Pesquisador Titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
Op-AA-10
Diante dos inúmeros avanços tecnológicos que temos presenciado ao longo das últimas décadas, não é de se surpreender que a expansão da área canavieira possa ser observada a partir de satélites, que estão a uma altitude em torno de 800 km, com câmaras digitais muito semelhantes àquelas utilizadas hoje, até mesmo em nossos telefones celulares.
Há cerca de cem anos, era necessário utilizar pombos correio com máquinas fotográficas acopladas em seus peitos para se obter alguma informação da superfície terrestre e, mesmo assim, com pouca chance de se conseguir observar o alvo de interesse. De lá para cá, evoluímos muito nesta área da “espionagem espacial”, que hoje é acessível a qualquer pessoa que tenha um mínimo de equipamento computacional.
Exemplo disso, é o Google Earth, que permite a qualquer cidadão do mundo, com acesso à Internet, ver o que existe na superfície terrestre, em quase todo planeta. Hoje, temos uma diversidade de satélites na classe de observação da Terra, que obtêm imagens a partir do espaço, podendo ser utilizadas em inúmeras aplicações.
Em 1972, os americanos lançaram o primeiro satélite dessa classe, chamado de Landsat, e já em 1973, o Brasil adquiriu uma antena para receber as imagens deste satélite, a partir da estação de recepção situada, estrategicamente, em Cuiabá, MT. Em 1999, o Brasil, em uma cooperação técnico-científica com a China, lançou um satélite semelhante ao do Landsat, cujas imagens são disponibilizadas na Internet, sem custo para o usuário.
As imagens destes dois satélites permitem observar a superfície terrestre com um nível de detalhe suficiente para identificar e mapear áreas de cana-de-açúcar e assim saber, por exemplo, onde, quando e quanto de cana está sendo plantado. Uma grande vantagem das imagens de satélites de observação da Terra, também conhecidas como imagens de sensoriamento remoto, é que elas são obtidas continuamente, na medida em que o satélite vai girando em torno da Terra e esta, por sua vez, em torno de seu eixo, de tal forma que a cada órbita o satélite fotografa uma nova região, até que todo o globo seja imageado e comece um novo ciclo.
Estes ciclos definem a repetitividade das imagens e podem variar de um dia, até quase um mês, dependendo do nível de detalhe com que o satélite observa a superfície. Conforme esperado, quanto maior o detalhe observado na superfície, mais tempo o satélite vai levar para fotografar todo planeta. Além dos dois satélites (Landsat e CBERS) mencionados acima, existem vários outros que obtêm imagens, mas para os quais não estamos capacitados no Brasil a receber imagens, de forma sistemática.
Todavia, é interessante notar que, apesar dos muitos estudos e pesquisas realizados para a utilização destas imagens na agricultura, elas ainda são muito pouco usadas para auxiliar no mapeamento das áreas de culturas agrícolas. As razões podem ser diversas, como: custo das imagens, dificuldade no processamento para extrair a informação de interesse, cobertura de nuvens, freqüência de revisita do satélite, nível de detalhe da imagem, disponibilidade de imagens na época adequada para identificar a cultura, etc. É bem provável que dentre as limitações citadas, a cobertura de nuvens é a mais crítica, pois na presença de nuvens, o satélite fotografa as mesmas e não a cultura.
A cultura da cana-de-açúcar apresenta diversas características favoráveis, para ser bem identificada nas imagens de satélites. Assim, em 2003 o INPE, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em conjunto com o CEPEA, Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, o CTC, Centro de Tecnologia Canavieira e a UNICA, União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, iniciou um projeto denominado Canasat, para mapear a área de cana no Estado de São Paulo. Em 2005, o projeto foi ampliado para mapear a área de cana em toda região centro-sul do Brasil.
Pouco antes do início de cada ano safra, o mapa de cana do ano-safra anterior é atualizado, identificando-se:
a. as áreas de cana de ano-e-meio em reforma e que, portanto, não serão colhidas no ano safra em questão e
b. as áreas de cana em expansão, ou seja, as áreas novas de cana que serão colhidas na safra.
Esta informação é extraída em imagens adquiridas pelo satélite, entre janeiro e fevereiro do ano safra em questão, nas quais é possível identificar as novas áreas de cana a serem colhidas a partir do mês de abril. Estas imagens também permitem identificar as áreas de cana que estão passando pelo processo de reforma e que precisam ser subtraídas do total da área plantada com cana.
