Diretor da GEO Energética
Op-AA-35
Estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia, revelam que, nos próximos anos, o consumo de energia no Brasil crescerá na média anual de 4,7%, acompanhando as taxas projetadas de crescimento econômico do País. Em 2012, o consumo total de energia no Brasil alcançou a marca de 448.292 GWh.
Então, confirmando-se a projeção da EPE, chegaremos a 2021 com um consumo anual de 677.768 GWh de energia no Brasil. E a pergunta que todos se fazem hoje é: teremos geração para tudo isso? Segundo o EPE, até 2012, a capacidade instalada no Sistema Interligado Nacional deverá crescer 56%.
O conjunto das fontes renováveis de energia no País aumentará acima da demanda, a uma taxa média de 5,1% ao ano. Nesse período, a fonte eólica deverá ter o maior crescimento, chegando a 16 mil MW de capacidade instalada e ultrapassando a capacidade de geração da biomassa, que será de 13 mil MW. Já a geração hidrelétrica deverá ter um acréscimo de 31,7 mil MW. Observa-se que a geração hidrelétrica continuará sendo a principal opção brasileira para fazer frente ao aumento do consumo de energia no País, a despeito dos fortes impactos ambientais, da dependência dos ciclos da chuva e dos elevados custos de transmissão até os centros consumidores.
Mesmo assim, ela já não será suficiente. Segundo declarou recentemente o secretário de Planejamento do Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura, as hidrelétricas não dão conta de atender à demanda. "Precisamos buscar termelétricas baratas para fazer com que gerem o tempo todo, como as hidrelétricas", afirmou o secretário em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, do último dia 12 de fevereiro.
Isso posto, cabe um questionamento. Se as fontes renováveis projetam um crescimento de 5,1% ao ano, superando a taxa de aumento da demanda, por que o Governo Federal prioriza as termelétricas como segunda fonte da matriz energética nacional? Sabe-se que a energia das usinas térmicas é mais suja e poluente que a das hidrelétricas, especialmente as movidas a carvão mineral.
Ambientalistas alertam que os prejuízos causados ao meio ambiente pela ampliação da geração de energia por meio de hidrelétricas e termelétricas poderão comprometer o plano de mitigação e adaptação do setor de energia às mudanças do clima, conforme estabelecido no Decreto 7.390/10. A meta para o setor energético é de não ultrapassar o patamar de 680 milhões de toneladas de CO2 de emissões absolutas até o final de 2020. E surge mais uma dúvida: conseguiremos alcançar essa meta priorizando as termelétricas?
Diante das dúvidas que se avolumam, queremos chamar a atenção para uma importante alternativa que, neste momento, começa a ser percebida pelo Governo Federal: a geração de energia limpa a partir da biodigestão e tratamento dos resíduos da agroindústria brasileira, em especial do setor sucroenergético.
As projeções da EPE indicam que, dentre as principais fontes renováveis que ganharão espaço na geração de energia no Brasil até 2021, os derivados da cana-de-açúcar (incluindo o etanol) terão um crescimento médio anual de 8,1%. Esse crescimento poderá ser muito mais expressivo se não olharmos somente para o etanol e para a cogeração proveniente da queima da palha e do bagaço. O Brasil já dispõe de tecnologia instalada para transformar todos os resíduos da cana-de-açúcar em energia limpa.
O Brasil produz, anualmente, cerca de 450 milhões de toneladas de resíduos de cana-de-açúcar, que ainda são subutilizados. Não há outro país no mundo que se equipare ao Brasil no que diz respeito ao potencial para geração de energia a partir de resíduos da cana-de-açúcar.
Por suas condições naturais, suas vastas plantações de cana, suas mais de 400 usinas de açúcar e etanol e, certamente, devido aos avanços técnicos e tecnológicos relacionados ao setor sucroenergético, o Brasil é o único país do globo onde a totalidade dos resíduos da cana-de- -açúcar pode gerar energia equivalente à produzida pela Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Sim, isso já faz parte da realidade brasileira, e é nesse sentido que acreditamos que o Brasil venha a se tornar para o mundo uma referência em geração de energia limpa, verde e renovável. Longe de ser a única solução para qualquer crise energética do País, o processamento dos resíduos da cana para produção de biogás e posterior geração de energia elétrica é, certamente, uma alternativa que tende a ter grande impacto para o setor energético.
Tomando como base o processo natural da biodigestão, pesquisadores brasileiros de diversas áreas do conhecimento uniram suas competências e, após uma década de trabalho, conseguiram atingir a escala comercial de produção de biogás a partir desses resíduos. Por meio de um processo 100% limpo, já é possível produzir energia 100% verde, sem o uso de terras e matérias-primas nobres, mas onde a terra já foi trabalhada e com os resíduos da produção de açúcar e álcool.
A evolução natural, que está em curso, é a conversão do biogás resultante dessa biodigestão controlada em Biometano e o uso desse Gás Natural Verde na substituição do óleo diesel de toda a frota das usinas, utilizando a plataforma de motores já produzidos em série, tanto nos Estados Unidos como na Europa.
Quando essa meta for atingida, o etanol produzido por tais usinas alcançará uma redução de 95% na emissão de gases do efeito estufa frente a um combustível fóssil, tornando-se, assim, o primeiro combustível líquido carbono neutro, conforme comprovaram estudos do Centro Nacional de Referência em Biomassa (CenBio), da USP, sobre o uso de biometano como combustível.
Como se pode notar, o potencial do setor sucroenergético na produção de energia verde vai além do etanol e da cogeração, podendo ser estendido para toda a agroindústria, na medida em que avançarem as pesquisas sobre a biodigestão controlada de seus resíduos – resíduos estes que, para essa nova indústria que surge, a indústria da biomassa, são importantes matérias-primas.
Ainda timidamente, se compararmos com outras fontes energéticas, o governo brasileiro começa a demonstrar reconhecimento desse potencial por meio do lançamento de programas de incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico na área de produção de biogás. Exemplo disso é o P&D 014/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que prevê o investimento de R$ 476 milhões, nos próximos três anos, na instalação de 33,7 MW em usinas de geração de energia elétrica a partir do biogás de resíduos e efluentes líquidos.
O governo começa a se dar conta do retorno e do impacto a curto, médio e longo prazos do investimento nas energias verdes. É preciso que o setor produtivo também se dê conta disso e some esforços para que todos façam frente à necessidade crescente de energia em nosso país.