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Edelclaiton Daros

Professor da Universidade Federal do Paraná e Coordenador Geral da Ridesa

Op-AA-36

Está tudo aí para quem quiser ver

Extremamente interessante a pauta deste número da Revista Opiniões: “Como produzir mais, melhor e com menor custo”. Esse assunto veio em um momento único para o setor sucroalcooleiro, para poder refletir sobre o que está acontecendo em relação à cultura da cana-de-açúcar.

Em prazo muito curto, todo o sistema de produção passou por mudanças drásticas, como a mecanização da colheita e plantio, a não queima dos canaviais, o aparecimento de nova doença e aumento da incidência das antigas, o descontrole de pragas controladas por controle biológico, períodos climáticos instáveis por anos seguidos, refletindo em queda acentuada de produtividade, além de desequilíbrios econômicos, levando, enfim, ao momento de, como diz um grande de treinador de futebol, “precisamos ir ao vestiário, para vermos o que está acontecendo e arrumar a casa”. Mas vamos voltar ao tema e ressaltar qual o papel das universidades federais que compõem a Ridesa, nesse contexto.

A meu ver, foi fundamental a continuidade da pesquisa que a Ridesa proporcionou ao setor, ao absorver o Planalsucar, principalmente na obtenção de variedades de cana-de-açúcar. Até a sua extinção, o Planalsucar liberou dezenove variedades, entre elas a RB72454, que foi a variedade mais cultivada no mundo e a de maior tempo em cultivo em extensas áreas, além de preparar um grande número de clones para tornarem futuras variedades. Gostaria de lembrar que, a partir de agora, o texto que segue não existiria, caso a Ridesa não tivesse absorvido o Planalsucar. Seriam para o setor anos difíceis, como veremos adiante, em que não se consegue mensurar quais os danos econômicos para este e para o País.

Quando da entrada da Ridesa, em pesquisa com cana-de-açúcar, houve questionamentos sobre a sua competência em dar andamento ao trabalho do extinto Planalsucar. Talvez até pelo desconhecimento do potencial que existe em uma universidade, prefiro essa explicação, a da tentativa de desacreditar a universidade junto ao setor. (Aliás, onde estão esses senhores agora?

Isso precisava ser dito.) Até 2013, a Ridesa liberou 59 variedades de cana-de-açúcar, sendo 35 oriundas do trabalho iniciado pelo Planalsucar, ao qual demos continuidade e fomos capazes de avaliar, selecionar e indicar para cultivo a variedade RB867515, atualment a mais cultivada em escala mundial; a RB855156, que antecipou a safra pela sua precocidade e serviu de progenitora para tantas outras variedades, e outras que têm ou tiveram áreas expressivas nas unidades produtoras de açúcar e etanol, tais como RB835054, RB835486, RB835089, RB83102, RB855453, RB855113, RB855536, RB845210 e RB863129.

As 24 variedades restantes são oriundas do trabalho exclusivo da Ridesa, a partir de 1991, do qual se destacam as variedades RB92579, que impactaram a produtividade do Nordeste em mais de 30% e está em franca expansão na região Sudeste, e a RB966928, que, a exemplo da mãe RB855156, trouxe a riqueza e a precocidade em ambientes restritivos, sendo, atualmente, a segunda em intenção de plantio na safra 2013. Destacam-se ainda as variedades  RB928064, RB93509, RB925211, RB965902, RB931003, RB98710 e RB99395.
Portanto,  ao longo desses 42 anos de pesquisa, sendo 19 anos do Planalsucar e 23 anos da Ridesa, foram liberadas para plantio 78 variedades que, em muito, contribuíram para a expansão do setor, dando garantia e segurança em relação às características agroindustriais das variedades.

Expandimos em área de atuação para abranger todos os estados produtores, pelo menos com uma universidade fazendo pesquisa com cana-de-açúcar nessas unidades da federação; novos professores e pesquisadores foram incorporados para consolidação dos PMGCAs/Ridesa; passamos a ser referência no Brasil e no mundo, como um grande programa de melhoramento genético da cana-de-açúcar, com muita dedicação e trabalho, e representamos, hoje, mais de 60% de variedades RB cultivadas no Brasil. Todo esse trabalho foi fruto da parceria entre o setor sucroalcooleiro e a Ridesa, recursos que, ao longo dos 22 anos, foram suficientes apenas para a manutenção do que se considera mínimo, valor modesto quando comparado com outros programas financiados pelo setor, e pelo resultado obtido, algo que deu muito certo nessa parceria público-privada.

