Pesquisador do CTBE/CNPEM - Laboratório Nac de Ciência e Tecnologia do Bietanol do Centro Nac de Pesquisa em Energia e Materiais
A cana-de-açúcar no Brasil tornou-se uma cultura energética além de cultura alimentícia. Uma demonstração disso é o fato de ela representar 16,9% da oferta interna de energia primária do País, e o etanol, seu produto energético principal, responde por 47% do volume de combustíveis dos veículos a ciclo Otto. O seu outro produto energético, a eletricidade, está muito aquém de seu potencial, pois responde por apenas 4% do consumo nacional de energia elétrica, quando poderia, tecnicamente, chegar a 27% desse consumo. Esse potencial representa uma redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) da ordem de 55 M tCO2, dos quais 60% viriam da palha.
Mas a palha, que representa um terço da energia da cana, ainda não chegou. Com a expansão acelerada da colheita de cana crua no Centro-Sul, a disponibilidade de palha está crescendo rapidamente. Com isso, várias usinas iniciaram o recolhimento e o uso da palha no sistemas de cogeração, porém de uma forma desordenada, sem registro adequado das informações desse processo e sem uma análise mais profunda dos dados importantes da tecnologia utilizada, o que levou a uma maior dificuldade na comparação entre os vários sistemas em uso e na identificação dos principais gargalos.
Assim, essas usinas não conseguem atingir o potencial da palha. Percebendo essas dificuldades, o CTC propôs ao Global Environment Facility (GEF) o Projeto Sucre (Sugarcane Renewable Electricity), com objetivo de identificar e vencer as principais barreiras que estão impedindo a expansão do uso da palha para aumentar a geração de eletricidade nas usinas, de uma forma renovável e com redução das emissões de GEE. Ao ser convertido em uma Sociedade Anônima, o CTC perdeu a elegibilidade aos recursos do GEF. Houve, então, uma reavaliação do projeto por consultores externos, e o CTBE foi indicado como a nova instituição executora do Sucre.
Remover essas barreiras inicialmente identificadas é o grande desafio do Sucre, e elas foram organizadas em quatro grupos:
• Tecnológicas: as várias usinas que recolhem e usam palha utilizam uma grande variedade de tecnologias, mas nenhuma atingiu o grau de aceitação que a tornaria uma opção comercial confiável. Isso tem impedido que a palha chegue a representar um aumento expressivo na geração com o bagaço;
• Informações: as informações sobre essas tecnologias estão dispersas e não organizadas para permitir que se tirem lições e se ganhe conhecimento explícito que contribuam para avançar no assunto;
• Financeiras: a ausência de uma tecnologia em nível comercial e amplamente aceita e de informações rastreáveis e confiáveis que permitam fazer análise de viabilidade técnico-econômica deixa as instituições financeiras receosas de investirem em projetos envolvendo palha;
• Regulatórias: apesar dos importantes avanços no Marco Regulatório de Setor Elétrico, algumas barreiras ainda inibem a introdução da palha como um combustível suplementar do bagaço.
A metodologia escolhida para o projeto consiste em selecionar quatro usinas que estejam tentando ampliar a coleta e o uso da palha para estudo de casos, buscando identificar os problemas mais críticos através de levantamentos detalhados das rotas de recolhimento nas condições de cada usina (consumos de energia, evolução da qualidade da palha, desempenho dos equipamentos e custos de recolhimento e processamento). As informações levantadas nos testes de campo e boletins das usinas alimentarão simulações para avaliar as rotas do ponto de vista de consumo de energia e custo da palha e os aumentos de geração de eletricidade correspondentes.
Com os resultados organizados, ficará mais fácil identificar os gargalos e propor melhorias. As usinas parceiras nessa fase são Quatá, da Pedra, da Barra e Alta Mogiana. Para o desenvolvimento do projeto, as atividades foram agrupadas em quatro módulos, denominados: Remoção, Recolhimento, Indústria e Integração. Na Remoção, estão sendo avaliados vários impactos no canavial com diferentes quantidades de palha deixada no solo.
Experimentos foram instalados em 20 locais com diferentes combinações de solo e clima, além de considerar cana colhida no início e no fim de safra. Entre os itens avaliados, estão as quantidades de palha disponíveis, a produtividade da cana, o teor de umidade no solo, as emissões de solo de Gases de Esfeito Estufa – GEE, o carbono no solo, as ervas daninhas e as pragas. O produto final desse módulo será um conjunto de recomendações de quanta palha é preciso ser deixada no solo para se maximizar os benefícios e minimizar os problemas.
O módulo de Recolhimento trata da avaliação das rotas praticadas pelas usinas, dos consumos de energia, do desempenho dos equipamentos, do custo de recolhimento, da qualidade da palha (principalmente o teor de impurezas minerais) na porta da usina. As rotas de recolhimento de palha estão agrupadas em dois tipos: colheita integral e enfardamento. Na colheita integral, a palha é trazida junto com a cana, sendo que, para isso, o exaustor secundário da colhedora é desligado, e o primário tem sua velocidade reduzida. A palha é separada na usina em um sistema de limpeza a seco (SLS).
Na rota de enfardamento, a colheita de cana crua é realizada da maneira convencional, a palha permanece no campo por um período de uns 10 dias e depois é enleirada, enfardada e transportada para a usina, onde é descarregada já no sistema de processamento ou armazenada. Uma variante do enfardamento é o recolhimento da palha com forrageiras após o enleiramento, sendo a palha picada e lançada em um transbordo para transporte até a usina.
Na Indústria, tenta-se, essencialmente, reduzir as impurezas minerais para níveis aceitáveis e produzir uma granulometria que seja adequada para a queima nas caldeiras de bagaço. Os possíveis impactos nas caldeiras serão previamente avaliados em testes de combustão de palha e bagaço em bancada. Depois, um programa de monitoramento será estabelecido para cada caldeira.
A atividade de Integração consiste de simulações e avaliações técnico-econômicas utilizando as informações levantadas nos outros módulos, de forma integrada e com a visão de toda a cadeia de recolhimento e do atual Marco Regulatório. Esse processo irá fornecer as informações necessárias para se discutir com as usinas parceiras que melhorias seriam desejáveis e viáveis para permitir um aumento significativo da energia excedente em cada uma delas. Na segunda fase do projeto, sete usinas adicionais serão selecionadas e convidadas para participarem do projeto. Serão propostas maneiras viáveis de essas usinas aumentarem seu nível de geração de eletricidade excedente, tomando como base o aprendizado da fase inicial.
Na questão do Marco Regulatório, a legislação em vigor e os modelos de negócio de venda de energia serão avaliados detalhadamente para identificação clara das principais barreiras, e serão elaboradas sugestões para modificações que favoreçam a viabilidade de venda de energia gerada nas usinas com bagaço e palha. De posse dessas informações, a Unica, em parceria com o CTBE, negociará melhorias com o governo e com possíveis compradores dessa energia. Será disponibilizada uma cartilha contendo as informações importantes para ajudar as usinas interessadas a avaliarem as alternativas de modelos de negócio de venda de energia elétrica.