Coautora: Gabriela Ferraz de Siqueira, Consultora da AgriResult Consultoria Agrícola
Um dos maiores desafios encontrados pelo setor sucroenergético brasileiro, nos últimos anos, é lidar com as condições climáticas estressantes para a cana-de-açúcar, como geadas, temperaturas desfavoráveis para o desenvolvimento, abaixo de 15°C e acima de 35°C, estresse hídrico, problemas que limitam a produção vegetal.
Devido à expansão da cultura para regiões com condições climáticas mais limitantes ao cultivo, com precipitação irregular durante a estação chuvosa ou ocorrência de geadas e seca prolongada entre maio e outubro, esses problemas afetam negativamente grande parte das áreas de cultivo de cana-de-açúcar.
Sob condições ambientais de baixa disponibilidade hídrica, como consequência, existe aumento do processo de fotorrespiração, o que leva ao consumo excessivo de reserva metabólica, que poderia ser utilizada para conversão da fotossíntese em açúcar. Nesse contexto, ocorrem problemas diretos, de ordem qualitativa e quantitativa, e a matéria-prima perde características desejáveis para o melhor rendimento industrial, como aumento nos teores de açúcar invertido e de gomas e perda de peso total em decorrência da redução da proporção de caldo.
Um estresse é definido como um fator ambiental que restringe as funções e o desenvolvimento normais, na medida em que pode até matar a planta. Quando as plantas são expostas a algum estresse abiótico, ocorrem alterações no seu metabolismo celular, morfologia e fisiologia, como mecanismo de defesa para amenizar qualquer injúria, e, nesses casos, alguns dos mecanismos que as plantas utilizam para se proteger são o fechamento estomático, a inibição do crescimento das folhas e colmos, a senescência e menor área foliar e a produção de EROs (Espécies Reativas de Oxigênio), o que consiste na resposta inicial aos fenômenos de estresses bióticos e abióticos nas plantas.
A produção de EROs como mecanismo de defesa causa um estresse oxidativo altamente prejudicial à produção agrícola, e as plantas desenvolveram mecanismos complexos de proteção que desempenham um papel vital na desintoxicação de estresse oxidativo nos compartimentos celulares e minimizam os danos causados às membranas, dentre eles, o aumento da atividade das enzimas antioxidantes, como catalase, superóxido dismutase, ascorbato peroxidase e glutationa redutase, além de moléculas antioxidantes, como ascorbato e glutationa.
No mundo, cerca de 41% de toda a área cultivada apresenta problemas com condições climáticas desfavoráveis ao desenvolvimento das culturas, fatores estes principalmente relacionados a períodos de falta de água, ou seca propriamente dita, e elevadas temperaturas. Esses problemas são mais pronunciados quando as práticas de manejo das culturas não são adequadas ao seu desenvolvimento.
Somente a seca causa mais perdas anuais na produção agrícola do que todos os patógenos combinados. Plantas mais tolerantes a estresses ambientais têm sido produzidas através do melhoramento genético, bem como os sistemas de manejos conservacionistas também têm melhorado as respostas produtivas à essas condições; porém a eficiência dessas práticas não tem conseguido acompanhar as mudanças ambientais. Nesse sentido, novas tecnologias são de suma importância para o aumento do rendimento das plantas nas mais diversas condições.
Para o pleno desenvolvimento e a ativação do sistema de defesa, é necessário que as plantas se encontrem em boas condições nutricionais, induzindo a tolerância tanto a estresses bióticos quanto abióticos, através da regulação do potencial osmótico das células vegetais, maior síntese de aminoácidos (aa), conferindo maior resistência à estrutura da parede celular e ativando enzimas, dentre outros mecanismos. Além dos nutrientes minerais, outros compostos com alta tecnologia embarcada, como aa, extratos de plantas, hormônios vegetais e protetores solares, têm se mostrado viáveis. Assim, esse manejo foliar pode ser uma prática eficaz para melhorar a produtividade e aumentar a tolerância ao estresse das culturas.
