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José Carlos Rodrigues Souza

Promotor de Justiça - Promotoria Pública do Estado de São Paulo

Op-AA-09

O impacto socioambiental da expansão da indústria alcooleira

1. Por que?

Sob argumento de ser imperiosa a necessidade de se aumentar a oferta de álcool combustível no País, para assim atender à demanda internacional, diante da grande rentabilidade que o setor oferece aos que nele investem, e frente à expectativa junto ao mercado internacional, nascida de elogios e citações, como as do presidente norte-americano, George Bush, vemos, de modo assustador, a expansão da área agrícola cultivada com cana-de-açúcar no País e, de modo especial, no Estado de São Paulo, sem encontrarmos idêntica atenção para os impactos que dela podem advir e os números são preocupantes.

Estudos da Unicamp dão conta da possibilidade de aumentar, num espaço de tempo de 20 anos, a área plantada de cana em 35 milhões de hectares e atingir o patamar de 100 bilhões de litros de álcool por ano, gerando 5,3 milhões de empregos.

Demonstrando ser essa a proposta dos empreendedores, Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da UNICA - União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, afirma que “A expectativa de uma demanda de álcool para os mercados interno e externo somente será atendida se houver uma expansão da área plantada de cana-de-açúcar, em regiões tradicionais ou em novas fronteiras”, como já está acontecendo, em São Paulo, pelo município de Araçatuba, área tradicionalmente voltada para a pecuária, que já responde por 20% da produção de cana do Estado. Calcula-se no setor que, entre 2006 e 2010, 89 novas usinas serão instaladas no País, 49 apenas em São Paulo.

2. O Estado?!!!
 
Apesar dessa tendência, não vemos com o mesmo vigor a discussão dos impactos sociais e ambientais dela decorrentes, como as migrações, alteração da identidade dos trabalhadores do campo, degradação do meio ambiente e da saúde das populações diretamente envolvidas, relacionada com a queima da cana.

Não se deitou também sob a questão do sistema viário a atender o setor, com suas centenas de carretas; com a água, poluição e seu uso abusivo, não obstante já se tenham várias medidas governamentais de fomento, como abertura de novas linhas de crédito oficiais, aumento do percentual de adição do álcool à gasolina, e a criação do Proinfra, em complementação ao Proálcool, agora voltado para a geração de energia elétrica, que corresponde, na atualidade, a percentual considerável na receita das indústrias sucroalcooleiras.

Com movimento de aproximadamente 20 bilhões de reais por ano, o setor ainda recebe diversas formas de incentivo, tendo no BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o principal agente financeiro, com a previsão de investir 7 bilhões de reais entre 2004 e 2006, através do Programa Nacional de Biocombustíveis, financiando, com recursos de “Desenvolvimento Social”, atividades que, em regra, não atentam para os interesses da comunidade.

No meio político, também no Congresso, o setor encontra apoio da Frente Parlamentar Sucroalcooleira, sem prejuízo da ajuda que recebem também do Ministério da Agricultura, representando o Executivo, que, sempre funciona como fomentador de mercado, aumentando ou reduzindo o percentual de álcool na gasolina, conforme os interesses do mercado produtor.

3. A sociedade, por seus representantes...

Esse quadro de expansão, a princípio promissor, em verdade representa a fotografia de uma intensa e desordenada ocupação agroindustrial do solo, que pode resultar em conflitos entre produtores, governo e sociedade, especialmente quando vemos que os órgãos de controle estão cada dia mais complacentes.

O sistema legal é, sem sobra de dúvida, de grande importância, como meio de definir os usos prioritários do solo, de atuar na delimitação da ocupação de determinadas parcelas do território por parte dos produtores, e finalmente, como meio de orientar e acompanhar o processo de assentamento das novas culturas, mas, no caso do setor sucroalcooleiro, não encontramos uma política definida a respeito, sem prejuízo da complacência já mencionada.

Em razão disso mesmo, é que os instrumentos de gestão ambiental pública têm mostrado-se pouco eficientes para garantir o adequado ordenamento territorial, não obstante muitos dos problemas ambientais brasileiros atuais serem decorrentes da desorganizada ocupação agroindustrial do solo, ocorrida, principalmente, a partir na década de 60.

A concentração de indústrias, fenômeno sempre presente nos grandes aglomerados metropolitanos, passou a causar prejuízos à qualidade de vida das populações residentes nestas áreas, muitas vezes alcançando níveis inquietantes de poluição, além da desagregação familiar e social, fato que agora vem acontecendo na área rural.

Somente em 1981, com a Lei N° 6.938, apesar da problemática ter nascido muitos anos antes, é que vimos a instituição de uma Política Nacional de Meio Ambiente, definindo diretrizes para a implantação e operação de atividades industriais e fixando Zoneamento Ambiental e Sistema de Unidades de Conservação, além da Avaliação de Impactos Ambientais e o Licenciamento e revisão de atividades, efetiva ou potencialmente poluidoras, que se prestam a avaliar a interação de cada atividade com o meio.

De interesse imediato, para o crescimento que vemos, há de se destacar o Licenciamento Ambiental e a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA), que são instrumentos aplicáveis às atividades industriais, no que tange a seus respectivos processos de localização, construção, instalação e operação. As definições, responsabilidades e diretrizes gerais da Avaliação de Impacto Ambiental, no que concerne ao seu uso e implementação, foram definidas através da Resolução CONAMA Nº 001, de 23 de janeiro de 1986.

