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Fernando Alberto Gomes da Costa

Capitão de Mar e Guerra da Marinha Brasileira e Membro da Secretaria Executiva da CCA-IMO

AsAA24

A bioenergia na descarbonização do international shipping
O setor comercial marítimo internacional (international shipping) transporta mais de 80% de todas as cargas que se movem no mundo, sendo responsável pela emissão de 3% dos gases de efeito estufa (GEE) globais, basicamente compostos por CO2, CH4 e N2O, todos expressos em termos de CO2 equivalentes (CO2eq). A Organização Marítima Internacional (IMO), com sede em Londres e composta por 176 Estados-membros, foi encarregada, pelo Protocolo de Kyoto, de conduzir o international shipping a atingir as metas correspondentes às estabelecidas pelo Acordo de Paris aos países dele signatários. 

Nesse sentido, a IMO aprovou por unanimidade, em 7 de julho de 2023, a resolução MEPC 377(80) 2023 Imo Strategy On Reduction Of GHG Emissions From Ships. Constam dessa estratégia várias metas chamadas de níveis de ambição, sendo a mais ambiciosa a de que em 2050 as emissões líquidas do setor sejam zero. “Líquidas”, neste caso, se reveste de grande importância, pois os combustíveis consumidos a bordo passam a ser avaliados em todo o seu ciclo de vida, expresso em termos de fatores de emissão que correlacionam a massa de combustível consumida com as emissões de GEE resultantes. 

Para que as ambiciosas metas sejam alcançadas, é necessário que as embarcações passem a ser projetadas e construídas com tecnologias pouco emissivas, que as operações sejam as que menos resultem em CO2eq e, principalmente, que os combustíveis sejam sustentáveis, o que significa possuírem zero ou quase zero emissões de GEE.

Neste cenário, os biocombustíveis como biodiesel de soja e etanol de cana-de-açúcar e milho ganham grande importância, pois requerem pouca adaptação (retrofit) nas embarcações, se comparados a outros combustíveis sustentáveis. 

No entanto, para fazer parte deste comércio de escala exponencial, há alguns obstáculos a serem vencidos: atender aos requisitos da estratégia para avaliação do ciclo de vida dos combustíveis, hoje constantes da resolução MEPC 391(81); receber como rótulo um fator de emissão que expresse sua real emissão de CO2eq; e ser proveniente de biomassa que atenda às exigências qualitativas da mudança indireta do uso da terra (Indirect Land Use Change – ILUC). Todos estes requisitos precisam ser atestados por meio de um esquema de certificação com validade internacional a ser criado no âmbito da IMO. 

O Brasil possui grande experiência na produção de biocombustíveis para os modais terrestres e, no momento, acompanha as deliberações no âmbito do Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho (Marine Environment Protection Committee – MEPC) da IMO, que está redigindo o arcabouço regulatório acima mencionado, e pretende que os seus biocombustíveis contribuam para a consecução das metas da Estratégia IMO 2023, cujas medidas devem entrar em vigor em 2027. 

Acompanham este cenário os produtores de biocombustíveis, os proprietários de navios e as empresas de navegação, uma vez que as embarcações possuirão limites anuais de emissões, em grande parte dependentes do tipo e volume de combustíveis consumidos ao longo do ano. Àquelas que ultrapassarem os seus limites serão aplicadas cobranças, e para as que ficarem bem abaixo de suas autorizadas emissões haverá recompensas que, como as taxas a serem pagas, ainda não foram definidas. 

A ocorrência de severas condições climáticas mundiais vem sendo atribuída em parte ao aquecimento global de origem antropogênico, e, em escala mundial, os países, embarcações e aeronaves precisam envidar todos os esforços para fazerem a sua parte na redução das emissões de CO2eq.

Estes esforços, porém, representarão um considerável custo que precisa ser comparado às reduções decorrentes de cada medida, para que a proteção do meio ambiente marinho não ocorra às expensas da segurança alimentar de populações situadas nas regiões mais fragilizadas.

Contribui de forma positiva e decisiva para este cenário a atual conscientização ambiental, convicta de que nenhum esforço será em vão e que receberá o reconhecimento das futuras gerações de que, em um momento ambiental decisivo, não negligenciou as suas responsabilidades, além do legado de um planeta mais saudável.