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Carlos Ubiratan Garms

Cocal

Op-AA-02

A saga da geração de energia no setor sucroalcooleiro

Até poucos anos atrás, o potencial de geração de energia elétrica do setor sucroalcooleiro era quase ignorado e desprezado, pelo setor elétrico brasileiro. A sazonalidade da moagem de cana-de-açúcar era a grande razão – ou desculpa, para que não houvesse interesse de compra dessa energia pelas distribuidoras. Como um enorme favor, anos atrás, as distribuidoras pagavam R$ 11,00 por MWh. Em alguns poucos casos, no passado, foram feitos contratos de compra com valores da ordem de R$ 45,00 por MWh.

Aqueles eram tempos bicudos para o setor em seu mercado de açúcar e álcool. Poucos atreviam investir na cogeração de energia, os que fizeram eram movidos pela vaidade ou curiosidade. Mas o tempo foi passando. As condições climáticas de pouca chuva foram eliminando o excesso de produção de cana-de-açúcar, em relação à demanda de açúcar e álcool e o setor foi recuperando, gradualmente, a partir de 1999, a sua melhor condição econômico-financeira.

Ao mesmo tempo, o continuado regime de anos mais secos foi também reduzindo a captação dos reservatórios das usinas hidrelétricas brasileiras. Somado a isso, os novos investimentos em geração de energia foram minguando, diante dos cenários de dificuldade econômica a partir de 1998. Findo o período de chuvas em abril 2001, em plena entrada do período seco, os reservatórios estavam em condições extremamente críticas para o suprimento da demanda de energia.

Apesar do lento ritmo da economia brasileira em 2001, era quase certa a ocorrência de apagões involuntários se nenhuma ação contingencial fosse tomada pelo Governo. Depois de prolongadas discussões e polêmicas em todas as esferas de poder e nos palcos políticos, duas medidas concretas foram então tomadas: o governo impôs à sociedade o Plano de Racionamento de Energia, buscando assegurar uma redução de 20% do consumo, e criou o Programa de Geração de Energia Emergencial.

Através desse programa, o Governo planejou comprar até 3.000 MW de geração de novas usinas térmicas, que pudessem entrar em operação até 30 de Junho de 2002. Tratava-se de um Plano para evitar uma crise ainda mais profunda de oferta de energia, caso as chuvas do verão 2001/2002 fossem pouco suficientes como nos anos anteriores. Daí a sua natureza térmica. Porém, o Programa Emergencial era inicialmente centrado na compra exclusiva de energia a óleo.

Novamente os planejadores do setor elétrico nacional não perceberam, a possibilidade de uso de outras fontes térmicas além de óleo, exceto pelas usinas a gás do PPT, as quais não agregavam nova energia, pois já eram consideradas nos programas de geração do ONS, Operador Nacional do Sistema. Ninguém se lembrou de um gigante adormecido: o parque de geração do setor sucroalcooleiro.

Nem mesmo o próprio setor percebeu a enorme contribuição que poderia dar naquele instante, exceto pela iniciativa de alguns poucos, entre esses, a nossa COCAL. Alertados pelos nossos consultores da Arcadis Logos Energia que a crise de energia poderia ocorrer no período 2001/2002, decidimos acelerar nossos investimentos para a modernização de nossas instalações, implantando uma caldeira de alta pressão (63 kgf/cm²) e turbo-gerador de 25 MW, além de uma linha exclusiva de 25 KM em 88 KV.

Bastou uma consulta objetiva à hoje extinta CGE, Câmara de Gestão do Setor Elétrico para que as usinas com geração a bagaço pudessem participar do Programa Emergencial. Assim fizeram a COCAL e outras quatro unidades sucroalcooleiras em todo o Brasil. Porque mais unidades do Setor não participaram? Algumas porque já tinham sua capacidade comprometida com contratos anteriores com distribuidoras, outras porque não perceberam a crise de energia à frente e a oportunidade de negócio que estava surgindo.

Hoje, esta página do Programa Emergencial também já está quase virada, uma vez que alguns dos contratos emergenciais já começam a vencer no final de 2004. Foi curta, mas certamente foi compensadora. Mas a Saga continua. Depois de muita expectativa e algumas promessas não cumpridas, finalmente o Proinfa está na rua. Os preços ficaram aquém das expectativas iniciais, os prazos não foram cumpridos como esperados e as condições de contratação ainda geram bastante insegurança a todos os interessados.