Esta Resolução definiu como documentos resultantes de tais avaliações o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), sendo a elaboração destes exigência do processo de licenciamento ambiental de uma série de atividades, as quais também se encontram definidas em listagem desta mesma Resolução.

Tais estudos devem incluir alternativas à ação ou projeto e pressupõem a participação do público, representando não um instrumento de decisão em si, mas um instrumento de conhecimento, a serviço da decisão.

Contudo, o que vem sendo observado é que, na prática, muitos EIAs e RIMAs são elaborados para projetos já definidos em termos locacionais e tecnológicos e, portanto, as alternativas não são, via de regra, contempladas - sem prejuízo de alguns que são como receita de pão - o que está gerando a instalação de novas unidades em raio inferior a 1 quilômetro, umas das outras, como temos em José Bonifácio, interior de São Paulo, todas se socorrendo de um mesmo curso d´água, que dificilmente suportará às necessidades das empresas e implicará na perfuração de poços de grande profundidade, alcançando o aqüífero Guarani, sem que haja, por parte do órgão de outorga, restrição, não obstante a qualidade estratégica dessa reserva que, assim deveria ser tratada.

Muitas usinas, já instaladas, estão se socorrendo desse aqüífero para atender ao processo industrial, havendo situações em que a extração visa apenas garantir a vazão de algum córrego que já a atende,ou seja, atender ao padrão conhecido como Q 7-10. Apesar de não ser racional, já podemos contabilizar empresas que se socorrem, com outorga do DAEE, desse aqüífero, para complementar suas necessidades de água para o sistema produtivo e para lançar em córregos, de modo a garantir a vazão, sendo, de outra banda, identificados poços públicos, de abastecimento de comunidades inteiras, com rebaixamento ano a ano, alcançando, como no caso de Catanduva, mais de 100 metros, ao longo de 30 anos.  

4. O que fazer?

A grande dificuldade, não apenas dos órgãos ambientais, mais também da população e de seus representantes legislativos, está na própria identificação das fronteiras do impacto, já que este se propaga espacialmente e temporalmente, através de uma complexa rede de interações, o que também consiste em um obstáculo a ser suplantado na elaboração dos EIA.

Podemos exemplificar o impacto que pode advir da instalação de uma simples usina de açúcar e álcool, tomando como referência o da cidade de Ouroeste, neste Estado. Com um investimento em torno de 200 milhões de Reais, e o processa-mento de 3.000 mil toneladas de cana-de-açúcar, haverá neste empreendimento o consumo de 1.200 m3 de água, gerando resíduos líquidos correspondentes a uma população de 200.000 habitantes, o que reclamará uma área de lançamento, se utilizado o sistema de fertirrigação, correspondente a 15.000 hectares.

Apenas o resíduo líquido gerado, a vinhaça, alcançará 3.500.000 m3/ano, o que representará cerca de 500 viagens por dia de carreta, para distribuição desse material na área que o suporte, sem prejuízo do também grande número de outros caminhões, agora levando a cana para a unidade industrial.

Não obstante esses números, a avaliação que faz o órgão ambiental não contempla o sistema viário, não questiona se haverá suporte para a quantidade de caminhões de vinhaça/cana trafegando, bem como o impacto que esse volume de veículos causará nos demais veículos que lá circulam ou mesmo nas cidades por onde acabem passando; não se questiona a alteração de toda uma cultura humana já instalada, onde muitos trabalhadores deixarão o campo para algum conjunto habitacional da cidade mais próxima; o volume de trabalhadores migrantes, que seguirão para a região em atendimento dessa nova demanda, os equipamentos sociais que serão necessários, enfim, toda uma alteração na comunidade.

Os impactos diretos, em tese avaliados pelos EIAs, não são, como se vê, suficientes, sendo necessário que se avalie também os impactos indiretos, afinal, as metodologias e instrumentos disponíveis para predizer as respostas dos ecossistemas às ações humanas ainda estão sendo amadurecidas. Importante destacar que a Licença Prévia, primeira etapa do licencia-mento, deveria fazer a avaliação não só da localização e da concepção do empreendimento, mas aferir também se a instalação da empresa é tecnicamente viável, sob os aspectos socioambientais, bem como certificar-se também dos impactos diretos e os indiretos que possam causar ao Meio Ambiente.

Afinal, se assim não o for, não teremos um desenvolvimento sustentável, termo com definição, conforme a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que segue:

“[...] um processo de transformação, no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais harmonizam-se e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades de aspirações humanas.”

Podemos assim dizer que os instrumentos de gestão ambiental exercem um importante papel neste contexto, mas para um efetivo direcionamento a um novo modelo de desenvolvimento, torna-se necessário impulsionar e consolidar instrumentos de gestão, que contemplem os aspectos sociais como parte dos ambientais, sob pena de, se assim não for, encontrarmos, dentre pouco, algum artigo a respeito da “irresponsabilidade na expansão do setor sucroalcooleiro no estado de São Paulo”, o que, com certeza, não pode desejar a sociedade como um todo e não poderá permitir o Ministério Público.