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Julio Maria M. Borges

Professor do Dpto. de Economia da FEA-USP e Sócio-Diretor da Job Economia

Op-AA-57

A modernização e a sustentabilidade do setor sucroenergético
I. A tecnologia do mundo atual: Estamos vivendo a 4ª Revolução Industrial (Indústria 4.0), de transformação digital da atividade produtiva. Isso inclui automação e robótica, uso inteligente de grandes bases de dados (Big Data), computação na nuvem, internet das coisas e, consequentemente, redução do emprego em atividades tradicionais. Toda essa transformação tem, como objetivo final, o aumento de produtividade e redução de custos. 
 
II. Escala de operações, oligopolização e globalização: Essa é outra mudança que temos percebido. Existe um processo global de fusões e aquisições (M&A, do inglês, mergers and acquisitions) de empresas nos últimos tempos. O objetivo final desse processo, que implica empresas maiores e em menor número, é também o aumento de competitividade e redução de custos. 
 
Esse processo de M&A, que se caracteriza pela criação de mercados mais oligopolizados, pode ter consequências opostas no curto e médio prazo. No curto prazo, tem consequências benéficas para a sociedade: custos e preços menores. No médio prazo, pode ter consequências incômodas para o consumidor. 
 
Entre elas, podemos citar a redução da concorrência, com a possibilidade de redução da qualidade dos bens e serviços, e algum grau de manipulação dos preços por parte dos poucos e grandes grupos do mercado.  O nosso setor de cana-de-açúcar está se adaptando a esses dois movimentos de transformação, que buscam, no curto prazo, a redução de custos e o aumento da competitividade? 
 
III. O ajuste do setor de cana-de-açúcar brasileiro ao mundo atual: A resposta à pergunta anterior é SIM. As melhores empresas do negócio de açúcar e etanol no Brasil, em geral as maiores, estão se adaptando a essas mudanças do mundo dos negócios. Mecanização da lavoura, utilização de GPS em operações agrícolas, automação industrial, uso inteligente de dados de produção e de mercados são alguns dos procedimentos já adotados com a utilização da moderna tecnologia. 
 
No tocante à gestão, as melhores empresas do setor já se utilizam de profissionais de alto nível, com compromissos explícitos de buscar resultados. Além disso, se utilizam da prática de planejamento, de controle e de governança corporativa, com conselhos de administração e conselhos consultivos usados para a tomada de decisões.  
 
E isso é suficiente para que a atividade sucroenergética seja sustentável do ponto de vista socio- econômico? Parece que as mudanças que observamos são suficientes para termos um número reduzido de grandes empresas que sejam mais eficientes que a média atual. A questão da competitividade global pode não ser atendida.  
 
IV. Melhorias necessárias para a sustentabilidade socioeconômica do setor: Inicialmente, devemos destacar a expressiva diferença de performance operacional entre as empresas do setor. Anualmente, os bancos fazem um raio-X desses aspectos do setor. Entre eles, podemos citar os bancos Itaú e Rabobank, que disponibilizam análises de qualidade sobre esse assunto. 
 
A última informação que temos disponível foi a do Rabobank, apresentada no último Seminário JOB Economia, de abril deste ano, em São Paulo. Trata-se da situação econômico-financeira das melhores empresas do setor na safra 2016/2017. A amostra do Rabobank representa cerca de metade da produção nacional de cana-de-açúcar.  
 
Algumas conclusões do estudo do Rabobank:
1. Receita: varia de R$ 130 a R$ 200/t de cana (tc), com média de R$ 160/tc. 
2. Custo caixa (despesas): varia de R$ 50 a R$ 130/tc, com média de R$ 94/tc. 
3. EBTIDA: varia de 25% a 65% da receita, com média de 42%. 
4. Endividamento (dívida líquida bancária): varia de R$ 19 a R$ 227/tc, com média de R$ 119/tc.
5. Solvência (patrimônio líquido/ativo total): varia de 0% a 60%. 
 
As diferenças de performance são grandes e vêm aumentando ao longo do tempo, sugerindo que o processo de concentração na atividade econômica do setor sucroenergético deve aumentar. Por outro lado, o custo caixa aumentou 6% a.a., no período 2007-2016, aproximadamente igual à inflação do período. Ou seja, ganhos de produtividade não têm ocorrido para melhorar a competitividade do setor, como produtor de alimentos e energia.  
 
O que podemos fazer para aumentar a competitividade global do setor e garantir a sobrevivência das empresas eficientes de menor porte, permitindo, assim, um mínimo de competição entre as empresas que venha favorecer o consumidor? 
 
Em primeiro lugar, fazer um esforço que seja efetivo para reduzir custos do setor como um todo. Recursos financeiros do governo mostram-se necessários para complementar os recursos hoje aplicados pelo setor privado em Pesquisa e Desenvolvimento.  Temos que iniciar uma tendência de longo prazo, como no período 1973-1999, de redução de custos, para podermos competir, por exemplo, com beterraba, milho e outras fontes renováveis de energia, como solar e eólica. 
 
Em segundo lugar, criar linhas de crédito específicas para financiar a otimização da atividade atual, através de investimentos que acarretem, no curto prazo, redução de custos e aumento de receitas. É o caso, por exemplo, dos investimentos em mecanização, em renovação e em expansão de lavouras, armazenamento e capital de giro. Cabe lembrar que essas linhas de crédito devem considerar o universo de empresas com gestão eficiente, sem qualquer objetivo de assistencialismo e sem restrição, inicialmente, quanto a tamanho e região. Cabe lembrar que um bom número dessas empresas, em geral localizadas fora do estado de São Paulo, não têm tamanho para competir com os grandes grupos e hoje representam, para o sistema financeiro, maior risco de crédito.  

Em terceiro lugar, é necessário que uma política econômica saudável promova  inflação e taxas de juros para o tomador final que sejam próximas daquelas de países desenvolvidos. Em resumo, quando nos referimos a recursos financeiros para financiar P&D e a modernização e a otimização do parque sucroenergético brasileiro, estamos sugerindo a criação de um fundo de investimentos. Vamos nos referir a ele como Fundo X.
 
Onde arrumar o dinheiro para esse Fundo X, que vai financiar a otimização do setor?
 
O Renovabio está sendo implantado com a finalidade de criar recursos financeiros para o setor. A finalidade do Renovabio, de criar demanda garantida para o etanol combustível, fica em segundo plano, tendo em vista que o Brasil não tem conseguido atender à demanda potencial de etanol combustível nos últimos anos. Ou seja, não falta demanda; falta preço.
 
Nesta safra 2018/2019, vamos produzir acima de 30 bilhões de litros de etanol de cana e de milho, o que é um recorde de produção, e só vamos atender a cerca de 1/3 da demanda potencial. Por demanda potencial, entendemos a demanda caso toda a frota flex usasse etanol o ano todo. 
 
Os recursos financeiros gerados pelo Renovabio, via preço dos CBios e multas, podem ser usados, em parte, para  o Fundo X acima mencionado. O setor como um todo seria beneficiado. O País seria beneficiado. Cabe lembrar que, na década de 1970, foi criado um fundo pelo governo (Funprosucar - IAA), com propósitos semelhantes aos do Fundo X. E o ganho foi muito relevante para o setor e para o Brasil.