educação aos seus filhos, por meio de um grande programa de inclusão. O plano estruturado foi apresentado e contou com parceria de redes de apoio aos trabalhadores, assim como das empresas.
Em menos de 3 anos de início do programa, os resultados foram comprovados: taxa zero de analfabetismo na população com mais de 18 anos; sim, havia analfabetismo, em uma das regiões mais ricas do Brasil; milhares de pessoas foram capacitadas profissionalmente e, senão absorvidas pela própria empresa, estavam aptas ao mercado de trabalho setorial. Não nos permitimos colocar limites no sonho: chegamos ao ponto de montar um curso de MBA dentro da própria usina. O empenho dos funcionários e o apoio dos acionistas foram fundamentais.
Escrever este artigo foi uma experiência maravilhosa. Muitos que viveram essa época irão reviver a emoção das vitórias daquele momento. Ter vivido a mecanização da colheita de um sistema tão grande quanto o sucroenergético, inventando soluções quando, às vezes, não tinha em quem, nem no que se basear, trabalhando de forma realmente ativa para mudar o rumo da vida, não somente do trabalhador, mas dos seus filhos e dos que viriam nas gerações seguintes. Isso vale a vida!
Eu me lembro de um caso muito expressivo, que foi capa de um grande jornal nacional na época. Um nosso cortador de cana conseguiu chegar ao nível universitário; ele cursou Ciências da Computação. Tirá-lo da roça e colocá-lo plenamente adaptado e à vontade, como programador do departamento de TI, foi um grande prêmio, tanto para ele como para nós. Para quem viveu o caso, foi uma história inspiradora.
Tive um imenso privilégio de vivenciar essa experiência: é possível fazer negócios viáveis economicamente com responsabilidade social e, por meio disso, oferecer oportunidades de transformar a vida de pessoas e contribuir efetivamente para uma sociedade melhor, mais justa e mais próspera.