Me chame no WhatsApp Agora!

Antoninho Marmo Trevisan

Presidente da Trevisan Consultoria e Diretor da Trevisan Escola de Negócios

Op-AA-19

Razão e responsabilidade

Como muitos já disseram e outros tantos ainda haverão de repetir, a economia – esta entidade quase mítica à qual prestamos certas reverências e dedicamos parte de nossas vidas e esforços para compreender e operar – não é uma ciência exata. Está, sim, sujeita às variações de humor de seu real protagonista, o Homo sapiens sapiens. Os reflexos dessa interdependência são umbilicalmente afetados por uma característica basilar da fascinante espécie: o instinto de sobrevivência.

Em razão de sua tendência à luta pela sobrevivência, homens e mulheres tendem a não medir esforços para garantir a sua própria sobrevida e a de seus descendentes ou agregados. Desta forma, são nos momentos de crise que surgem algumas das características humanas mais contraditórias à razão.

Lembremos de um dos efeitos que caracteriza algumas reações notadas nos momentos de crise: o comportamento de manada. Sabemos que se trata de uma das mais ruidosas reações animais, pela qual, diante de uma ameaça, um grupo de indivíduos dispara em fuga, sem sentido determinado. As baixas vão sendo contadas ao longo do caminho traçado aleatoriamente.

Sucumbem não só integrantes do grupo, mas também aqueles e aquilo tudo que estiverem em seu caminho. A crise atual - que teve origem no estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, com os problemas advindos dos agora bastante conhecidos contratos de financiamento subprime – apresentou-nos uma série de exemplos notáveis de comportamento de manada.

Os resultados dessas reações instintivas e, na maioria das vezes, irracionais, todos conhecem: inúmeras baixas, agentes e empresas enfraquecidas e desgastadas e terreno arrasado. Para aqueles que gostam de enxergar movimentos cíclicos nas expressões da atividade humana, a economia passa por um momento de baixa, de situação negativa, de instabilidade ou, como na expressão mais comum, de crise.

A própria negatividade carregada por estes termos estimula a atitude e o pensamento negativo entre os que atuam, os que gerem ou, simplesmente, os que sofrem os efeitos da dinâmica econômica. Assim, a atitude negativa e todas as consequências dela advindas têm impregnado o mercado, fazendo com que se carregue além do necessário nas tintas da atuação conservadora, provocando perdas mais significativas do que as que poderiam ser consideradas razoáveis.

Poucos são aqueles e aquelas com a força de caráter e a confiança necessárias para encarar de frente os momentos difíceis e neles enxergar o território propício ao empreendedorismo, à criatividade e à colheita de oportunidades. É justamente no exemplo dessas pessoas que a sociedade deve e precisa inspirar-se para virar o jogo.

Ao acompanharmos as avaliações de economistas, especialistas, empresários, governantes e seus representantes, entidades e organizações, jornalistas e outros tantos profissionais que têm opinado sobre a crise nos últimos meses, o que salta aos olhos é a impressão de que os problemas são muito maiores do que a nossa capacidade de resolvê-los. Isso não é verdade.

A história mostra-nos que crises muito mais agudas já foram enfrentadas e suplantadas, inclusive aquelas provocadas ou aprofundadas por fenômenos naturais. Assim, o primeiro mandamento que nos cabe seguir é: olhe o cenário sempre com otimismo. Para exemplificar, podemos analisar as próprias características da atual crise. Afinal, não são todos os setores da atividade econômica que estão sendo afetados negativamente.

Inclusive, algumas empresas nem saberiam da crise se seus gestores não tivessem ligado a televisão, ouvido rádio ou lido jornais. Recorro ao meu segmento de atuação, de prestação de serviços de consultoria e auditoria, em que as empresas continuam a demandar esse trabalho e seguem pagando suas contas. A rigor, o setor não sentiu a crise.

Por outro lado, empresas dependentes das exportações estão sofrendo o recuo de suas atividades, diante de um mercado externo que se está fechando. Também o segmento de bens duráveis, como o de veículos, sofre com a falta de crédito para a venda de seus produtos. Chegou a hora de os gestores dedicarem às empresas um olhar mais pragmático, porque a análise científica dessas últimas duas décadas – em que imperou a noção de que o mercado é uma entidade intocável, que deve se autorregular, liberta de controles impostos pelo Estado – mostrou que muitos erros foram cometidos.

Os gestores deixaram de decidir baseados em seu feeling, passando a tomar decisões em cima de comitês, de instâncias, o que fazia com que ninguém fosse o real responsável pelas definições dentro da empresa. Hoje, vemos empresários reassumirem o controle e as decisões em suas companhias, em substituição aos gestores profissionais.

É importante construir uma governança corporativa que valorize cinco elementos essenciais: controle, caixa, custos, processo e risco. São cinco letras iniciais (CCCPR) que indicam aquilo que a empresa não pode abrir mão em todos os momentos, em especial nos momentos de crise. É preciso controlar tudo o que acontece na organização; administrar atenta e responsavelmente o caixa; ter foco no negócio e definir quem é que deve tomar as decisões quando preciso; dinamizar, baratear e tornar mais eficientes os processos; além de administrar e minimizar os riscos.

