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Hudson Giovani Zanin

Professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da UNICAMP

OpAA74

Veículos eletrificados ou veículos elétricos
Coautor: Fábio Coutinho Antunes, Pós doutorando da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp

Os veículos a combustão abastecidos com etanol, eletrificados ou híbridos emitem menos CO2 durante a vida útil – do berço ao túmulo – quando comparados aos veículos puramente elétricos (plug-in). Logo, essas opções de veículos deveriam ser preferidas pelo consumidor e anteceder os veículos elétricos por emitirem menos gases que causam efeito estufa - GEE.

Afinal, a transição energética que estamos vivendo é sobre a redução de emissões de GEE, fenômeno natural de aquecimento global, potencializado pelas atividades humanas. Esses gases se acumulam entre a estratosfera e a troposfera a 12 km de altitude, logo abaixo da camada de ozônio, e evitam que a radiação infravermelha da Terra seja liberada ao espaço sideral, impedindo, que a Terra se resfrie natural e gradualmente.

Desde a Revolução Industrial (1760-1820), passamos a emitir uma quantidade maior de GEE, fato reconhecido pela comunidade científica. O aquecimento global é um grande problema, com reflexos das atividades humanas sobre o clima, com enchentes, estiagens prolongadas, ondas de calor em épocas mais frias e vice-versa e o derretimento das calotas de gelo nos polos, promovendo o aumento do nível dos oceanos. 

Hoje, temos consciência social, capacidade técnica, vontade política e, sobretudo, soluções que gerariam riquezas e empregos para a sociedade. Do ponto de vista tecnológico há um conjunto de tecnologias que poderão nos ajudar, de forma mais inteligente, nessa transformação. Ou seja, é importante realizar a transição energética, utilizando o que há de melhor em cada local.
 
A transição energética será peculiar para cada região do mundo. No Brasil, temos o etanol, biocombustível com baixa emissão de carbono. O veículo a etanol emite CO e hidrocarbonetos na sua partida fria. Os veículos híbridos, com dois motores trouxeram a vantagem na redução da emissão de carbono, além da maior autonomia. Mas pode melhorar. 
 
Uma das soluções é usar um sistema powertrain híbrido de menor complexidade e custo para geração de energia elétrica onboarding no setor de mobilidade. Esse sistema é composto por um reformador de etanol em gás de síntese (H2 e CO). Esse gás é convertido diretamente em energia elétrica por um stack de células a combustível de óxido sólido (SOFCs: Solid Oxide Fuel Cells). A energia elétrica gerada fornece potência para um motor elétrico de elevada eficiência (η=0,95), enquanto carrega eletricamente um módulo muito menor de baterias do tipo Li-ion. Todo esse sistema pode alcançar até η=0,70 de eficiência. Muito maior que a eficiência máxima de η=0,35 de um veículo de combustão interna.
 
Essa solução aproveita a rede de valores criada há anos pela geração de etanol, logística e distribuição em postos de combustíveis. E o mais importante, abastecimento com uma mistura de 55% em volume de etanol e 45% em volume de água em 5 minutos. A água é importante para a reforma eficiente do etanol, produzindo muito mais H2. Além disso, o custo do combustível ao consumidor deverá cair para metade do valor atual, e a autonomia deverá ser compatível aos veículos atuais. Fora isso, a emissão de carbono será muito mais reduzida. 
 
Ainda não dominamos completamente a tecnologia de SOFCs a ponto de levá-la ao mercado. Ela já é utilizada para geração de energia estacionária com gás natural e H2 puro, mas precisam ser adaptadas para gás de síntese do etanol reformado e aplicadas na mobilidade. O peso do stack dessas células a combustível precisa ser reduzido, e a eficiência melhorada, o que deve acontecer nos próximos 5 anos. 

O veículo plug-in, por outro lado, está pronto, e traz a promessa de emissão zero por não emitir GEE. Mas essa história não é tão realista. No seu ciclo de vida eles precisam rodar ~100 mil km para equiparar às emissões de CO2 de um veículo a combustão abastecido com etanol, ou seja, praticamente sua vida útil completa. Além disso, o custo, a troca dos módulos de baterias e a manutenção são bastante elevados.

São muitos os relatos de danos às baterias por imperfeições das vias, problemas no sistema de recargas, necessidade de investimento em infraestrutura para a rede de distribuição e reabastecimento. O custo para geração de energia elétrica limpa e renovável, da distribuição (grid) e dos postos de recargas dos veículos plug-in no Brasil está estimada em US$ 300 bilhões. Esse investimento em infraestrutura poderia beneficiar amplamente a cadeia de geração, transmissão e distribuição de energia, e a conta não deve ser colocada apenas no veículo elétrico. Também não faz sentido ter um veículo plug-in e carregá-lo usando energia elétrica gerada por termoelétricas. 

O assunto é complexo e requer reflexão para melhores esclarecimentos. A seguir vamos trazer uma breve discussão das principais características desse sistema powertrain híbrido alimentado com etanol, apresentado abaixo.



Trazemos, a seguir, um detalhamento sobre reformador, SOFC, supercapacitores, baterias e motor elétrico.
 
