A lei que institui o Programa Nacional de Combustível de Aviação Sustentável (ProbioQAV), sancionada pelo presidente Lula em outubro, é o caminho para colocar o Brasil na vanguarda da produção mundial de Combustível de Aviação Sustentável (SAF).
O desenvolvimento dos biocombustíveis no Brasil, sobretudo, deve-se principalmente a um histórico de políticas desenvolvidas em favor desse setor. Além do Proálcool, tivemos o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que teve como objetivo desenvolver estudos para a inclusão do biodiesel na matriz energética nacional e que culminou com a sanção da Lei 11.097/2005. Da mesma forma, hoje temos a Lei 14.993/2024, que inclui o SAF na matriz energética nacional.
Além disso, o SAF vai pegar carona no que o Brasil tem de melhor em biocombustíveis e listo aqui alguns motivos:
Primeiro, a experiência de produção de biocombustíveis. A partir da década de 1930, o governo de Getúlio Vargas promulgou a Lei 737, que determinava a adição de 5% de etanol à gasolina, com o objetivo de aumentar a segurança energética do Brasil. Essa medida abriu caminho para o desenvolvimento de biocombustíveis, o que levou ao Programa Nacional do Álcool (Proálcool) nas décadas de 1970 e 1980 e à era dos carros flexíveis no final da década de 1990 e início dos anos 2000.
De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), o Brasil possui atualmente 415 usinas de produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel), que bateram recordes em 2023 com a produção de 43 bilhões de litros, tornando o Brasil o segundo maior produtor e exportador do mundo, além de contribuir significativamente para a redução de CO2 na matriz energética.
O país tem uma vasta base de biomassa. Hoje, existem nove rotas aprovadas para a produção de SAF, e o Brasil tem capacidade para atender a todas elas. As mais comuns são a Hydroprocessing Esters and Fatty Acids (HEFA), que se baseia em óleos vegetais, gorduras animais e óleo de cozinha usado, e a Alcohol-to-Jet (ATJ), que utiliza milho e cana-de-açúcar como principais fontes de energia.
A cana-de-açúcar produz etanol de primeira e segunda geração, E1G e E2G. Na rota HEFA, os óleos vegetais são provenientes de diversas fontes que já são produzidas em larga escala no Brasil, como o óleo de palma e o óleo de soja.
Outras matérias-primas, como a macaúba e a canola, também estão sendo desenvolvidas. A macaúba tem o potencial de produzir de quatro a seis vezes mais óleo do que a soja e tende a ser mais sustentável, pois pode ser cultivada em terras degradadas e não compete com a produção de alimentos.
O Brasil tem o potencial de liderar a transição dos combustíveis alternativos para a aviação. Um estudo recente da Embrapa mostra que há 100 milhões de hectares de terras degradadas no país - uma área do tamanho de vários países europeus - que podem ser usados para expansão agrícola. Além disso, há projetos em andamento no Brasil para a construção de novas biorrefinarias para a produção de SAF.
Por último, mas não menos importante, temos o conhecimento tecnológico. Em geral, os agricultores brasileiros já dominam o uso da tecnologia na produção. Uma pesquisa de 2020 realizada por um consórcio da Embrapa, Sebrae e INPE mostrou que 84% dos agricultores brasileiros já usavam, pelo menos, uma tecnologia digital para aumentar a produtividade, reduzir custos e diminuir o uso de fertilizantes e pesticidas.
A aviação, considerada uma indústria de difícil descarbonização (hard-to-abate), opera em uma infraestrutura muito complexa e com produtos de alto valor agregado, empregando e conectando milhões de pessoas em todo o mundo e sendo responsável por 2,5% das emissões globais de CO2. Embora esse seja um número considerado baixo em comparação com outros setores, tem o compromisso de avançar na descarbonização. Em 2021, as companhias aéreas membros da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) aprovaram o compromisso “Fly Net Zero by 2050”, concordando em zerar as emissões de CO2 até 2050.
O acordo alinhou o setor de aviação com a meta de limitar o aumento da temperatura a 1,5°C, conforme estabelecido no acordo da COP21 em Paris em 2015. Em 2022, na 41ª reunião da Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), foram estabelecidas as Metas Aspiracionais de Longo Prazo (LTAG - Long Term Aspirational Goals), alinhando os países membros com os objetivos de carbono zero até 2050.
O SAF representa 65% da solução para atingir a meta de zero emissões líquidas até 2050, mas são necessárias outras formas de investimento, como a introdução de novas tecnologias e fontes de energia – especialmente hidrogênio e eletricidade renovável –, investimentos em infraestrutura, melhorias na eficiência operacional e compensações de captura de carbono.
A evolução tecnológica sempre andou de mãos dadas com a evolução da aviação. Muito foi investido ao longo dos anos para modernizar o setor. As aeronaves de última geração transportam mais passageiros, gastam menos combustível e têm maior alcance do que as aeronaves do mesmo porte nas décadas de 1970 e 1980. Essa evolução foi necessária para torná-las mais seguras e mais eficientes. Agora, o objetivo é descarbonizar a aviação o máximo possível.
Estamos cientes de que há muitos desafios, sendo um deles o custo do SAF, que pode ser de duas a seis vezes maior do que o dos combustíveis fósseis, enquanto outros mecanismos, como Book & Claim e impostos, precisam de mais desenvolvimento. É necessário um exame minucioso da cadeia de suprimentos para garantir a produção sustentável de SAF.
O SAF pode reduzir as emissões em até 80% em comparação com os combustíveis convencionais. Atualmente, todas as aeronaves da Airbus podem voar com até 50% de SAF. Até 2030, elas deverão ser certificadas para voar com 100% de SAF. Realizamos testes de voo em todas as divisões, desde aeronaves comerciais até helicópteros e aeronaves militares.
Além disso, a Airbus está aumentando o uso de SAF em suas próprias operações, com uma meta de 15% de SAF em nosso mix global de combustível até o final de 2024 e, pelo menos, 30% até 2030. Em 2023, a Airbus usou mais de 11 milhões de litros de SAF em suas operações.
O SAF é uma parte dessa jornada, mas são necessárias mais ações para atingir a meta de zero líquido até 2050. A Airbus tem a ambição de colocar no mercado a primeira aeronave comercial movida a hidrogênio até 2035. O projeto ZEROe da Airbus está explorando os tijolos tecnológicos certos, além do ecossistema de produção e fornecimento.
De acordo com a IATA, seria necessária uma capacidade de produção global de 450 bilhões de litros de SAF até 2050 para atingir a meta de emissões zero. Além dos investimentos necessários, políticas devem ser implementadas em todos os cantos do mundo. Para estimular a demanda e aumentar a produção, desenvolvemos algumas parcerias estratégicas. Um exemplo é a participação da Airbus no fundo SAFFA (Sustainable Aviation Fuel Financing Alliance), anunciado em julho, que tem como objetivo financiar projetos para acelerar a produção de SAF.
Além disso, estamos realizando um estudo em conjunto com a LATAM e o MIT (Massachusetts Institute of Technology) para construir uma análise abrangente de cenários e projeções de preço e demanda com a implantação do SAF até 2050, no Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru.