Professor Titular de solos e nutrição de plantas da Esalq-USP
Op-AA-05
O que ocorre com o desenvolvimento da parte aérea da cana-de-açúcar e que define sua produtividade, passa, primeiramente, pelo desenvolvimento do sistema radicular. Este desenvolvimento é muito dinâmico e depende de fatores, dentre os quais, as diferenças entre as variedades, os ciclos - se cana planta ou soqueira, a idade da planta, os aspectos climáticos e edáficos.
Tais fatores atuam simultaneamente, porém não na mesma intensidade sobre a distribuição das raízes e, em conseqüência, em todo o processo metabólico da planta que envolve o sistema radicular. Eventualmente, um determinado fator pode tornar-se limitante em relação aos demais, como por exemplo, a deficiência de cálcio no solo impede o desenvolvimento radicular; ou o decréscimo da impedância tende a reduzir a difusão do fósforo.
Qualquer atividade sobre a superfície do solo altera o sistema poroso e, em conseqüência, o sistema radicular, influindo direta ou indiretamente numa série de reações na relação solo-planta-atmosfera e, com isso, reduzindo a produtividade e longevidade da cultura.
Dentre as grandes culturas, a cana é seguramente a que mais apresenta operações mecanizadas sobre a superfície do solo, numa faixa de 35 operações num ciclo de cinco cortes realizadas, nas mais diversas condições de umidade. Sendo assim, é inevitável alterações na porosidade do solo, com todas as conseqüências já listadas.
Portanto, práticas de preparo do solo são necessárias para reverter parcialmente o quadro da porosidade, porém, tendo como objetivos a atenuação ou eliminação dos fatores limitantes ao desenvolvimento radicular tais como: as físicas (compactação, adensamento, encharcamento), as químicas (baixo teor de nutrientes, elevado teores de Al e Mn, sais de Na) e biológicas (nematoides, cupins, Migdolus) e ao mesmo tempo, controlar a erosão e a infestação de ervas daninhas.
A escolha do sistema de preparo irá depender do adequado diagnóstico dos fatores limitantes ao desenvolvimento radicular. As diferenças entre um solo compactado e um coeso são sutis e dependem do conhecimento e habilidade do técnico. A coesão é um atributo do solo e desenvolve-se a medida que o teor de umidade decresce, independentemente da textura. Solos arenosos, quando secos são muito coesos. O sistema radicular, presente num bloco coeso, não é achatado e após umedecimento prévio, o bloco tende a desfazer-se facilmente, o que não ocorre com um solo compactado.
No bloco compactado não há raízes e se houver, são achatadas. O uso de penetrômetro de impacto pode ser adequado no diagnóstico da compactação, desde que se conheça preliminarmente a correlação entre o teor de umidade a textura do solo e os níveis de compactação. Caso contrário, pode-se incorrer em sérios erros de interpretação. Sem estas informações, tal equipamento não distingue um solo coeso de um compactado.
O uso da densidade do solo é um dos métodos mais seguros no diagnóstico da compactacão, porém a obtenção das amostras volumétricas é delicada e lenta, o que inviabiliza o método para uso em larga escala. Sistemas mais aceitos são os baseados no histórico da área e na abertura de pequenas trincheiras de 50 cm de profundidade, para avaliar o desenvolvimento radicular. Atualmente, tem-se utilizado equipamento de radar para mapear os níveis de compactação (ground-penetrating radar), porém, seu custo ainda inviabiliza as grandes áreas.
Em relação às restrições químicas, o diagnóstico é feito através de análises de solos em diversas profundidades. Na prática, tem-se utilizado de duas profundidades 0-25 e 25-50 cm. Os atributos químicos são devidamente analisados e as decisões são tomadas. As correções são feitas na camada superficial através do calcário, a níveis compatíveis com a cultura e na subsuperfície pelo gesso.
Em áreas encharcadas de regiões mais secas ou de áreas que receberam doses elevadas de vinhaça, a determinação do teor de sódio, para o primeiro caso e da condutividade elétrica, para ambos os casos, faz-se necessária. Em caso positivo o uso do gesso é recomendado, associado ao sistema de preparo.
Em relação à restrição biológica ao desenvolvimento radicular, o diagnóstico deve ser feito ao longo das soqueiras, através das observações da presença de reboleiras, durante o período seco. Posteriormente, por ocasião do preparo do solo, a análise de touceiras e de pequenas trincheiras são necessárias para o diagnóstico mais acurado.
O uso de iscas e ferhormônio é indicado para o caso de cupins e Migdolus. Quanto ao sistema de preparo a ser utilizado, convencional (associação de gradeação, sub-solagem ou arado-gradeação), reduzido (redução no numero de gradeações com o uso do glifosato associado ao subsoldor) ou plantio direto, deverá ser feita uma adequada avaliação global do sistema.
Assim, por exemplo, em áreas com presença de Migdolus, o preparo deve ser feito no sistema convencional e no período seco, quando as larvas estão mais próximas à superfície. O uso de inseticida no arado ou no sulco é recomendado, assim como o plantio de variedades médias e precoces. Da mesma maneira, uma área que necessita de recuperação química em profundidade, o preparo convencional é indicado para permitir a incorporação dos corretivos.
O preparo reduzido seria recomendado para solos razoavelmente recuperados quimicamente e com nível suportável de compactação. Por outro lado, é fundamental que o plantio direto seja direcionado, principalmente, para solos mais arenosos, com ou sem gradiente textural. Independentemente do sistema de preparo e dependendo da relação época de preparo-época de plantio da cana, o uso de cultura secundária é indicado entre elas a soja, o amendoim, a crotalaria.
As vantagens da associação destes sistemas são inúmeras, assim como a reciclagem de nutrientes, a atenuação do custo de preparo, a proteção do solo contra a erosão e do impacto direto das gotas de chuva. Entretanto, um fator é fundamental nesta associação: a redução da lixiviação de nutrientes. O advento da palha sobre a superfície do solo, devido ao corte mecanizado, tem sido o marco divisório na cultura canavieira, na busca de um sistema menos agressivo ao ambiente, como tem sido o plantio direto na palha nas culturas anuais.
Com esta nova opção, haverá necessidade de uma revisão completar nos sistemas de manejo atualmente em prática, inclusive, nos sistemas de preparo do solo. Finalizando, de nada adianta sistemas de preparo do solo devidamente executados, se houver falhas nas demais operações. A época de plantio, assim como a seqüência de corte das soqueiras, em função da relação solo-clima-variedade é fator fundamental no êxito do empreendimento agrícola.