Depois de quase uma década apoiando de forma expressiva a expansão de capacidade da indústria em virtude da introdução do carro flex na frota nacional de veículos leves, o Bndes, ao longo desses últimos anos, passou a dar uma maior ênfase às iniciativas inovadoras dentro da cadeia de produção sucroenergética. Essa mudança de viés não surgiu do acaso.
Retornando um pouco no tempo, entre 2001 e 2015, o Bndes desembolsou um valor superior a R$ 55 bilhões para o setor, permitindo a implantação de mais de 120 projetos de usinas, greenfield ou expansões, correspondentes a uma capacidade adicional próxima de 150 milhões de toneladas ou algo como metade do acréscimo de capacidade de moagem de 300 milhões de toneladas observado no período. Sem dúvida nenhuma, um esforço de investimento notável de todo o setor e que não encontra par na recente história da indústria brasileira.
A construção desse formidável ativo, realizada quase integralmente com tecnologia provida pela indústria nacional de bens de capital, envolveu a participação de mais de 130 grupos econômicos financiados, bem como 90 instituições financeiras credenciadas pelo Bndes, demonstrando que o esforço de investimento percorreu boa parte da cadeia produtiva sucroenergética. A euforia de expansão verificada na última década, contudo, foi seguida por nova fase marcada pela quase inexistência de projetos de expansão.
Nos últimos 5 anos, pouquíssimas implantações e mais de 40 desativações de unidades. Em nossa visão, como já tivemos a oportunidade de expressar em artigos anteriores na Revista Opiniões, os fatores estruturais para a estagnação acabam se sobrepondo aos conjunturais, no que se refere à atratividade econômica do setor no médio e longo prazos. Esse diagnóstico foi construído ao longo dos anos de 2009 e 2010, como forma de se buscar uma superação aos efeitos danosos da crise de crédito de 2008 sobre o setor.
Naquele momento, definiu-se que o apoio a todas as iniciativas direcionadas para ganhos permanentes de produtividade, sobretudo pela introdução de processos ou produtos inovadores, tanto na etapa industrial quanto na agrícola, passariam a formar a agenda prioritária do Banco. Uma primeira consequência prática dessa nova orientação foi o lançamento, no início de 2011, do Programa Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (Paiss), considerado iniciativa pioneira de fomento à inovação e conduzido em conjunto por Bndes e Finep.
O Paiss, ao longo de seu prazo de execução, entre 2011 e 2014, teve como objetivo fomentar projetos de P&D e comercialização de novas tecnologias industriais destinadas ao processamento da biomassa de cana-de-açúcar, enfatizando-se as tecnologias de etanol de base celulósica e produtos químicos renováveis derivados da cana. Como resultado, foram geradas iniciativas de grande porte para o desenvolvimento do etanol celulósico no Brasil, com duas plantas comerciais e uma de demonstração já concluídas e em operação.
No total, tivemos 25 empresas e 35 planos de negócios apoiados no escopo das iniciativas do Paiss, tendo sido formada uma inédita carteira de mais de R$ 3 bilhões relacionados a projetos inovadores dentro de um mesmo programa. A importância de uma iniciativa como o Paiss, ademais de restabelecer o protagonismo do Brasil nesse setor, fica mais evidente quando as expectativas de ganhos de eficiência em produção de etanol demonstram que o atual paradigma tecnológico está muito próximo de seus limites – atualmente, na faixa de 7.000 litros/hectare –, em que pesem todos os notáveis ganhos ao longo das últimas décadas, tanto em equipamentos e sistemas quanto em processos fundamentais, como a fermentação e a destilação.
Espera-se que, com a difusão generalizada das chamadas tecnologias de segunda geração, a produtividade industrial do setor aumente em pelo menos 45%, alcançando a faixa de 10.000 litros/hectare. No lado agrícola, a produtividade da cana atingiu, em 2007, a marca histórica de 11.200 kg de ATR/hectare, cerca de 130% a mais que o observado no início do Proálcool, nos idos dos anos 1970. Outro esforço notável do setor. Todavia a performance agrícola recente já vinha indicando reduções de produtividade, ainda que no longo prazo houvesse tendência de leve crescimento.
Em diagnóstico produzido pelo Bndes (Revista Bndes Setorial nº 37, de março/2013), identificou-se que fatores conjunturais, como mudanças climáticas e baixa renovação de canaviais, poderiam explicar essa tendência. Entretanto, quando analisada a curva de produtividade no longo prazo, a redução dos incrementos sugeria a presença de fatores estruturais, sendo o principal deles o investimento tecnológico feito a ritmo e intensidade aquém do desejado.
Os baixos investimentos em P&D, como já foi dito anteriormente, derivam do fato de que a área mundial de cana é relativamente pequena quando comparada com outras grandes culturas, como cereais, ademais de sua complexidade genética ou de manejo, dado o maior volume de biomassa envolvido. Como se trata de uma cultura tropical, o investimento em P&D torna-se, de fato, um desafio. Em contraponto, os potenciais aumentos de produtividade agrícola, somente considerando os investimentos em transgenia, são até maiores que aqueles obtidos com a maturação das novas tecnologias industriais.
Dessa forma, no início de 2014, a experiência do Paiss na indústria foi reproduzida para a etapa agrícola, com o lançamento, novamente em conjunto com a Finep, do Paiss Agrícola, cujo principal objetivo é acelerar o desenvolvimento tanto da cana transgênica como de máquinas e implementos agrícolas mais eficientes, que permitem melhor manejo agrícola, reduzindo a compactação do solo e o consumo excessivo de mudas. O resultado dessa ação de fomento conjunta superou R$ 1 bilhão em financiamentos a novos projetos, a maioria ainda em fase de execução.
Ainda dentro dos novos paradigmas agrícolas, cabe destacar o rápido desenvolvimento da cana-energia, espécie de cana com maior conteúdo de fibra, cuja produtividade agrícola pode superar 200 toneladas por hectare. Quando estiver totalmente domesticada, a cana-energia permitirá que o setor alcance mais de 20 mil litros de etanol (1G e 2G) por hectare. Em contraste com o estágio experimental do início da década, a cana-energia já é usada em áreas comerciais relevantes, sendo que o Brasil deverá contar com quase 10 mil hectares plantados ao final de 2016.
Essa visão de futuro do Bndes para o setor pôde ser recentemente compartilhada na COP 21, em Paris, em dezembro último, quando o Banco foi convidado pela presidência do evento para participar de dois de seus principais painéis oficiais, a saber o Action Day (este com a presença do presidente francês e do Secretário-geral da ONU) e o Energy Day (organizado pela Agência Internacional de Energia Renovável - Irena e da ONG Sustainable Energy for All), ambos voltados para iniciativas sustentáveis de grande impacto, capazes de contribuir de forma mais positiva para a mitigação dos efeitos de mudanças climáticas e ali deporem, diante de autoridades mundiais, sobre as virtudes do etanol, tanto de primeira como segunda geração produzidos a partir da cana-de-açúcar.
É dentro desse diagnóstico de necessidade de mudança de cenário de esgotamento do atual paradigma tecnológico agrícola e industrial que temos fundamentado a visão e a atuação do Bndes junto ao setor sucroenergético, sempre no horizonte de longo prazo. Acreditamos que a busca permanente pela inovação, uma vez bem-sucedida, com tecnologias provadas e maduras, cumprirá um papel fundamental para a obtenção de ganhos de produtividade mais substanciais, que ajudem a recolocar a indústria brasileira de cana-de-açúcar em seu patamar histórico de competitividade.