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Henrique Vianna Amorim

Presidente da Fermentec

Op-AA-53

Leveduras persdonalizadas
O setor sucroenergético já ultrapassou a barreira dos 40 anos após o Proálcool e alguns paradigmas ainda continuam. Já está mais do que comprovada a eficiência e os resultados positivos de se iniciar a produção de etanol na safra utilizando leveduras selecionadas industriais. Agora estamos em um novo patamar, o das Leveduras Personalizadas, que já é uma realidade e que iremos descrever ao longo deste artigo. 
 
Mais da metade das destilarias brasileiras ainda utiliza levedura de panificação para iniciar a safra. Por que não investir em algo de alto valor agregado, com resultados comprovados e de rápido retorno? A resposta é embasada no conservadorismo do nosso setor mas, aos poucos, a profissionalização e o amadurecimento da gestão do negócio está transformando esse cenário. Se isso não estivesse acontecendo, a aceitação de tecnologias inovadoras ainda estaria no papel. No Brasil, a levedura de panificação e algumas linhagens para fermentação de cerveja são usadas como starters da fermentação. 
 
No entanto, para entendermos esse processo de migração do tradicional uso de leveduras de panificação para as leveduras selecionadas industriais, bem como as personalizadas, é importante avaliarmos o que ocorreu com relação às metodologias de identificação de leveduras nesses últimos 30 anos.

Antes de 1990, a identificação e monitoramento das linhagens de leveduras pertencentes à espécie S. cerevisiae (leveduras responsáveis pela produção de etanol na indústria) era imprecisa quando feita com base na morfologia das células e colônias e utilizando métodos bioquímicos e de identificação de características fisiológicas das leveduras. Com isso, durante vários anos, a dinâmica da população de leveduras no processo industrial de fermentação alcoólica permaneceu desconhecido e inexplorado em função dessa dificuldade na identificação de linhagens de leveduras pelos métodos tradicionais. 
 
Depois de 1990, vários laboratórios introduziram técnicas moleculares para identificar novas linhagens de leveduras de fermentações industriais. Com a introdução dessas novas metodologias, foi demonstrado que algumas linhagens desaparecem dos fermentadores enquanto outras leveduras dominam a fermentação. Dessa forma, esses novos métodos de monitoramento das leveduras representaram o divisor de águas do conhecimento para entender a fermentação industrial e o comportamento da levedura para direcionar o processo de seleção de novas linhagens. 
 
Nesse contexto, as duas análises que representaram a grande mudança foram a cariotipagem do DNA nuclear e as análises do DNA mitocondrial. A técnica da cariotipagem, aprendida nos laboratórios de Montpellier, na França, foi fundamental para descobrir as leveduras com boas características. Durante dez anos, 400 linhagens de leveduras foram estudadas para chegar a apenas três selecionadas: a PE-2, a VR-1 e, mais tarde, a CAT-1.

Atualmente há somente 6 linhagens industriais de leveduras de maior importância para a produção de etanol no Brasil: PE-2, CAT-1, FT858L e a Fermel – por nós selecionadas –, e a BG-1 e SA-1 – selecionadas pelo CTC. Essas linhagens têm sido utilizadas pelas destilarias brasileiras e são responsáveis por 70% de todo o etanol produzido no País.
 
Complementar à cariotipagem, o DNA mitocondrial foi outro avanço importante para descobrir a origem das leveduras, seus parentescos, e verificar as mudanças que elas sofrem com o tempo. Nesse contexto, desde 2008 viemos investindo em uma tecnologia diferenciada e que agrega valor dentro da cadeia produtiva do etanol. 
 
O que começou como um desafio, hoje já é uma realidade. As leveduras personalizadas, selecionadas diretamente nos processos fermentativos, são aquelas leveduras que aparecem no processo industrial e possuem diversas vantagens. Por serem selecionadas no próprio processo da destilaria, elas estão adaptadas às condições industriais (seleção dirigida pelo processo), apresentam grande persistência e dominância, além de serem mais robustas porque têm elevado índice de implantação.

Em outras palavras, hoje somos capazes de realizar a seleção de linhagens de leveduras personalizadas para cada destilaria, porque observamos que uma levedura pode ser boa para uma unidade industrial, mas não necessariamente para outra. O trabalho deve ser contínuo e de longo prazo. Desde a etapa de garimpo e seleção das leveduras nas fermentações industriais até o acompanhamento após a introdução das leveduras personalizadas.

O seu monitoramento deve ser feito através das análises de cariotipagem e/ou DNA mitocondrial durante toda a safra de produção de etanol. Dessa forma, o acompanhamento é constante, sempre monitorando as leveduras e buscando variantes ou novas leveduras potenciais de serem introduzidas. Após 10 anos de trabalho – envolvendo nove safras consecutivas (2008 a 2016) –, o número de destilarias que se beneficiam dessa tecnologia já chega a 18, totalizando 26 leveduras personalizadas. Há destilarias que dispõem de duas, três e até quatro leveduras personalizadas para iniciarem a safra.
 
Na safra passada, 18 destilarias começaram seus processos fermentativos com linhagens de leveduras personalizadas, que foram responsáveis pela produção de 2,27 bilhões de litros de etanol, representando 8,1% da produção de etanol do Brasil. Baseando-nos nos parâmetros obtidos do benchmarking, selecionamos os valores de RGD (Rendimento Geral da Destilaria) das últimas 5 safras para comparar os dados das unidades que utilizam as leveduras personalizadas em relação às que fermentam com outras linhagens. As unidades com leveduras personalizadas apresentaram os maiores valores de RGD. A diferença em favor das destilarias que utilizaram as personalizadas chega a 1,4% conforme observado na safra 2015/2016. 
 
Saber quais leveduras estavam no processo e que se mantiveram dominantes em toda a safra, facilitou a operação da fermentação. A resistência às condições estressantes e à robustez das leveduras personalizadas são evidenciadas na superioridade da sua taxa de permanência em relação às leveduras selecionadas industriais e de panificação em fermentações industriais. Conforme a tabela em destaque, fica comprovado que a levedura de panificação e as leveduras produzidas em laboratório não dominam nem têm uma permanência no fermentador em escala industrial.

Por essa razão, começamos, há quase 30 anos, a selecionar linhagens de leveduras que dominassem a fermentação e que fossem adequadas para a produção de etanol, apresentando características para um bom desempenho e reduzindo custos na produção do etanol. Foi sob esse contexto que nasceu a tecnologia das leveduras personalizadas. 
 
O meio fermentativo industrial é dinâmico e isso é determinante para o processo de seleção de leveduras. Atualmente, é elevado o número de destilarias com dificuldades no controle da temperatura da fermentação. Em muitos casos, isso se dá por questões de limitações de estrutura e operação, não há possibilidade de se manter a temperatura na casa dos 33ºC.

Temos observado essas situações e algumas leveduras têm sido selecionadas para fermentar nessas condições. Embora entendamos que não é uma condição ideal fermentar em temperaturas mais altas, a introdução de leveduras termotolerantes visa agregar valor a essas fermentações, reduzindo os custos de produção e colaborando com o aumento da produtividade. 
 
Resultados recentes de sequenciamento do DNA das leveduras têm revelado descobertas interessantes que podem agregar muito valor ao processo de seleção. A confirmação científica de que as modificações de adaptação nas leveduras personalizadas ocorrem ao acaso ou se são direcionadas pelo meio, poderá nos levar a acelerar muito o processo de seleção de novas leveduras, bem como ao desenvolvimento de outras leveduras para outros tipos de bioprocessos, aumentando o valor agregado da usina que hoje produz etanol, açúcar e energia.