Como resultado, o Setor não foi capaz ou talvez não tenha mesmo se interessado, em atender a chamada total de 1.100 MW de energia de biomassa que o Proinfa prometia comprar. A COCAL mais uma vez teve interesse em participar e ofereceu a geração de uma nova planta com capacidade de 20 MW. Porém, nossa proposta não foi qualificada pela Eletrobras como enquadrável no programa. Até o momento em que escrevemos essa nossa opinião, ainda desconhecíamos a razão do não enquadramento.

Alegaram que teria faltado algum documento, porém, temos protocolo de entrega de todos os documentos exigidos. Ainda estamos aguardando uma nova manifestação da Eletrobras. Se realmente não formos enquadrados no Proinfa, muito provavelmente ainda vamos investir em expansão de nossa capacidade de geração, mas em um outro momento, ajustado exclusivamente em função das necessidades intrínsecas de vapor de nosso processo industrial.

Temos verificado que, em se tratando de cogeração efetiva, existem oportunidades no mercado de preços de energia iguais ou melhores que aquele estabelecido no Proinfa. Por outro lado, se a necessidade de vapor de processo já estiver atendida, torna-se pouco atrativo investir em capacidade adicional de geração com turbinas de condensação aos preços oferecidos pelo Proinfa.

O que importa, contudo, é que o gigante despertou, em função do barulho da crise da oferta de energia, vivida pelo Brasil em passado recente, combinado aos crescentes brados e apelos mundiais por programas de energia renovável e sustentável. A sociedade brasileira tem hoje consciência clara do valor estratégico do setor sucroalcooleiro como fonte de energia e, apesar de suas deficiências, o Proinfa é uma demonstração dessa nova conscientização nacional. Afinal, estamos na era do CDM, Clean Development Mechanism.

Mas a saga ainda não terminou. Novos capítulos ainda estão por ser escritos. Temos muito ainda a fazer para melhorar o aproveitamento da complementaridade da capacidade de geração do setor com outras fontes alternativas, como, por exemplo, as chamadas PCHs, Pequenas Centrais Hidrelétricas. Um tratamento mais sistêmico dessas fontes poderá levar no futuro a um maior aproveitamento desta opção, com sua maior motorização até o limite de 30 MW.

Afinal, águas vertidas representarão sempre energia perdida. Daqui para frente ninguém poderá se dar ao luxo de perder qualquer forma de energia. Considerando que a capacidade instalada de geração do setor sucroalcooleiro esteja ainda mais desenvolvida, o Brasil poderá planejar o uso desse potencial como uma grande reserva de potência, a ser mobilizada quando se fizer necessária a recuperação dos reservatórios.

Além de bagaço, outros tipos de combustível líquidos poderão ser queimados em nossas caldeiras e, entre eles, parte do próprio estoque de álcool porventura existente. Este será o momento da “Guarda Suíça”, pronta para socorrer o País nos seus momentos difíceis. Esse será o capítulo mais importante da saga da geração de energia no setor sucroalcooleiro.

A partir desse capítulo passaremos a ter a geração de energia contribuindo para a formação e controle da oferta final do mercado de açúcar e álcool, dando sustentação aos seus preços, como um canal off-market para escoamento de excedentes de produção que tendem a ocorrer de tempos em tempos. A enorme elasticidade dos preços diante das variações das ofertas de açúcar e álcool indica a importância que uma estratégia dessa natureza poderia vir a causar no Brasil, especialmente quanto ao valor de nossas exportações.

Como cada 10% de variação na oferta pode ter um reflexo da ordem de 30% nos preços de mercado, é fácil perceber que a retirada de 10% da produção pode significar uma recuperação de até 30% do valor da parcela de 90% da produção de açúcar e álcool efetivamente comercializada. Esta ação representa um ganho final da ordem de 20%.

Não estamos falando de novas intervenções, mas simplesmente na nossa inserção em um novo cenário mundial de energia. Estamos entrando em uma era de esforços em energia eólica e até mesmo energia solar. É a busca pela energia renovável e sustentável. Neste contexto, pelo mesmo preço que se admite pagar pela energia eólicas podemos remunerar a nossa ponta-de-estoque com valores da ordem de R$ 400,00 por metro cúbico de álcool, o que aumentaria ainda mais a margem obtida pelo ajuste dos preços finais de açúcar e álcool. Esta situação não demanda novos investimentos.

Podem existir polêmicas no âmbito da OMC? Provavelmente sim, mas afinal quem poderá nos criticar por estarmos produzindo energia limpa e renovável? Certamente não serão os Europeus. O epílogo dessa nossa saga poderia ser escrito relatando como finalmente consolidamos uma matriz energética completa, inter-relacionando as nossas ofertas de açúcar, álcool e energia. Tudo isso enquanto aguardamos o nosso destino final: A Era do Hidrogênio. Esta é a minha opinião.