Sócio-presidente da FSA Company
Op-AA-44
Em mais de duas décadas de atividade, já vivenciei muitas crises, mas o cenário brasileiro atual está nos apresentando um desafio ainda maior em razão da complexa matriz de dificuldades e incertezas econômicas, estruturais, financeiras, de liquidez, de ética, de confiança, entre outras. A taxa de investimento no Brasil, em 2014, foi de 17%, inferior aos 18% de 2013 e muito distante dos 20% de 2010. Mesmo a nossa melhor taxa de investimento está distante daquelas de países como China (41%) e Índia (31%).
Impactado por esse cenário, o setor sucroenergético vem atravessando umas das piores crises de toda a sua história, que foi agravada, nos últimos anos, pela política de combate à inflação por meio do controle do preço dos combustíveis, pela baixa taxa de renovação dos canaviais e pelos problemas climáticos, que incorreram na menor produtividade no campo e, consequentemente, no aumento dos custos de produção.
Somando-se a esse cenário, o endividamento do setor soma R$ 77 bilhões, montante ligeiramente superior a toda a produção anual do setor, que gira em torno de R$ 70 bilhões, o que tem ocasionado limitação de acesso a novos limites de crédito. Algumas medidas governamentais de 2015, como o aumento da mistura de etanol anidro na gasolina (de 25% para 27%), o retorno da cobrança da Cide – Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, na gasolina e o anúncio de leilões que favorecem a produção de bioeletricidade, sinalizam dias melhores para os empresários do setor.
Todavia, mesmo com esse cenário levemente favorável, posso afirmar que muitas usinas amargarão um ano de insucesso se não tomarem medidas estratégicas, financeiras e organizacionais para ajuste de rota. Cabe esclarecer que o caminho a ser percorrido não é complexo, pois está amparado em práticas de governabilidade amplamente aplicadas nas mais rentáveis empresas ao redor do planeta. Muitos empresários me perguntam por onde iniciam um processo de rentabilização de sua empresa, e minha resposta é enfática: por um bom planejamento estratégico.
Dirigir uma empresa sem planejamento estratégico é o mesmo que decolar uma aeronave sem plano de voo, ou seja, é necessário saber onde estamos e para onde desejamos ir, pois, somente assim, saberemos quais recursos serão aplicados para atingir determinada rentabilidade. O planejamento estratégico possibilitará uma avaliação econômica concisa, uma comparação com o modelo dos concorrentes, um ajuste na modelagem de gestão financeira, a detecção das melhores oportunidades e como se organizar para conquistá-las.
Após adquirir consciência do que desejamos, através do planejamento estratégico, é a hora de preparar o alicerce da nossa empresa, ou seja, estruturar a governança corporativa, que nada mais é do que definir papéis e responsabilidades de maneira organizada. Como o setor sucroenergético brasileiro ainda é relativamente pulverizado e composto por elevado número de empresas familiares, iniciativas de governança corporativa podem contribuir para uma transição segura na tendência de profissionalização não familiar na gestão das empresas.
Os membros da família poderiam concentrar seus esforços nas decisões estratégicas, no posicionamento de mercado e no acompanhamento da performance da corporação, contribuindo de maneira decisiva para a melhoria da saúde financeira e do crescimento sustentável dos negócios. Outro tema que não pode ser desconsiderado é a inovação, que, ao contrário daquela imagem criada de que se trata de coisas supercomplexas e de vanguarda, nada mais é do que qualquer melhoria promovida na corporação, seja pequena ou grande, simples ou radical.
Inovação é implementar algo novo em sistemas, processos, modelos de negócios, comunicação com clientes, produtos, entre outros. A busca por inovações no setor sucroenergético permitirá a coordenação de ações em toda a cadeia para atravessar o atual cenário turbulento, com geração de valor e bons resultados. Dentre as alternativas de inovação, podemos citar o etanol de segunda geração (E2G), que tem potencial de trazer boas perspectivas para o setor, visto que não depende da expansão da área plantada e sim do reaproveitamento dos resíduos da produção de açúcar e etanol, congregando, assim, aspectos sustentáveis em sua produção.
A bioeletricidade é outra alternativa de inovação estratégica interessante, pois a energia produzida a partir do bagaço da cana-de açúcar tem mostrado ser uma opção para o futuro energético do País. A bioeletricidade apresenta vantagens competitivas, com menores custos de produção e menor emissão de gases poluentes. Todavia as dificuldades financeiras pelas quais passa o setor sucroenergético dificultam os investimentos em cogeração de energia.
