Presidente da FAESP - Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo
Não é novidade para ninguém que o clima está mudando. Basta conversar com qualquer agricultor ou observar as últimas safras: chove quando não devia, falta água quando mais se precisa, o calor está mais intenso e, às vezes, até geadas aparecem fora de época. Tudo isso afeta o calendário do campo, prejudica o crescimento das plantas e complica a vida de quem vive da agricultura. Os efeitos das mudanças climáticas não são mais uma previsão de futuro – eles estão acontecendo agora e já impactam diretamente a forma como produzimos alimentos.
A maior preocupação de quem trabalha com produção agrícola hoje é como se adaptar a essas mudanças. As plantas têm seu próprio ritmo de desenvolvimento, e, quando o clima foge do padrão, esse ritmo é afetado. Algumas culturas não conseguem crescer corretamente com tanto calor, ou então sofrem com a falta ou o excesso de chuva. Com isso, fica mais difícil planejar o plantio, colher no tempo certo, na quantidade e qualidade previstas.
O agricultor precisa estar cada vez mais atento ao clima, avaliando permanentemente seus impactos potenciais, a fim de lançar mão de estratégias de mitigação de risco. Uma das saídas está no desenvolvimento de novas variedades de plantas, que aguentem melhor essas condições. Os pesquisadores têm trabalhado para criar sementes mais resistentes à seca, ao calor e até a doenças que surgem com essas mudanças. Hoje em dia, com a ajuda da biotecnologia, é possível acelerar esse processo usando ferramentas modernas, como a edição genética.
Isso ajuda a criar cultivares mais fortes e adaptadas ao clima atual, o que é essencial para manter a produtividade no campo. Graças a todos os estudos desenvolvidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), nos últimos 50 anos, o Brasil deixou de ser um importador de alimentos para tornar-se um dos principais exportadores mundiais.
Outro ponto muito importante é o cuidado com o solo. Com as chuvas mais intensas e mal distribuídas, manter as áreas cobertas e com boa matéria orgânica é estratégico para a sustentabilidade da produção. Práticas como o plantio direto, a rotação de culturas, adubação verde e manter o solo sempre coberto com palhada ajudam a manter a fertilidade e evitar a degradação.
Quanto mais matéria orgânica no solo, melhor a retenção da umidade, que pode ajudar a capturar carbono do ar – o que é ótimo para o clima também. E por falar em água, ela está cada vez mais escassa em várias regiões. Isso exige que o agricultor use a água de forma muito mais eficiente. Sistemas de irrigação mais econômicos, como o gotejamento, ajudam bastante. Também dá para usar sensores no solo para saber exatamente quando irrigar, evitando desperdício. Outra estratégia importante é armazenar água da chuva, recuperar nascentes e cuidar bem das bacias hidrográficas. Afinal, sem água, não há agricultura que funcione.
As mudanças no clima também estão influenciando o aparecimento de pragas e doenças. Com o aumento da temperatura e da umidade, insetos e fungos que antes não eram problema estão se espalhando com mais facilidade. Isso obriga o agricultor a repensar o controle dessas ameaças. Apostar em técnicas mais equilibradas, como o manejo integrado de pragas, o controle biológico e o monitoramento mais preciso das lavouras, é o melhor caminho.
É aí que entra a tecnologia. A agricultura de precisão, aliada à agricultura digital, tem ganhado espaço justamente por permitir um controle muito mais detalhado de tudo que acontece na lavoura. Com o uso de drones, sensores, imagens de satélite e até inteligência artificial, dá para saber exatamente onde está faltando água, onde há pragas, como está o solo, entre outras coisas. Isso tudo ajuda o agricultor a tomar decisões mais certeiras, gastar menos e produzir mais – mesmo com o clima cada vez mais imprevisível.
Mas nada disso adianta se quem está no campo não tiver acesso à informação e ao conhecimento necessário para usar essas tecnologias. Por isso, é fundamental investir na capacitação dos produtores, especialmente os pequenos. A assistência técnica e a extensão rural têm um papel essencial nisso. Também é importante que existam políticas públicas que incentivem práticas sustentáveis, ofereçam crédito com boas condições e apoiem quem está tentando fazer a diferença.
Na área da capacitação, o trabalho que o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) vem desempenhando é exemplar. Além de oferecer as ferramentas para aprimorar o plantio, o manejo e a colheita, a assistência técnica e gerencial (ATeG) faz o acompanhamento dos produtores para garantir o desenvolvimento da propriedade rural. Da mesma forma, os cursos técnicos e a faculdade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) levam ao campo a oportunidade de formação técnica e superior em cursos voltados ao setor.
Em São Paulo, além desse portfólio, estamos construindo seis centros de capacitação para preparar os trabalhadores e os produtores, em especial os pequenos e médios, para as novidades tecnológicas que se sucedem no campo. O Centro de Excelência da Cana-de-Açúcar, em Ribeirão Preto, e o Centro de Excelência em Tecnologia, em São Roque, já em construção, focam na capacitação de mão de obra para a área sucroenergética e na busca por soluções mais acessíveis a todos no campo.
Em Mirante do Paranapanema, o Centro é voltado aos assentamentos e à agricultura familiar, enquanto Avaré deverá ganhar uma unidade voltada à agroindustrialização. Jaguariúna comportará um centro de irrigação, ao passo que na capital paulista a preocupação será com a agricultura urbana e capacitação de mão de obra para favorecer a migração para o interior.
A agricultura familiar e a agricultura periurbana desempenham papéis estratégicos na promoção da segurança alimentar, pois são responsáveis por grande parte da produção de alimentos frescos, diversificados e acessíveis. Além de abastecer mercados locais, essas formas de produção geram empregos diretos e indiretos, fortalecendo economias locais e promovendo inclusão social.
Por estarem mais próximas dos centros de consumo, reduzem significativamente as perdas e o desperdício de alimentos causados por transporte inadequado ou manipulação incorreta, contribuindo para cadeias alimentares mais eficientes, sustentáveis e resilientes.
É importante lembrar que os desafios variam bastante de uma região para outra. Não dá para tratar todos os produtores como se estivessem na mesma situação. É preciso considerar o tipo de solo, o clima local, a cultura plantada, o tamanho da propriedade e até as condições sociais da comunidade. A agricultura do futuro vai precisar ser cada vez mais adaptada, flexível e integrada.
Vai ser preciso reunir conhecimento técnico, sensibilidade local e apoio das instituições para que o campo consiga continuar produzindo mesmo num mundo onde o clima já não é mais como era antes.