Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP
Op-AA-21
Existe um grande esforço em pesquisa e desenvolvimento para a produção de etanol de segunda geração utilizando vários métodos, dos quais o que se destaca é a hidrólise enzimática. A principal razão para isso decorre do fato de que o etanol nos Estados Unidos e em vários países da Europa é produzido a partir de milho, beterraba e trigo, competindo diretamente com a produção de alimentos.
A expansão prevista do uso de etanol, como resultado de decisões governamentais nesses países, enfrenta dificuldades basicamente devido à inexistência de áreas para expansão. As tecnologias de segunda geração resolveriam esse problema usando qualquer produto agrícola celulósico, como madeira, grama e até lixo orgânico. As perspectivas de sucesso desses esforços são promissoras, mas existem ainda muitas incertezas e um longo percurso antes que tecnologias de segunda geração atinjam maturidade e se tornem comercialmente competitivas.
Daí a importância de avaliar quais os limites atuais da produção de etanol com tecnologias de primeira geração, particularmente a partir de cana-de-açúcar. Em 2008, o Brasil produziu 22,5 bilhões de litros de etanol, usando 3,4 milhões de hectares, o que permitiu substituir cerca de 1,5% da gasolina usada no mundo, principalmente no próprio país, que substituiu aproximadamente 50% da gasolina que seria consumida.
A possibilidade de aumentar essa produção a partir da cana-de-açúcar, depende de dois fatores:
1. ganhos de produtividade que permitiriam produzir mais etanol na mesma área, e
2. expansão geográfica no Brasil e em outros países produtores de cana. Uma análise dos dados existentes mostra que expandir a produção de etanol por essa rota por um fator 10, isto é, substituindo 10% da gasolina usada no mundo, não só é possível como também provável.
Ganhos de produtividade: A cana é uma planta tropical, perene, com metabolismo C4, que captura 6% da energia solar incidente nela, o que corresponde a um rendimento teórico de 472 toneladas de cana por hectare - ou 219 toneladas de biomassa seca por hectare.
Esse rendimento teórico não é atingido na prática devido a uma variedade de limitantes agronômicos, ambientais e fisiológicos, como doenças, qualidade do solo e as próprias características das variedades existentes, que têm teores de açúcar variáveis. Com todas essas limitações, o rendimento máximo que foi alcançado até hoje é de cerca de metade do rendimento teórico.
A produtividade da cana, incluindo a fase agrícola e a produtividade na área industrial - que converte essa cana em etanol, tem crescido cerca de 4% ao ano desde 1975; o número de litros produzidos por hectare aumentou de cerca de 2 mil litros por hectare, em 1975, para 7 mil litros por hectare, em 2005. Isso ocorreu por meio da diversificação e da seleção das variedades usadas, que eram apenas 6, em 1984, e passaram a ser mais de 500, em 2005. Ganhos adicionais poderiam ser atingidos com modificações genéticas. Existe, portanto, a possibilidade de dobrar a produtividade atual.
Expansão geográfica: A área usada por plantações de cana-de-açúcar destinada à produção de etanol no país é de 3,4 milhões de hectares. Outro tanto é usado na produção de açúcar. O total da área cultivada para cana representa 10% da área usada para agricultura no país; soja representa 27% e milho, 18%.
O que é notável, contudo, é que pastagens cobrem 172 milhões de hectares, mais de 2 vezes a área usada para agricultura, que é de 77 milhões de hectares. É obvio, portanto, que uma forma ambientalmente mais segura de expandir as plantações de cana é sobre as pastagens, e não derrubando mata virgem. Isso não só é possível como também está ocorrendo.
Só para citar um exemplo, a área dedicada à agricultura, em São Paulo, cresceu de cerca de 5 milhões para 8 milhões de hectares, de 1970 a 2006, enquanto a área de pastagens caiu de 12 milhões para 9 milhões de hectares. Boa parte dessa expansão é em razão da cana-de-açúcar. Como resultado, a densidade de gado nas pastagens aumentou de 1,1 para 1,3 cabeças por hectare, o que ainda é uma ocupação muito baixa do solo.
Com o recente zoneamento ecológico-econômico adotado pelo estado de São Paulo, a expansão da cultura da cana tem todas as condições para se manter aceitável, sob o ponto de vista ambiental. Há, portanto, amplo espaço para a expansão da cultura da cana no Brasil. O mesmo ocorre na região dos trópicos do resto do mundo. Açúcar de cana é produzido em cerca de 100 países, e os 15 principais produtores responsáveis por 86% da produção são listados na tabela.
A área total ocupada, excluindo o Brasil, é de aproximadamente 12 milhões de hectares. Se esses países seguissem o exemplo do Brasil, dedicando metade de sua produção à fabricação de álcool, isso aumentaria a área mundial dedicada ao etanol dos 3,4 milhões de hectares em uso no Brasil para 9,6 milhões, triplicando, assim, a produção de etanol para quase 70 bilhões de litros por ano. No mundo, a área em uso pela agricultura é de cerca de 1.400 milhões de hectares e cresce 3 a 4 milhões de hectares por ano. Dedicar 1% ou 2% dessa área (14 a 28 milhões de hectares) à cana-de-açúcar para a produção de etanol é uma meta fácil de atingir.
Somado com ganhos de produtividade ainda possíveis, como já mencionado, parece possível e realista alcançar uma produção de 200 bilhões de litros de etanol por ano - cerca de 10% do consumo mundial de gasolina, dez vezes mais do que é produzido hoje.
Se essa meta fosse atingida até 2020, teríamos aqui uma janela de oportunidade de 10 anos, em que tecnologias de primeira geração supririam as necessidades mundiais da produção de etanol, o que daria tempo para o desenvolvimento efetivo de tecnologias de segunda geração.
Alguns países produtores de açúcar de cana já estão movendo-se na direção de diversificar sua produção para incluir etanol, como a Colômbia, que já tem 4 grandes destilarias em operação. Alguns países do Caribe, a Venezuela e Moçambique também estão considerando a instalação de destilarias de etanol.
A importância da expansão da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar deve aumentar muito, devido às dificuldades que o etanol de milho está encontrando nos Estados Unidos, onde a Agência Ambiental - EPA, pretende introduzir critérios para a aceitação do etanol como substituto da gasolina. Esses critérios devem respeito à contribuição do etanol na redução das emissões de carbono.
Como é bem sabido, o uso de etanol da cana-de-açúcar como substituto da gasolina reduz em 84% as emissões de CO2 - um dos principais gases de efeito estufa. O uso de milho reduz essas emissões em 30%, e a beterraba, em 40%. Sucede que a Agência Ambiental americana decidiu considerar também as emissões decorrentes das mudanças do uso da terra, o que alterou substancialmente os números mencionados, tornando o etanol menos atraente como combustível que reduz as emissões de gases de “efeito estufa”.
Pelos estudos da agência americana - ainda em consulta pública, o etanol da cana se qualifica como substituto da gasolina, mas não o etanol de milho. Essa situação aumenta as possibilidades de importação do etanol do Brasil - e de outros países produtores de cana-de-açúcar, pelos Estados Unidos. No momento, elevadas tarifas alfandegárias protegem os produtores de etanol de milho, as quais tenderão a cair, na medida em que a produção interna não conseguir atingir as metas fixadas pelo governo americano para 2022, que incluem a produção usando tecnologias de segunda geração, que ainda não atingiram o estágio comercial.