Tentando mitigar os efeitos dos estresses abióticos na cana-de-açúcar, principalmente relacionados à baixa disponibilidade hídrica e a temperaturas muito acima ou abaixo da adequada para a cultura, produtos “protetores” vêm sendo considerados uma técnica promissora.
Podem ser utilizados protetores solares, que proporcionam uma barreira física de proteção às plantas ou complexos nutricionais, com ou sem aa ou extratos vegetais em sua composição, que proporcionam uma barreira química. Os produtos devem ser aplicados quando a planta apresenta turgidez foliar, previamente ao aparecimento de sintomas do estresse, visando aumentar a tolerância aos estresses, atenuando os danos decorrentes e, assim, reduzindo a perda de produtividade da cultura.
As condições do canavial e a intensidade do estresse influenciam o resultado. Desse modo, canaviais nutricionalmente bem manejados apresentam melhores resultados quando recebem a aplicação dessas novas tecnologias. Portanto essa tecnologia não proporciona aumento de produtividade, mas sim reduz as possíveis perdas.
Essa proteção pode ocorrer de duas maneiras: através de uma barreira física, reduzindo os danos causados pelos raios ultravioletas e diminuindo a temperatura foliar, minimizando a perda excessiva de água via transpiração e melhorando a eficiência de uso da água pelas plantas; ou através de uma barreira químico/metabólica, aumentando a atividade de enzimas e compostos antioxidantes que protegem os pigmentos fotossintéticos e os compartimentos celulares, mantendo, assim, a eficiência da atividade fotossintética.
Diversos estudos foram realizados entre 2018 e 2020 para validar essa técnica de manejo, aplicando os produtos protetores, nas mais diversas composições, anteriormente à ocorrência do estresse, enquanto as plantas ainda não apresentavam sintomas decorrentes de condições climáticas desfavoráveis e turgidez nas folhas, o que ocorreu, na região Sudeste, entre os meses de maio e julho, em canaviais colhidos entre setembro e novembro.
A aplicação de protetor solar em cana-de-açúcar reduziu a temperatura foliar e, como consequência, aumentou a umidade relativa das folhas e reduziu o déficit de pressão de vapor, além de proporcionar maior condutância estomática e redução da transpiração foliar, levando à maior taxa de fotossíntese líquida pela cana-de-açúcar e menor concentração subestomática de CO2, indicando que a maior parte do CO2 absorvido foi fixado na etapa bioquímica da fotossíntese.
Desse modo, há maior eficiência fotossintética e não sobra energia na cadeia transportadora de elétrons, responsável pela produção de espécies reativas de oxigênio, que causam o estresse oxidativo nas plantas.
Além disso, houve aumento da eficiência no uso da água (EUA), que é a relação entre a absorção de CO2 pelo processo fotossintético e a quantidade de água perdida por meio da transpiração, ou seja, maiores quantidades de CO2 foram fixados e menores quantidades de água foram perdidas por meio da transpiração, o que sugere maior tolerância das plantas sob condições climáticas desfavoráveis. (Figura 1).
Independentemente da composição do produto utilizado como protetor, a média de ganho de ATR (açúcar total recuperável), produtividade de colmos (TCH) e produtividade de açúcar (TAH), obtida em 7 experimentos conduzidos por 3 anos agrícolas, foi de 3 kg/açúcar/t/cana-1, 11 t/colmos/ha-1 e 2 t/açúcar/ha-1, respectivamente. O ganho de ATR variou entre 2 a 6 kg açúcar/t/cana-1, de TCH entre 3 a 20 t/ha-1 e de TAH entre 1 e 3 t/ha-1, sendo a resposta obtida dependente das condições do canavial e da intensidade do estresse sofrido e da tecnologia utilizada. (Figura 2).
Os resultados obtidos nos estudos evidenciam que o uso dessa técnica é uma alternativa para atenuar estresses abióticos, sejam eles causados por baixa disponibilidade hídrica, ou temperaturas muito elevadas ou muito baixas. Independente da tecnologia utilizada nesse manejo, a tolerância das plantas aos estresses é aumentada, minimizando, assim, perdas de produtividade em regiões sujeitas a esses eventos climáticos.