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Paulo Adalberto Zanetti

Presidente da Renuka do Brasil

Op-AA-34

Eu acredito na palavra

Estamos no meio de uma crise. É verdade, não há como negar. Os reflexos são evidentes demais para serem questionados. De um lado dessa questão, temos o setor sucroenergético e, do outro, o Governo Federal. Entretanto eu acredito que esse problema, como qualquer outro que possamos enfrentar na vida, será resolvido se houver disposição, boa vontade, espírito cooperativo e maleabilidade. Nada resiste a um argumento expresso com bom senso. Essa crise tem seus dias contados.

Juntos, o setor sucroenergético e o governo brasileiro são protagonistas de conquistas de grande expressão. É uma história de longa data: de envolvimento, de parceria, de trabalho, de dedicação e de vitórias. Se tomarmos como base o carro a álcool, poderemos delimitar o tempo e contar detalhes dessa relação a partir do Proálcool – um projeto que visava substituir o caríssimo e importado petróleo da época por um produto de base agrícola, que seria produzido, em larga escala, dentro de nossas próprias fazendas, transformando um produto, até então, conhecido apenas nas prateleiras das farmácias, em combustível de veículos, distribuído nas bombas dos “postos de gasolina” de todo o País.

Representamos, nós dirigentes do setor, os anseios de muita gente, que depende do nosso sucesso. Tanto acima de nós, como pares e funcionários. Os acionistas esperam o justo e devido lucro pela riqueza que colocam, de uma forma direta, em nossas mãos para administrá-la; nossos pares e empregados, que igualmente colocam, de forma indireta, o sustento de suas famílias. Sem contar a imensa quantidade de gente que depende, por cascata, dos nossos fornecedores de todo material e insumos que utilizamos. Muita gente depende do nosso sucesso. Temos a obrigação de buscá-lo com empenho.

Essa não é a primeira crise e nem será a última. E, em todas elas, dependemos do governo, com sua mão de direção, administrando diferenças, combinando os interesses análogos, assemelhados, complementares, quando não conflitantes, atenuando conflitos, ajudando na formação e na estruturação de ideias e de pensamentos, porque o Governo Federal, além de todos nós – dirigentes das usinas brasileiras –, enxerga os anseios de toda a população brasileira e precisa atender a eles.

Nosso setor trabalha com um assunto de grande interesse da nação, é assunto de Estado, não de um governo temporário. Nós – dirigentes – sabemos disso, e as pessoas que participam desse governo – quer sejam elas temporárias, quer estejam de longa data trabalhando próximas ao setor –  igualmente sabem. Ninguém será maior do que todos juntos. Precisamos reatar nossos laços com os Governos Federal e Estaduais; são eles que irão nos ajudar a formatar nosso futuro. Eles têm competência, sentido, desejo e responsabilidade. A ninguém interessa a derrota e a quebra. Temos que estar disponíveis tão somente para aparar as arestas. O governo sempre nos ajudou, sempre foi nosso parceiro em todos e importantes momentos de nossa história.

No meio de uma outra crise, em 1975, portanto há 40 anos, o açúcar estava com os preços muito baixos, praticamente inviabilizando o setor. Nessa mesma época, por uma "feliz" coincidência, o petróleo estava com os preços absurdamente altos, inviabilizando o Balanço de Pagamentos do País. Sob esse cenário, com interesses de ambos os lados, meia dúzia de mentes brilhantes do setor procurou o governo e propôs transformar parte do melaço – resíduo da produção de açúcar – em álcool, para ser utilizado como substituto do petróleo.

A ideia deu certo, conquistou a confiança do governo, formou laços de compromissos, trouxe segurança e instigou todo um setor a investir nas modificações necessárias e, depois, no desenvolvimento de nova tecnologia, num projeto inédito no mundo, para a produção, em larga escala, de um combustível renovável para substituir o petróleo. Gente nova se interessou pelo projeto, investindo grande soma de recursos, formando cooperativas de produtores, viabilizando uma das maiores parcerias do mundo. Assim nasceu o Proálcool.  Sucesso do setor. Sucesso do governo. Sucesso da parceria.

Já no final da década de 1970, com o objetivo de reduzir a importação de petróleo, o governo decidiu ir além do já alcançado e propôs ao setor o investimento em destilarias autônomas – para a produção exclusiva de álcool a partir da garapa. O projeto foi de vento em popa. Novo sucesso dessa parceria assertiva.

Na década de 1980, quando a produção do carro a álcool era predominante, o preço do petróleo despencou para US$ 12 o barril. Nova crise. O setor alcooleiro perdeu a importância, mas governo e produtores se uniram na busca de soluções, se aliaram e criaram uma legislação estabelecendo a mistura do etanol anidro à gasolina.

O etanol passou a ser utilizado como aditivo na gasolina em substituição ao cancerígeno chumbo tetraetila. O setor ganhou representação, consolidou sua importância no meio ambiente, continuou a gerar emprego e renda. Vitória para ambos os lados. A parceria continuava a dar frutos.

