Açúcar, etanol e bioeletricidade precisam ser valorizados como motores de desenvolvimento econômico descentralizado, limpo e sustentável. Mas, infelizmente, ainda há uma baixa compreensão da sociedade sobre essas características dos principais produtos gerados pela cana-de-açúcar. A falta desse reconhecimento traz transtornos e perda de tempo, valor e oportunidade para o setor e a sociedade.
Até hoje, o etanol é mal aproveitado e reconhecido por suas características físico-químicas. Por ser um elemento químico único, e não um coquetel de hidrocarbonetos, deveria facilitar o desenho e a otimização de motores. Por ter elevada octanagem, deveria permitir taxas mais elevadas de compressão que deveriam mitigar, pelo menos parcialmente, a ineficiência inerente dos motores de combustão interna. A combustão do etanol gera menores emissões de poluentes e não gera material particulado, o que inclui a altamente nociva emissão de MP 2.5, que é um veículo para a absorção de compostos carcinogênicos no corpo humano.
Por conter elevado teor de hidrogênio em sua molécula, o etanol é um dos melhores combustíveis líquidos para aplicação em células a combustível, permitindo a transformação de combustível líquido em eletricidade e o aproveitamento do seu poder calorífico de forma muito mais eficiente e econômica.
Por ter uma pegada de carbono praticamente neutra, é uma das soluções de maior abrangência para o atingimento das ambiciosas metas do Acordo Global do Clima, estabelecido durante a COP-21, ratificado por inúmeros países, inclusive o Brasil. Diferentemente de outras fontes de energia renovável, gera muitos empregos e distribui a renda gerada por um número considerável de famílias, expandindo o comércio e a indústria locais.
Não alaga campos férteis e não as compromete de forma irremediável através de áreas inundadas. Sua produção está localizada próxima aos centros de consumo de etanol e eletricidade, requerendo menores investimentos em distribuição e transmissão de energia, com baixa perda de transmissão. Ao contrário, vários estudos têm comprovado que a cana-de-açúcar constrói solo, contribui para o controle de erosão e aumenta a capacidade de retenção de umidade.
Através do açúcar, sua contribuição como fonte alimentar saudável é inegável, tanto direta quanto indiretamente. A capitalização da atividade agrícola onde se instala contribui para a expansão da produção de alimentos. A agricultura energética catalisa e aumenta a capacidade de produção da agricultura alimentar. O açúcar utilizado sem exageros é uma das fontes alimentares mais tradicionais e importantes da humanidade.
O indiscriminado combate ao uso de açúcar, apresentando-o como vilão, é injusto e renega a grande contribuição que tem oferecido como fonte alimentar acessível, ingrediente de várias formulações e matéria-prima para a produção de uma gama enorme de outros produtos. Nos últimos 40 anos, a produção e o uso do etanol combustível atingiram uma escala impressionante no Brasil, em termos absolutos e relativos, chegando a substituir, em 2015, cerca de 42% do consumo de gasolina automotiva.
Na área do açúcar, o Brasil é, por larga margem, o maior produtor e exportador mundial. Apesar de todas as suas vantagens e importância, o setor de açúcar, etanol e bioeletricidade pena para ser reconhecido pela sociedade. Políticas públicas nas áreas de energia e valorização do emprego ainda não foram criadas para assegurar uma trajetória de desenvolvimento estável e sem sobressaltos. Nos últimos 6 anos, políticas particularmente equivocadas causaram enorme perda de valor dos ativos de produção e elevaram o endividamento a níveis comprometedores.
Tudo isso ocorre ao mesmo tempo em que o setor dispõe de uma infraestrutura já desenvolvida e madura para a distribuição de combustível líquido limpo e renovável em mais de 35.200 postos de abastecimento, em um país de dimensões continentais. Dispõe de tecnologias já desenvolvidas prontas para serem aplicadas, que poderão aumentar rapidamente a competitividade dos produtos gerados. O setor só precisa de um pouco mais de tempo e fôlego para implementá-las. São diversas frentes, que vão desde novos produtos de proteção de cultivo, a novas técnicas de plantio, trato e colheita, novas variedades de cana mais produtivas e resistentes e novas formas de multiplicação.
O setor gera produtos de excepcional qualidade, alinhados com o atingimento dos mais nobres e relevantes objetivos atuais da humanidade – o aumento da produção de alimentos e energia, com a mitigação da emissão de gases causadores do aquecimento global. Mas os vende mal e não tem sido capaz de fazer com que a sociedade e o governo reconheçam sua importância estratégica, social, econômica, de segurança energética e ambiental.
Passadas quatro décadas de desenvolvimento, permanece pendente a definição de uma regulação definitiva que permita a internalização nos preços de mercado de suas externalidades positivas. Esse é o mesmo objetivo perseguido durante a década de 1980, para a sobrevivência da atividade. Mas o setor, o governo e a sociedade se acostumam e se acomodam todas as vezes que, por alguma contingência, a pressão pelo estabelecimento dessa regulação é momentaneamente superada.
Enquanto o mundo caminha na direção da criação de um imposto sobre carbono, corremos o risco de reduzir a dimensão de um projeto extremamente valioso e estratégico, que serve de exemplo para o mundo.
Simultaneamente, falta pouco e muito para consolidar de forma definitiva essa atividade no Brasil. Basta que, com discernimento e espírito público, sejam criadas condições para o seu desenvolvimento, de forma segura e sem sobressaltos; para que não se repita a expansão descontrolada que já ocorreu no passado; ou não sejam recriadas situações que levem à sua derrocada. É preciso visão de longo prazo, para evitar que objetivos de curto prazo não comprometam a trajetória de um setor singular, do ponto de vista alimentar e energético.