Vale destacar também que a exploração da cana-de-açúcar pode gerar subprodutos com valor agregado, como o farnaceno e o óleo de cana, que atraem investimentos de empresas multinacionais e podem resultar em parcerias rentáveis de sucesso. Toda inovação exige, no mínimo, um certo grau de conhecimento do ambiente da corporação, e, por essa razão, a implantação da gestão de riscos e controles tem ganhado destaque no ambiente empresarial.
Num ambiente onde os riscos são monitorados e os controles são maduros, transmite-se confiança aos acionistas e ao mercado, demonstrando integridade e veracidade das informações, o que facilita a busca por recursos financeiros. Uma estrutura de controles internos baseada em padrões internacionais, como o COSO (Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission), permite identificar oportunidades de aprimoramento, padronização das atividades e processos, monitoramento de eventos e a implantação de ações preventivas para a eficiência operacional e gestão estratégica das usinas.
Outro ganho promovido por um bom ambiente de gestão de riscos e controles é a redução dos custos operacionais. A busca do equilíbrio financeiro do setor sucroenergético passa, impreterivelmente, por esse tema, pois os custos agrícolas são responsáveis por mais de 60% dos custos totais para produção de açúcar e etanol. Uma saída pode estar vinculada à biotecnologia, pois seu emprego poderia melhorar o ciclo de vida da cana e acelerar a recuperação do solo.
Outro fator a ser considerado é a busca de maior eficiência operacional em diferentes departamentos da organização, o que reduziria custos administrativos e despesas não relacionadas à produção. Mesmo com essas ações, tenho a certeza de que o Custo Brasil impactará na competitividade do setor sucroenergético, pois seu alto endividamento fragiliza a busca por créditos de fomento à atividade, de forma que, mesmo com a possibilidade de crescimento, o setor, certamente, correrá o risco de não aproveitar as oportunidades mercadológicas por falta de capital para o giro.
Assim, algumas ações governamentais com linhas de financiamento específicas serão de extrema relevância para a recuperação do setor, bem como uma nova estrutura tributária mais equilibrada, considerando, inclusive, um tratamento específico para o estoque de débitos pendentes. Uma alternativa viável poderia ser a busca de organismos internacionais de financiamento, como o IFC (International Finance Corporation), o GEF (Global Environment Facility), entre outros, ou até mesmo a constituição de sociedades de propósito específico (SPE`s) para explorar as oportunidades.
Todavia, mesmo com essas ações, as usinas precisam atuar, no curto prazo, no alongamento de suas dívidas e analisar quais são as operações financeiras mais adequadas para sua atividade. Como atuei anos à frente de uma mesa de estruturação de operações financeiras, não é raro encontrar nas usinas dívidas financeiras com taxas acima da média de mercado ou com prazos desfavoráveis a seu ciclo operacional. Muitas vezes, é fácil perceber que os profissionais das usinas possuem pouca experiência junto ao mercado financeiro e, consequentemente, levam certa desvantagem nas negociações.
Outra estratégia interessante seria a busca de investidores estratégicos ou financeiros. No caso de investidores estratégicos (negócios entre usinas), as operações poderiam ser unidas, e, assim, muitas despesas e custos operacionais poderiam sofrer sinergias. A busca poderia ser também junto a investidores estratégicos internacionais, atuantes no ramo agrícola e que vislumbrem, no Brasil, uma grande possibilidade de investimentos, não somente pela representatividade da pauta agrícola, mas também pela desvalorização do real.
Já os investidores financeiros são representados por fundos de investimentos específicos, que não possuem atuação operacional, mas, ao contrário, são grandes especialistas no setor e possuem grande visão estratégica, com foco na rentabilização do seu investimento. Outro tema importante é promover iniciativas que busquem atender a critérios socioambientais, principalmente em um mercado no qual os consumidores e a sociedade estão cada vez mais engajados com a sustentabilidade.
Adotar padrões internacionais, como a norma Bonsucro, principal referência de certificação socioambiental do setor, pode ser um caminho seguro de acesso a novos mercados consumidores e geração de negócios. Em suma, mesmo o setor sucroenergético tendo um cenário crítico, muitas alternativas podem ser adotadas para minimizar os efeitos da crise, seja pelo desenvolvimento tecnológico, pelo aprimoramento e profissionalização na gestão, ou até mesmo pela mobilização empresarial para reivindicar iniciativas governamentais para traçar novos caminhos.
É muito importante que os empresários do setor possuam posicionamento estratégico e financeiro, com visão de médio e longo prazo para que suas ações não sejam desencontradas, onerosas e ineficientes. Como sugestão, os empresários do setor poderiam efetuar visitas em mercados similares, com alto grau de eficiência e rentabilização, para que possam manter um intercâmbio que promova ações de vanguarda para que tragam perenidade e austeridade para o setor.