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Luiz Augusto Barroso

Presidente da EPE - Empresa de Pesquisa Energética

Op-AA-50

Sweet dreams are made of this

Coautores:
• Giovani Machado, Superintendente de Gás Natural e Biocombustíveis;
• Angela Oliveira da Costa, Consultora Técnica I – Biocombustíveis;
• Rachel Martins Henriques, Analista de Pesquisa Energética – Biocombustíveis e
• José Mauro Ferreira Coelho, Superintendente Adjunto de Petróleo – todos executivos da EPE


O pacto nacional com o setor sucroenergético vem de longa data e tem resultado em benefícios para a indústria energética brasileira. A introdução da cana-de-açúcar na agricultura brasileira praticamente se confunde com o descobrimento do Brasil, e os primeiros instrumentos regulatórios acerca da adição de etanol anidro à gasolina A surgiram a partir da década de 1930. Todavia é com o Proálcool que a indústria sucroenergética do Brasil iniciou sua consolidação e ampliação e permitiu tornar-se uma referência mundial de eficiência, pesquisa, inovação e competitividade.

 
O Proálcool pode ser considerado um programa pioneiro de biocombustíveis em nível mundial. Incentivos governamentais foram fornecidos para o setor, proporcionando o aumento da área plantada com cana e a criação de novas unidades produtoras de etanol e de açúcar. O programa foi expandido após o segundo choque do petróleo, e houve a construção de uma extensa rede de abastecimento de etanol, que se tornaria essencial para o advento dos veículos flex-fuel anos depois. 

 
Os resultados positivos dessa política pública perderam impulso após a redução dos preços do petróleo e o aumento do preço do açúcar no mercado internacional em meados dos anos 1980, o que acabou ocasionando o desabastecimento de etanol no País e a dificuldade financeira de muitos produtores.
 
No entanto o advento dos veículos flex-fuel, a questão ambiental e a alta de preço do petróleo nos anos 2000 deram início a uma forte desregulamentação da indústria sucroenergética no País e iniciaram nova ênfase aos produtos da cana, impulsionando a demanda por etanol e por bagaço, bem como o interesse por investimentos privados de significativa escala no setor sucroenergético. 
 
Atualmente, as políticas públicas de incentivo ao mercado de etanol incluem a obrigatoriedade de adição do anidro à gasolina automotiva, além de uma série de instrumentos econômicos, como a disponibilização de linhas de financiamento e as isenções ou diferenciações tributárias entre os combustíveis. 
 
A aplicação diferenciada da CIDE para gasolina e etanol tem sido um dos principais incentivos à cadeia do biocombustível. As alíquotas das contribuições federais incidentes, PIS/Pasep e Cofins, apresentaram variações ao longo dos anos e, desde 2013, encontram-se nulas para o etanol. Já para a gasolina, houve um aumento nessas contribuições a partir de 2015, visando tornar o etanol mais competitivo. Na esfera estadual, modificações nas alíquotas do ICMS também podem resultar em uma relação de preços mais favorável ao etanol.
 
Além disso, ao longo dos últimos anos, o BNDES tem disponibilizado recursos para o setor por meio de diversas linhas de financiamento. Destacam-se o Prorenova (Programa de Apoio à Renovação e Implantação de Novos Canaviais), o Pass (Programa de Apoio ao Setor Sucroenergético), o Paiss (Plano Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico) e o Finem (Financiamento a Empreendimentos). 
 
No entanto foi a partir de 2008 que uma faceta menos conhecida dessa indústria se tornou uma importante realidade: a bioeletricidade. Até então, investimentos incrementais em caldeiras eficientes que permitiriam produzir (e assim exportar) mais MWh com a mesma quantidade de bagaço eram vistos como não economicamente atrativos, visto que a produção sazonal dessa eletricidade era fortemente desvalorizada pela indústria elétrica. O governo aprimorou os leilões de energia para acomodar esse perfil de produção e permitir uma comercialização de energia firme anual, utilizando os reservatórios das hidroelétricas para complementar a produção sazonal. 
 
Esse modelo de negócios somou a eletricidade como produto à comercialização de açúcar e etanol e transformou a indústria sucroenergética em uma indústria multiproduto, com a interessante característica que os contratos de longo prazo, oferecidos nos leilões do setor elétrico, produzem recebíveis utilizados para “alavancar” investimentos na produção de etanol e açúcar.  Até outubro de 2016, o Governo Federal contratou 1,6 GWméd através dos leilões de energia. Contudo o potencial técnico do setor é bem mais expressivo. Em seus estudos de bioeletricidade, a EPE estima que poderiam ser exportados ao SIN cerca de 7 GWméd em 2025. 
 
Esses fatores destacam a matriz energética brasileira no contexto mundial quanto à participação das fontes renováveis, com relevante contribuição dos produtos da cana. Segunda fonte de energia primária mais importante no Brasil, em 2015, esses produtos representaram 17% da matriz nacional. 