Reformadores:
O reformador de etanol é semelhante aos catalisadores de um veículo a combustão. O reformador é composto de um suporte monolítico cerâmico obtido por extrusão ou metálico, com finos canais do tipo unidirecional ou honeycomb. Os canais são revestidos com uma segunda camada de aderência cerâmica composta de materiais com elevada capacidade de armazenamento e liberação de oxigênio (OSR: oxygen storage-release).

Sobre essa camada, diversas nanopartículas de metais ativos catalisadores suportadas sobre (ou mesmo dentro de) nanopartículas cerâmicas porosas obtidas por infiltração/impregnação, solvotérmica ou coprecipitação de soluções dos sais precursores. Após um processo de secagem e calcinação, são obtidas as fases ativas dos catalisadores com elevadas dispersão e área superficial. Esses catalisadores são responsáveis pela conversão do etanol em gás de síntese com elevada seletividade de H2 a uma temperatura de aproximadamente 650 ºC. 
 
Os materiais estado da arte usados nos reformadores de etanol são:
1) suportes monolíticos cerâmicos em cordierita, com baixo coeficiente de expansão térmico (5.10-6 ºC-1) e elevada resistência ao choque térmico ou suportes metálicos em aço inox ferrítico ou austenítico de elevada condutividade térmica e resistência ao choque térmico;
2) uma camada de aderência cerâmica em CeO2, CeO2-ZrO2 de elevada capacidade OSR, ou mesmo Al2O3 ou ZnO, dopados com MgO para melhorar a capacidade OSR; e
3) nanopartículas de metais catalisadores do tipo Ni, Ni-Co, Ni-Mo, Ni-Nb, Ni-Cu, suportadas em nanopartículas cerâmicas dos mesmos materiais da camada de aderência cerâmica. O gás de síntese reformado do etanol rico em H2 é direcionado para o stack de SOFCs para ser convertido pelo anodo das células diretamente em energia elétrica, calor, H2O e CO2.

SOFCs:
A célula a combustível é um dispositivo eletroquímico no estado sólido que converte a energia das ligações químicas de um combustível em energia elétrica, semelhantemente às baterias por que as reações eletroquímicas nos eletrodos geram eletricidade. Nas SOFCs, o oxigênio molecular presente no ar é reduzido no catodo por elétrons, formando ânions de oxigênio (O2-). Esses O2- atravessam o eletrólito em direção ao anodo para oxidar o H2, liberando elétrons para o circuito externo e, em seguida, esses elétrons voltam ao catodo para reduzir o oxigênio do ar em O2-. Essa reação eletroquímica não somente produz elétrons, mas também calor e H2O.
 
Não podemos utilizar o H2 direto porque é um gás que requer ser crioliquefeito e armazenado em tanques de alto custo, com riscos de explosão em caso de colisão. Já o hidrogênio é um elemento presente nas moléculas de hidrocarbonetos e biocombustíveis, como o etanol. O etanol possui 6 atómos de H que podem formar 3 moléculas de H2 (C2H5OH). Ou seja, os biocombustíveis armazenam hidrogênio na forma líquida. O C2H5OH armazena 18,4 MJoules/litro, enquanto o H2 armazena apenas 0,01 MJoules/litro de energia em CNTP. 

A figura abaixo apresenta um esquema da SOFC com os componentes, os materiais estado da arte e os coeficientes de expansão térmica respectivos. Além da célula SOFC, podemos observar na figura o stack delas. O sistema produz eletricidade para alimentar o motor e as baterias. Em casos de demanda de picos de energia, como em ultrapassagens, o módulo de baterias ou um banco de supercapacitores poderão fornecer potência rapidamente ao motor elétrico. 

O banco é usado para reabsorver rapidamente a energia regenerativa do motor elétrico durante a desaceleração ou frenagem do veículo.  Nessa configuração, o módulo de baterias Li-ion suprime a flutuação de potência inerente do stack de SOFCs. A figura mostra:
A: ampliação em CAD de uma seção transversal de uma célula unitária MS-SOFC e seus componentes,
B: CAD de uma célula unitária MS-SOFC e seus interconectores,
C: CAD de um stack de MS-SOFCs, 
D: componentes da MS-SOFC, E: materiais usados nos componentes das MS-SOFCs, 
F: coeficientes de expansão térmico dos materiais dos componentes usados nas MS-SOFCs.
 
Os motores elétricos assíncronos e magnéticos de corrente alternada exibem elevados torque, eficiência na conversão de energia elétrica em cinética e excelente controle rotacional. Os motores dos veículos plug-in das empresas Tesla e Honda apresentam eficiências de até η=0,92 e η=0,97, respectivamente.  

Esse sistema powertrain híbrido tem como vantagens:
1) tanque pequeno para ser abastecido com etanol hidratado;
2) autonomia depende do reformador externo, da quantidade de combustível e das eficiências do reformador e do stack de SOFCs e não do módulo de baterias;
3) o módulo de baterias pode ser reduzido até 1/5 em volume, reduzindo o peso e o custo e
4) a quantidade de substâncias tóxicas e inflamáveis presentes nos eletrodos e eletrólitos das baterias Li-ion serão menores, permitindo também a redução pela demanda de Ni, Li, Co, Al, Cu, Si, Zn, Mn e carbono, frequentemente sujeitas a oscilações de preços e crises. A solução brasileira pode beneficiar 2 bilhões de pessoas no planeta desta e das próximas gerações.