Chefe do Departamento de Biocombustíveis do BNDES
Op-AA-20
Após um boom de investimentos de quatro anos, o setor sucroalcooleiro foi atingido pela crise de crédito global, com grande parte das empresas do setor enfrentando elevados níveis de endividamento e capacidade de geração de caixa aquém do esperado, em razão da conjugação de preços desfavoráveis, verificados nas duas últimas safras, com os altos custos dos insumos agrícolas e industriais.
A expansão dos investimentos, como se sabe, foi determinada, sobretudo, pelo aumento da demanda de etanol que, por seu turno, foi viabilizado pela crescente frota brasileira de veículos flex e pelo preço atrativo do etanol em relação à gasolina. Nesse período, a forma mais frequente de investimento caracterizou-se, em um primeiro momento, pela expansão de unidades existentes e, em seguida, pela implantação de novas unidades industriais.
Essas escolhas justificaram-se, à época, pelo fato de que a compra de usinas já instaladas apresentava valor de investimento por capacidade instalada superior ao observado nos projetos de expansão ou implantação de novas unidades industriais. Isto acabou criando uma forma de barreira à entrada de diversos grupos multinacionais no setor, tendo em vista as poucas oportunidades de aquisição. Quem entrou, acabou pagando um pedágio caro.
Em 2009, contudo, como decorrência da crise de crédito e do excesso de alavancagem financeira de algumas usinas - com estrutura de capital notadamente inadequada para a expansão, o cenário reverteu-se, isto é, o valor de mercado da capacidade instalada existente vem tendendo a ser menor do que o investimento requerido para os projetos greenfield, o que certamente abre espaço para eventuais movimentos de fusões ou aquisições.
Paralelamente, grupos estrangeiros, já atuantes no setor com intenção de entrar, têm sinalizado um maior apetite por aquisições ou formação de parcerias. As dificuldades enfrentadas pelas empresas, aliadas à forte depreciação do Real no fim de 2008, criaram as condições para este movimento. A percepção que se tem é de que boa parte do setor deverá superar a crise e as dificuldades impostas por ela, mas, a agenda de trabalho é extensa e urgente, indo desde a busca por maior eficiência e melhor gestão – inclusive financeira – até a redefinição da estratégia de crescimento.
Na definição da nova estratégia, não vislumbro outro caminho diferente da consolidação patrimonial. Outros setores de commodities passaram por esse processo. O setor sucroalcooleiro no Brasil é composto por cerca de 400 unidades industriais e quase 200 grupos, sendo o seu maior player responsável por menos de 10% da moagem efetiva.
Mesmo em se tratando de tarefa complexa e não imediata, a busca da complementaridade deve ser um exercício estimulado entre as empresas, e que certamente exige um novo mindset, por parte dos acionistas e executivos. Acompanhando todo esse processo, o BNDES tem reafirmado seu apoio ao setor. A carteira sucroalcooleira do Banco totaliza cerca de R$ 29 bilhões, dos quais R$ 21 bilhões referem-se a operações já aprovadas ou contratadas.
Em 2008, os desembolsos para o setor montaram a cifra recorde de R$ 6,5 bilhões, ou pouco mais de 7% de todo o desembolso do Banco. Parcela minoritária dessa carteira refere-se a operações de equity, realizadas através da BNDESPar, a qual pode participar do capital das empresas de forma direta, com a subscrição de ações, ou indiretamente através de fundos setoriais.
A participação do BNDES no capital das empresas tem, usualmente, um caráter temporário, posto que a prerrogativa do Banco é a de contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais no país. Dessa forma, o Banco recicla sua carteira de participações, ao longo do tempo. As condições para a saída do Banco são, normalmente, prefixadas no acordo de acionistas, quando de sua entrada no capital.
O ciclo encerra-se, via de regra, quando da abertura do capital da empresa. Esta regra, na verdade, aplica-se a todos os setores. O BNDES costuma observar, ademais, alguns pré-requisitos fundamentais, tais como boas práticas de governança corporativa e de gestão, responsabilidade socioambiental, estrutura de capital adequada e porte da empresa.
Tendo em vista o atual quadro de grande fragmentação do setor, é razoável imaginar a participação do BNDES na capitalização de empresas, principalmente em movimentos patrimoniais orientados para a consolidação. Esta perspectiva é lógica e tem base histórica, uma vez que nos demais setores em que o Brasil apresenta vantagens competitivas em relação aos demais países, o Banco assumiu papel determinante no fortalecimento de empresas que vieram a se tornar, mais tarde, players globais.