Problemas não são biodegradáveis, mas produzem bons desafios a serem superados: 
Apesar dessas medidas, o setor passa por um momento sensível, no qual parte das empresas se encontra em situação financeira delicada, levando à estagnação dos investimentos greenfields. Tal situação decorre, essencialmente, de: • menor competitividade do preço do etanol hidratado em relação à gasolina como consequência da política de preços da gasolina adotada pela Petrobras – sob orientação do governo anterior – entre 2010 e 2015, que agravou a deterioração das margens do setor sucroenergético; • frustração de elevados investimentos realizados, com a crise financeira de 2008; • redução da produtividade do setor devido à falta de investimentos na renovação de canaviais e na introdução de novas variedades, além dos efeitos climáticos sobre a cultura da cana.
 
O fato é que o setor sucroenergético precisa se reorganizar e equacionar sua situação financeira para entrar em um novo ciclo virtuoso.

Em momentos de desafios, sempre existem oportunidades:
Em dezembro de 2015, na 21ª Conferência das Partes – COP 21, o Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de GEE em 37%, em 2025, em relação aos níveis de 2005, e, como contribuição indicativa subsequente, em 43%, em 2030. No caso das atividades de produção e do uso da energia até 2030, destacam-se, no protocolo de contribuições: • aumentar a participação da bioenergia  na matriz energética brasileira para 18%, expandindo o consumo de biocombustíveis; • alcançar uma participação de 45% de energias renováveis na  matriz energética.
 
Em particular, foram estabelecidas metas até 2030 que pressupõem contribuições relevantes do setor sucroenergético: • aumentar a produção de etanol de primeira geração para 51 bilhões de litros; • incrementar a produção de etanol de segunda geração (E2G) a partir de 2023, atingindo 2,5 bilhões de litros; • triplicar a geração de eletricidade a partir de biomassa, com destaque para a cana. Os compromissos estabelecidos na COP 21 pelo Brasil são a base inquestionável da renovação de um pacto nacional de longo prazo com o setor sucroenergético nacional.
 
Entretanto a visão de longo prazo para o setor sucroenergético não pode passar apenas pelo seu equacionamento financeiro e por incentivos econômicos ao etanol e à bioeletricidade. É preciso também que o perfil multiproduto do negócio se torne progressivamente o “padrão”, criando uma indústria tecnologicamente dinâmica, eficiente e estruturalmente competitiva. No longo prazo, outros produtos (biometano, E2G e bioquímicos) podem ser agregados ao portfólio das usinas, convergindo para o conceito de biorrefinaria.

Da teoria para a prática:
Nesse sentido, governo e setor privado terão que conjugar esforços para a consecução de metas de produção de etanol e de maior participação de renováveis na geração elétrica.   Em relação ao governo, é fundamental a manutenção da estrutura de fomento existente e a contribuição para um ambiente favorável de negócios, com transparência, sinais econômicos corretos, realismo, isonomia, conformidade, meritocracia, não intervencionismo e uma visão de longo prazo bem definida. 
 
O mercado de combustíveis já sinaliza tempos mais competitivos, com alinhamento do preço da gasolina às cotações internacionais, buscando sinais econômicos corretos. Ainda que, no curto prazo, a nova política de preços da Petrobras possa ter algum impacto negativo sobre a competitividade do etanol hidratado frente à gasolina C, a médio e a longo prazo poderá haver aumento de sua competitividade. 
 
Sobretudo é necessário que a política energética, ao fomentar o setor no curto prazo, não desestabilize o mercado de longo prazo, evitando criar um ambiente de exuberância irracional. Esse ambiente acarreta menor disciplina de custos e imprudência na tomada de riscos de investimentos, incrementando as chances de crises financeiras recorrentes e minando a robustez do setor no longo prazo. 
 
No que tange ao setor privado, observa-se que há um significativo potencial de redução de custos com renovação de canavial, inserção de novas variedades de cana, tratos culturais mais adequados e aprimoramento da mecanização. Tais medidas contribuirão para definir a competitividade do hidratado frente à gasolina C e os níveis de crescimento da oferta de etanol. Também contribuirá para incrementar as receitas financeiras do setor o aproveitamento pleno da energia da cana, aumentando os excedentes exportáveis de bioeletricidade.
 
No longo prazo, o portfólio da usina poderá contemplar também outros produtos (biometano, E2G e bioquímicos).  Assim, a competitividade do setor dependerá da adoção de um modelo de negócios multiproduto e tecnologicamente dinâmico. Para criar um novo ciclo virtuoso, governo e iniciativa privada têm que assumir seus papéis para viabilizar a efetivação dessa visão de longo prazo para o setor. 
 
O governo está disposto a dialogar e, sem tabus, transformar os itens anteriores em uma agenda de longo prazo para a indústria sucroenergética brasileira. E o Brasil merece.