Entre o final da década de 1980 e início da década de 1990, uma nova crise se instalou. O setor propôs ao governo o estabelecimento de novas cotas para produção de açúcar – pois, desde 1964, o governo não cedia novas cotas para produção. Quando uma usina desejava aumentar a produção, precisava comprar os direitos de cotas de uma outra usina. O governo aceitou modificar o sistema. A partir de 1992, a produção deixou de ser controlada; assim, cada usina passou a administrar a sua produção e a comercialização do açúcar. Nesse momento, o etanol ainda permanecia com sua produção controlada pelo governo, por ser considerado um produto de segurança nacional. O setor cresceu, gerou riquezas e empregos, aumentou de expressão.

No final da década de 1990, o governo resolveu acabar com o controle que exercia sobre o etanol e desregulamentou também a produção e comercialização do álcool, atendendo ao pleito de parte do setor. Nem todas as ações lograram sucesso a curto prazo. Essa foi um exemplo. Mas os benefícios gerados a médio e longo prazos foram excelentes. Uma nova e enorme crise se instalou. Repentinamente, um setor, até então tutelado, produzindo a quantidade que se mandava, vendendo a um preço certo e sabido, teve que, do dia para a noite, aprender a negociar, administrando a produção da maior safra de todos os tempos.

No início, foi um desastre. Muita gente quebrou. Mas, aos poucos, o setor foi se profissionalizando e se aliando aos pares, formando centrais de vendas, unindo esforços, conversando, dando a volta por cima e, novamente, quase surgindo das cinzas, se estruturou e se fortaleceu. Novamente, governo e setor se uniram e obtiveram significativas vitórias.

Novo cenário. Vento na vela. Com o mercado mundial do açúcar e do álcool crescentes; com representativos sinais de melhora ainda maior do cenário, como a discussão da queda da barreira do açúcar no mercado europeu; com a sinalização da abertura do potencialíssimo mercado dos Estados Unidos; com o consumo interno aumentando em função da melhora significativa do poder aquisitivo do povo brasileiro; com a consolidação e a ampliação do sistema de cogeração; com a entrada e sucesso do carro flex, e o petróleo a US$ 120 o barril, dentre muitas outras sinalizações positivas reais. Tudo indicava segurança. Nesse cenário, o setor começou a investir pesado na ampliação e instalação de novas usinas e destilarias. Os recursos vieram de seus próprios caixas, da antecipação dos contratos de venda de açúcar e do álcool, bem como de fomento do BNDES.

O crédito era farto porque a segurança era sólida. De repente, o quarto maior banco dos Estados Unidos, o Lehman Brothers, quebrou e arrasou com o sistema de crédito mundial e, no rodo, com o brasileiro.

Agora, sem crédito, com instalações de novas unidades em construção consumindo enormes recursos, com suas despesas operacionais em andamento, na administração de um caixa sazonal – convém sempre lembrar que o setor tem uma safra em seis meses, que toma 70% dos seus custos anuais, para uma venda nos próximos doze meses. Novamente, uma séria crise se instala.

Vendo do lado de fora o tamanho do mercado, a atualizada tecnologia instalada e seguros sinalizadores para médio e longo prazos, chegam os investidores internacionais, quer como sócios, quer assumindo o controle acionário de unidades, às vezes de grupos inteiros, e entram saneando o sistema. Trazem um novo fôlego. As dívidas foram reestruturadas, os bancos tomam o que podem como garantias. De uma forma ou de outra, o governo ajudou.

Chegamos à atual crise. Cenário: não há crédito, mercado do etanol reduzido, com seu concorrente – a gasolina – subsidiada pelo governo, numa concorrência desleal com o etanol hidratado, com o preço engessado por longos oito anos; mesmo trazendo imensos prejuízos à Petrobras, o País consumindo gasolina como nunca – elevando a cada dia o tamanho do buraco.

Qual é a saída? Novamente o governo. Sempre o governo. Foi sempre o parceiro, por que não seria agora? Ele, com a sua mão poderosa e direcional, zelando pela Nação, com um interesse que transcende os interesses diretos do setor – não o tendo como inimigo, mas como parceiro; enxergando os anseios da grande massa dependente do sistema sucroalcooleiro, e da população brasileira como um todo, o governo pode e tem, certamente, interesse em ajustar os parâmetros dessa parceria.

É indispensável nos organizarmos novamente, procurarmos definir com clareza nossas necessidades comuns, definirmos a representação, chamarmos o Congresso Nacional a participar, estabelecermos novos mecanismos de competição, definirmos uma agenda clara, buscarmos o apoio de uma política pública ativa, ajustarmos uma infraestrutura de apoio condizente, dentre uma série de ações que, juntos, podemos buscar definir.

Planos, metas, compromissos, responsabilidades e parcerias. É disso que precisamos nesta hora. Todos sabemos como podemos ajudar. Eu acredito na parceria. Eu acredito na palavra.