Com o advento da mecanização da colheita integral da cana-de-açúcar e da expansão canavieira para ambientes mais restritivos, observou-se uma grande estagnação nos incrementos de produtividade da cultura nos últimos 15 anos, fazendo com que custos com a produção aumentassem significativamente, a ponto de colocar em xeque a competitividade no setor sucroenergético nacional.
O preço de remuneração do etanol e do açúcar tem dificultado investimentos em aumento de produtividade, seja na mecanização da colheita, nutrição, formação de viveiros, controle de pragas e doenças, renovação dos canaviais, entre outros. Mas, sem sombra de dúvidas, o genético está entre os principais impactos dessa falta de investimento em produtividade, isso se não for o principal deles.
Desde a sua origem, o melhoramento genético buscou aumentar a produtividade de sacarose. Isso levou os melhoristas a buscarem variedades com alta pureza e alto teor de açúcares no caldo, o que, por outro lado, levou a um baixo teor de fibras na cana. Com esse biótipo, foram obtidos diversos híbridos modernos que, em sua maioria, são responsivos e com alto potencial produtivo.
Porém, devido ao baixo teor de fibras e à elevada responsividade, esses híbridos são exigentes em manejo agronômico e em fertilidade, ou seja, não suportam o pisoteio. São comumente sensíveis ao arranquio de soqueira e pouco estáveis, perdendo muito do potencial produtivo quando cultivados em ambientes restritivos que possuem menor fertilidade e/ou maior déficit hídrico. Além disso, a busca por um teor de açúcar maior nas novas variedades tem sido cada vez mais difícil. Acredita-se que estamos muito próximos de um patamar de produção difícil de ser suplantado geneticamente, o que demanda grande esforço e investimento em pesquisa para pouco ganho genético.
Assim, uma mudança de paradigma se fez necessária, e um novo conceito de variedade está em formação. São as variedades rústicas, nas quais o teor de sacarose é menor, o teor de fibras é maior, a produtividade, muito maior e a variedade é muito mais robusta. Isso confere maior longevidade ao canavial e maior tolerância a estresses bióticos e abióticos, quer seja pela fertilidade, quer seja pelo maior déficit hídrico e maior resistência ao pisoteio, dada pelo maior teor de fibras e pela presença de rizomas.
Esse tipo de variedade mais rústica tem o potencial de aumentar a produção de açúcar por hectare e reduzir significativamente os custos, viabilizando a produção econômica em ambientes restritivos. Adicionalmente, por ter um teor maior de fibras, essas variedades irão gerar um excedente considerável de bagaço, que poderá ser utilizado na geração de energia, na fabricação de etanol 2G, na produção de biometano e para equilibrar o balanço energético na fabricação de etanol de milho.
Conceitualmente, as variedades rústicas possuem uma participação maior de genes do ancestral selvagem da cana, o Saccharum spontaneum, permitindo que sejam muito mais produtivas, menos exigentes em solo, clima, água e nutrientes e mais resistentes a pragas e doenças.
O que resulta em uma maior eficiência energética no seu cultivo, ou seja, maior unidade de energia produzida por energia gasta, se considerada toda a cadeia (output/input). Esse é um parâmetro essencial e finalista que determinará as opções energéticas a serem consideradas, muito em linha com o programa nacional de energias renováveis, o RenovaBio.
Com esse novo enfoque, a GranBio iniciou, em 2012, através de sua subsidiária BioVertis, o desenvolvimento de variedades rústicas de cana-de-açúcar – a cana-energia Tipo 1 – e, em 2017, lançou comercialmente a cultivar Vertix 3 (vide quadro).
A Vertix 3 apresenta um teor de fibras de 20% (quando a RB92579 está com 15%) e um teor de açúcares redutores totais (ART) de 115 kg/t (quando a RB92579 está com 145 kg/t). O teor de fibras e a presença de rizomas estão diretamente correlacionados com a longevidade do canavial. Embora tenha um teor menor de ART, a produtividade de ART por hectare foi 20% (2,4 t/ha) a do padrão comercial, e a produtividade de fibras mais que dobrou (13,7 t/ha).
O quadro mostra a Produtividade de biomassa verde (TMVH), fibras (TFH) e açúcares (TAH) da Vertix 3 e do padrão comercial RB92579 em experimentação conduzida em ambientes restritivos no estado de Alagoas, entre os anos de 2014 e 2018.
Essas 13,7 t/ha adicionais de fibra são suficientes para produzirmos aproximadamente 13 MWh adicionais de energia elétrica ou 3,5 mil litros de etanol de segunda geração. Isso sem falar nos 1,5 mil litros de etanol produzidos com os açúcares do caldo adicional produzido no hectare. Importante destacar que o custo com a produção dessas cultivares rústicas, dado a maior produtividade e longevidade das soqueiras, é cerca de 30% a 50% menor que o de uma variedade convencional cultivada no mesmo ambiente.
Posto isso, resta destacar que as cultivares rústicas, pela presença de rizomas e pelo maior teor de fibras, são adaptadas à colheita mecanizada, dado que os rizomas impedem o arranquio das soqueiras e o maior teor de fibras suportam o pisoteio que acontece na colheita mecanizada. Adicionalmente, esse tipo de variedade pode ser colhido com maior umidade do solo, permitindo que a usina possa iniciar/terminar a safra colhendo esse tipo de material. Existe até a possibilidade de a usina ampliar o período de moagem, otimizando os ativos agrícola e industrial. O bagaço adicional gerado, se a usina ainda não possui a fabrica de etanol 2G, pode ser utilizado para acertar o balanço térmico da usina durante a safra e exportar energia elétrica na entressafra, permitindo que o ativo de geração de energia possa rodar 11 meses no ano.
Adicionalmente às cultivares de cana-energia do Tipo 1, temos também as cultivares do Tipo 2, que são ainda mais produtivas, mais fibrosas e com maior longevidade do canavial. A média de produtividade da Vertix 2 em cinco cortes foi 2,3 vezes a produtividade da variedade convencional utilizada como padrão nos experimentos (175 vs 77t/ha). Foram 40 t/ha de fibras e 14 t/ha de ART.
Variedades do Tipo 2 podem ser cultivadas em ambientes ainda mais restritivos; o açúcar presente no caldo pode ser destinado à produção de açúcar, etanol e biogás/biometano, cobrindo boa parte dos custos da produção, e as fibras podem ser destinadas para a produção de energia, etanol de milho, etanol 2G e biometano. Um novo mercado, dentro e fora do Brasil, está surgindo para esse tipo de biomassa.
Para finalizar, gostaria de destacar que estamos vivendo um momento de transformação em nossa matriz energética global. Nós temos o melhor combustível renovável do mundo, o etanol. Mas precisamos deixá-lo mais competitivo. É imperativo que as produtividades aumentem e que os custos de produção reduzam. O etanol de segunda geração será determinante para essa redução de custo, mas a utilização de variedades mais rústicas, como a Vertix 3 e a Vertix 2, será determinante para o aumento da produtividade nos ambientes restritivos.
Precisamos verticalizar a produção, capturar mais CO2, reduzir as emissões de N2O, substituir o consumo de diesel por biometano e expandir para áreas que não compitam com a produção de alimentos, recuperando solos degradados e trazendo desenvolvimento regional.