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Dib Nunes Junior

Presidente da IDEA

Op-AA-58

Vamos precisar de mudanças significativas
Nenhum outro setor da economia nacional é tão atrelado e dependente do Governo Federal e de sua gigante estatal Petrobras como o setor sucroenergético, que possui apenas três produtos finais, dos quais etanol e energia elétrica estão presos a políticas de preços ou a marcos regulatórios. Somente o açúcar tem mercado totalmente livre para comércio no País, porém cerca de 65% dessa produção é destinada à exportação. Mesmo para esse produto, há muitas barreiras e políticas protecionistas pelo mundo afora que precisam ser enfrentadas frequentemente.

Em passado recente, o governo, através de uma desastrosa política de preços para os combustíveis e para a energia elétrica, simplesmente descontrolou o mercado, ajustando os preços e as tarifas à sua revelia. Com isso, o etanol mergulhou em uma profunda crise de preço que permaneceu congelado por mais de quatro anos, e os valores de MWh da energia elétrica foram arbitrariamente reduzidos para fins político-eleitorais. 
 
Aliás, toda a economia sofreu com intervenções. Depois disso, o próprio governo tentou consertar a anômala situação que ele mesmo criou com uma brutal recessão, e foi aí que o setor sucroenergético afundou de vez. A desaceleração da economia causou uma grande queda no consumo de energia elétrica, que derrubou os preços e desestimulou novos investimentos. 
 
Para piorar, o mercado internacional do açúcar apontou superávits seguidos que derrubaram os preços e levaram o setor sucroenergético de vez para o fundo do poço. Mais de 70 usinas fecharam as portas e, pelo menos, 82 entraram em recuperação judicial.
 
Com a eleição de Jair Bolsonaro, parece que o mercado vai se livrar das políticas intervencionistas e protecionistas. Tem-se aí, portanto, uma grande incógnita, mas também uma enorme oportunidade para repensar o setor. As principais questões que surgem neste momento são: como uma política liberal poderá afetar o setor sucroenergético? Há condições de viver sem as relações com o Governo Federal? Neste momento, as respostas serão apenas elucidativas e genéricas, mas uma coisa é certa: o setor deve se preparar para uma significativa mudança que, certamente, virá.
 
Acreditamos que a Petrobras se tornará mais competitiva e disputará com o etanol o mercado dos combustíveis, e, nesse caso, corre-se o risco de concorrer com uma gasolina bem mais barata. Também há o risco de estimularem novos produtos concorrentes, como o crescimento de oferta do próprio GLP, cujas reservas na bacia de Santos são imensas. Automóveis movidos a eletricidade já são uma realidade, e essa tecnologia deverá ganhar força no Brasil, principalmente depois que foi aprovado o projeto Rota 2030, com enormes incentivos para o setor automobilístico.

É claro que, nesse caso, o setor precisa lutar pelo carro híbrido (etanol + energia elétrica), cuja tecnologia já está prontinha para ser utilizada. Aliás, não entendo por que tanto incentivo no Rota 2030 para pesquisar o que já está pesquisado e pronto. Enfim... No entanto percebe-se que o maior desafio do setor será correr atrás de produzir o etanol bem mais barato do que se produz atualmente, cujo valor médio por litro já alcança R$ 1,80.
 
A política de preços da gasolina, atrelada ao preço internacional do petróleo, criada para cobrir os rombos deixados pela corrupção na Petrobras, por enquanto, está favorecendo o etanol, pois o petróleo está em alta, e os aumentos sucessivos dos preços da gasolina tornaram o etanol mais atraente ao consumidor e também ajudaram a reduzir a defasagem preexistente.
 
Por outro lado, o setor sucroenergético precisa lutar para emplacar o RenovaBio, que pode dar vida própria ao etanol, tendo que considerar, até mesmo, a possibilidade de distribuição direta para o varejo. O ajuste a um livre mercado totalmente desregulamentado será necessário. 
 
Deve-se estudar, inclusive, a possibilidade de entrar “de cabeça” no mercado de combustíveis e atuar em toda a cadeia, como faz hoje o Grupo Raízen, por exemplo, ou a Glencore, que acaba de adquirir a ALE, que é uma significativa rede de distribuição e de varejo, com mais de 1.500 postos de serviços.
 
Mas, para a real sobrevivência do setor, isso não basta. Será preciso um profundo ajuste no modus operandi de produzir cana, açúcar e etanol. O desafio é aumentar a competitividade. Para tanto, surgiram várias alternativas, como a produção de etanol do milho integrada à produção de cana; o uso da cana-energia, que quase dobra a produção de açúcares fermentescíveis por unidade de área ou aumenta em 50% a oferta de bagaço para geração de energia elétrica; o aproveitamento racional de resíduos da agroindústria para a produção de biogás também deve ser considerado, cuja tecnologia está totalmente dominada e disponível ao setor; redução das perdas; encurtamento da safra, concentrando-a nos melhores períodos; redução de distâncias e do custo dos arrendamentos de terras, e, sobretudo, ajustamento no sistema produtivo para melhorar as produtividades agrícolas. Tudo isso deve fazer parte da nova pauta do setor.
 
Parte significativa do faturamento com o açúcar, por exemplo, deveria ser oriundo de produtos com maior valor agregado, abrindo um enorme espaço para novos projetos, joint ventures e investimentos na indústria de transformação de alimentos. 
 
A produção de plástico biodegradável é outra excelente alternativa para diversificação. Isso sem mencionar a urgente necessidade de substituir os mais de três bilhões de litros de gasolina que são importados anualmente pelo Brasil; além disso, deve-se criar uma política energética mais consistente e duradoura, prevendo o aproveitamento de toda a potencialidade de crescimento da produção de cana e de etanol. Para atingir esses objetivos, o Acordo de Paris precisará ser cumprido e levado a sério.
 
Hoje, ainda temos inúmeras ineficiências e gargalos. O setor está endividado e combalido com tanta crise sobre crise, mas ainda está de pé, resistindo bravamente, à espera de dias melhores e de mudanças significativas que atraiam investidores e novos negócios.
 
A nova mudança na política econômica que o governo Bolsonaro implantará no Brasil, dependendo da dose em que for aplicada, vai obrigar o setor a repensar, de maneira radical, todo o seu sistema produtivo. Entretanto todas as mudanças já prometidas pelo novo governo apontam para mais um choque ao setor, exigindo mais do que criatividade: vai exigir fortes parcerias internacionais para uma nova era de investimentos e incorporação de tecnologias inovadoras. 
 
Mais do que apenas sobreviver, o setor sucroenergético precisa, urgentemente, realizar mudanças e buscar novos produtos para agregar valores que tragam melhores margens e, principalmente, buscar vida própria num mercado cada vez mais competitivo e, certamente, mais liberal.