Esta primeira avaliação sobre as imagens já fornece uma estimativa muito próxima da realidade. Contudo, a fim de aumentar a qualidade da estimativa, um novo conjunto de imagens, adquiridas entre março e abril, é utilizado para conferir o mapeamento da primeira avaliação. Desde o ano passado, os resultados deste projeto estão disponíveis na Internet (www.dsr.inpe.br/mapdsr), onde podem ser acessadas informações sobre a área cultivada e os mapas de cana, desde a safra 2003/2004, para cada município do Estado de São Paulo.
Com isto, é possível fazer uma série de análises, como: verificar em que áreas a cana está expandindo mais, quanto e onde cada município cultiva a cana, qual foi o uso e ocupação do solo anterior, entre outras; uma vez que, além dos mapas de cana, também estão disponíveis as imagens utilizadas. O papel do INPE, neste projeto semi-operacional, é estabelecer uma ponte entre o conhecimento adquirido através de pesquisas com imagens de sensoriamento remoto e a operacionalização da previsão de estimativa da área de cana.
Com os resultados e a experiência adquirida ao longo destes três anos, existe a confiança de que a informação extraída das imagens reflete a realidade da dinâmica de cultivo da cana, para fins de estimativa de área plantada. Um trabalho muito semelhante já vinha sendo feito pelo CTC, em anos anteriores. Hoje, eles são parceiros neste projeto, bem como a UNICA e o CEPEA, que incentivam o desenvolvimento deste projeto, que visa dar ao setor sucroalcooleiro o máximo de transparência, em termos da disponibilidade de cana para moagem, em função da área plantada.
Para tal, o projeto utiliza os mais recentes avanços na área de sensoriamento remoto e geoinformação, a fim de fornecer uma estimativa confiável e objetiva sobre a área de cana, não só em São Paulo, mas em toda região centro-sul. Atualmente, está sendo verificada a possibilidade de utilizar imagens do mês de setembro, para identificar as novas áreas de cana a serem colhidas na próxima safra, e assim estimar a área de expansão, com vários meses de antecedência.
Na próxima safra, serão completados cinco anos de mapeamento anual das áreas de cana e, com isso, teremos um mapa com a distribuição das áreas de cana, nas seguintes classes: cana planta de ano-e-meio, soca de 1º corte; soca de 2º corte; soca de 3º corte; soca de 4º corte e soca de 5º corte. Esta é uma das informações que ajudam a estimar a produtividade agrícola da cana, onde temos um projeto em andamento.
Os resultados obtidos com os mapeamentos realizados entre 2003 e 2006 mostram que, no Estado de São Paulo, houve um aumento de 21,9% na área canavieira, sendo que 45,0% do aumento, neste período (2003 a 2006), é observado apenas entre 2005 e 2006. Uma análise regional revela que as EDRs, Escritórios de Desenvolvimento Regional, de Barretos, São José do Rio Preto, Orlândia e Araçatuba tiveram os maiores aumentos na área de cana, representando 30,2% da expansão da cana em São Paulo, entre 2003 e 2006, com 46,0% deste aumento ocorrendo entre 2005 e 2006.
Inúmeras outras análises na escala regional e municipal podem ser feitas com os dados disponibilizados na Internet. O desenvolvimento do projeto Canasat tem exigido bastante cuidado, pois ao serem disponibilizados os mapas da cana na Internet, é preciso que o resultado seja de boa qualidade, para que possa alcançar confiabilidade junto aos usuários dessa informação.
Assim, existe sempre o desafio de se incorporar alguma novidade, que explore melhor as imagens de satélite e as inúmeras facilidades que os Sistemas de Informação Geográfica, SIG, proporcionam para analisar informações espaciais, inclusive pela Internet, no próprio site do projeto. As figuras abaixo mostram mapas com a distribuição das áreas canavieiras no Estado de São Paulo, correspondente à safra atual de 2006/07.
As áreas em vermelho indicam o incremento da cana desde a safra 2003/04, onde pode ser nitidamente observada a tendência da ocupação de novas áreas de cana na região oeste do Estado. Elas mostram no destaque, como exemplo, a região do município de José Bonifácio, sobre imagens do satélite Landsat-5, capturadas em 13 Fev 2005 e em 04 Mar 2006, indicando uma área de 500 ha, antes (tonalidade esverdeada) e depois (vermelho) da implantação da lavoura de cana.