Vale destacar que, a partir da história que está sendo escrita na economia global, as empresas do mundo e do Brasil nunca mais serão as mesmas do ponto de vista da gestão. Há, sim, uma enorme revolução na maneira de gerir as corporações, o que é positivo. Neste sentido, a crise tem um componente saneador, pois as pessoas devem voltar-se a construir suas decisões a partir de questões humanistas ou comportamentais.

Nesse contexto, o Brasil tem uma vantagem formidável, porque é um país de empreendedores. Temos quase cinco milhões de pessoas entre 18 e 64 anos à frente de negócios. A vantagem que temos ante outras nações é que o brasileiro é capaz de fazer negócios das formas mais criativas, enquanto o mundo estava se acostumando a operar por manual, achando que a sociedade também é óbvia nas consequências. Ela não é! Ela reage!

Além disso, o Brasil tem ampliado seu mercado interno, incluindo social e economicamente fatias da população, cujos cidadãos não figuravam entre os chamados consumidores com poder de compra. Em cinco anos, foram agregados 30 milhões de novos consumidores ao mercado nacional. Por outro lado, somente 15% do PIB está exposto ao mercado externo. O país está iniciando um processo de crescimento, e nós temos tudo a fazer.

O atual momento econômico também tornou evidentes elementos de uma outra crise que se vem desenhando: o irreversível esgotamento futuro das fontes de combustíveis fósseis, com imensa participação na matriz energética mundial; e os inestimáveis danos causados ao meio ambiente, pelo uso intensivo dos derivados de petróleo.

Pode até soar como pretensão, mas a verdade é que somente o Brasil dispõe, hoje, de tecnologia e de meios viáveis de produção para substituir, em sua matriz energética, os derivados de petróleo por biocombustíveis – em especial o etanol – ou por hidroenergia, fontes reconhecidamente menos poluidoras. O desenvolvimento tecnológico pode mudar isso, mas não no curto prazo.

Estudos da União Européia indicam que, entre 2009 e 2030, a procura mundial por energia aumentará em torno de 1,8% ao ano, o que dá uma idéia do potencial que será exigido no breve futuro. Por outro lado, a possível substituição da matriz energética mundial a partir da produção de combustíveis de origem vegetal traz à tona um dilema contemporâneo da sustentabilidade: afinal, como obter biocombustíveis sem prejudicar e encarecer a produção de alimentos?

Nesse cenário, o Brasil posiciona-se como a grande potência ambiental e energética, pois é o único país onde existem plenas condições de se obter combustíveis e eletricidade advindos de fontes renováveis, sem prejuízo à produção de alimentos. Como admite a FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, temos a maior área de agropecuária do mundo, com 235,1 milhões de hectares, clima propício, a mais abundante reserva hídrica, biodiversidade superlativa e tecnologia para agregar valor a tudo isso.

Além disso, para produzir nosso etanol, que substitui mais de 50% do consumo interno de gasolina, é utilizado apenas 1% das terras agricultáveis com a cultura da cana-de-açúcar. Como se percebe, o Brasil tem condições ímpares de evolução neste campo, já que a dependência de fontes externas é pequena e sua energia é limpa, abrindo oportunidades para investidores em mecanismos sustentáveis.

É certo que vivemos momentos de grave instabilidade e encaramos problemas difíceis. No entanto, a estrutura da economia brasileira é hoje muito mais sólida do que no passado. Dispomos de recursos e de alternativas – como o recém-ampliado mercado interno – que nos abrem caminhos. Contamos com instituições estáveis e consolidadas e a nossa democracia tem crescido a cada nova eleição.

Os governos federal, estaduais e municipais têm adotado medidas firmes para minimizar os efeitos da crise sobre nossa economia, especialmente relacionadas aos setores mais afetados. Também diversificamos nossas relações comerciais internacionais, agregando parceiros e abrindo mercados. Paralelamente, a atuação global dos governos de vários países tem propiciado soluções que dão alento às perspectivas da economia mundial.

Em momentos como o atual, é extremamente difícil e temeroso o exercício de construir cenários futuros. No entanto, diante das bases referidas e tendo em vista o gigante potencial econômico de nosso país, o Brasil tem todas as condições de sofrer na mais reduzida escala os problemas da crise econômica e, especialmente, de deixar tal situação no menor intervalo de tempo, retomando a tendência de crescimento que se consolidava até o terceiro trimestre de 2008.

É preciso, no entanto, que empresas e agentes de mercado tenham em mente que a gestão responsável é essencial para a superação exigida pela atual conjuntura internacional adversa. A lógica do padre Luca Paciolo, considerado o pai da Contabilidade, está voltando. Com ela, resgata-se, com muita força, a visão de que uma empresa precisa ser gerida a partir da verdade dos números, das referências do débito e do crédito, da aplicação e da origem do recurso, pois não pode viver de fantasia. É, portanto, a partir da valorização da razão, da gestão responsável, da governança corporativa, do espírito empreendedor e, especialmente, do otimismo quanto ao presente e ao futuro, que enfrentaremos e superaremos esta crise.