Essa foi a nossa contribuição ao tema proposto, na obtenção e na liberação das variedades RB, fundamental e muito importante na consolidação do setor. Gostaria de lembrar que, se nós não tivéssemos dado andamento ao programa Planalsucar, nada do que foi dito existiria, já que as variedades que citamos não estariam em cultivo no País. Porém voltemos à pauta: gostaria de lembrar a frase do saudoso jogador Garrincha, na Copa do Mundo de 1958, quando o presidente da CBF lhe apresentou um plano absolutamente mirabolante de como passar pela defesa do time adversário e marcar os gols necessários para vencer a partida: “Vocês já combinaram com os russos, não é?”

E aí eu faço minhas as suas palavras: “vocês já combinaram com a cana-de-açúcar?” Enquanto a área orçamentária tiver poder de decisão em relação à área agrícola e seu manejo, onde passa a ser mais importante o custo e não o rendimento da lavoura, eles poderão revogar a lei que diz maior produtividade, menor custo, (economia em escala, equilíbrio em investimento e produtividade...), passando a ser verdade “menor investimento e a cana-de-açúcar que se vire para produzir...”.

Eles imaginam menor produtividade e menor custo, e penso que conseguiram. Devemos considerar que estamos manejando uma lavoura semiperene, com, no mínimo, cinco cortes; em alguns momentos, parece que o custo do etanol e do açúcar é culpa da planta cana-de-açúcar, e aí vai sem adubo, com meia dose de adubo, sem herbicidas, com transbordo com o dobro do peso de recolhimento para baixar custo.

Calcula-se que o uso da torta tem raio médio, quando todo técnico sabe que o seu uso independente do raio médio, ela aumenta em muito a produtividade. Estima-se a produtividade e faz-se adubação de nitrogênio, (custo) fundamental para a produtividade, em função do esperado em termos de produção, e, se houver um ano favorável, e com potencial, nos limitamos à produtividade pela dose do nutriente.

Professor aprende sempre. Em uma palestra de um grande amigo, aprendi que produzir cana-de-açúcar é igual a fazer um bolo de fubá, em que preciso de dois ovos e não seis, que coloco 500 gramas de farinha e não 2 quilos por estar barata, ou seja, olhem como é simples, nem mais, nem menos, tudo colocado na medida certa. Agora, pergunto: qual é a medida certa para a cultura da cana-de-açúcar?
Os programas de pesquisa com a cultura da cana-de-açúcar, atualmente, estão voltados, quase exclusivamente, para obtenção de variedades, porque existe uma lei de proteção, em que podem cobrar royalties, como se a variedade fosse resolver todos os nossos problemas; e lembrem-se: as Organizações Tabajaras não fazem melhoramento genético da cana-de-açúcar.

Temos um desafio pelo tema proposto: Como produzir mais – sem pesquisa; melhor – sem pesquisa; e com custo menor – sem pesquisa. Precisamos ter juízo neste momento e rever a pesquisa com a cana-de-açúcar no País, com programas completos em todas as áreas de conhecimento, com instituições trabalhando junto em suas competências, para tentarmos resolver os problemas do setor e não das instituições. Se começarmos agora, talvez, em dez anos, tenhamos alguma resposta. Estou sendo otimista.

Penso que essa é a única cultura, cuja parte significativa da pesquisa é financiada pelos produtores, principalmente na obtenção de variedades; que a meu ver não consegue resolver sozinha o problema das unidades de produção de açúcar e etanol. Precisamos, urgentemente, estabelecer um programa em escala nacional em todas as áreas de pesquisa com a cultura da cana-de-açúcar, para que possamos dar segurança a esse setor e ao País.

Esse é o nosso desafio; penso que, nas universidades e nas instituições de pesquisa, temos competência para encaminhar uma solução dos problemas e auxiliar na consolidação efetiva do setor sucroalcooleiro no País, produzindo mais, melhor e com menor custo. Porém quem financia a pesquisa é o setor sucroalcooleiro, e este também precisa repensar as suas prioridades e os seus investimentos em pesquisas, pois só variedade não resolve o problema de produzir mais, melhor e com menor custo.

Assim, com esse espírito, por que não reunir todas as unidades de pesquisa e produção e fazer um programa nacional de pesquisa com a cultura da cana-de-açúcar, preservando as suas competências? O desafio está lançado. Gostaria de terminar com uma frase de uma música de Chico Anísio e Arnold Rodrigues: “Não há considerações gerais a fazer, está tudo aí para quem quiser ver”.