Economista
Op-AA-43
Falar, mais uma vez, sobre a longa crise do setor sucroenergético não é tarefa simples. Quase tudo já foi dito, e parece nos faltar a energia necessária para superar os problemas que vivemos. Há, porém, novidades, algumas alvissareiras. Finalmente, parece – embora, no momento em que escrevo estas linhas, a decisão ainda não tenha sido sacramentada – que as autoridades concordaram em fixar o novo nível de mistura do etanol à gasolina, acrescentando uns 800 milhões de litros anuais à demanda por etanol anidro.
Muito? Pouco? De qualquer modo, o que não nos falta – e é preciso enfatizar esse ponto – é demanda: menos de 30% da atual frota de veículos leves de motores flex está usando etanol, e toda a produção tem sido vendida. Há espaço para mais que dobrá-la, só no mercado brasileiro. Mas nos faltam preços para o negócio ser rentável, e, como os preços do hidratado e do anidro estão umbilicalmente ligados, dá tudo na mesma: o anidro adicional virá da redução do hidratado disponível.
Outra medida, importantíssima, foi a correção do PIS/Cofins e principalmente a reposição da Cide, com efeito líquido de um aumento de R$ 0,22 por litro da gasolina saída das refinarias, com óbvios benefícios sobre o etanol. Parece que se resgata o papel estratégico desse instrumento regulatório para uma adequada política de longo prazo – ainda inexistente – para os biocombustíveis.
Preocupa-me o atual ciclo dos preços do petróleo. Não sendo Pitonisa, meus longos anos de economista me livram da impossível tarefa de predizer preços futuros de commodities. Já acreditei nas teorias do peak oil, de que o preço do barril do petróleo iria para as nuvens, qualquer coisa acima dos US$ 200... Vemos que a equação é bem mais complexa: aos preços vigentes até há poucos meses, um grande número de reservas tornaram-se viáveis: o shale gas and oil, nos Estados Unidos; as areias betuminosas de Alberta, no Canadá; as reservas do pré-sal, no Brasil e Angola; os depósitos do deep offshore, no Golfo do México; a exploração petrolífera, no Ártico; as novas técnicas de extração adicional nos campos, até então classificados como esgotados etc., etc., etc.
O que se convencionou chamar de non conventional oil passa a ser parte importante da produção marginal desse combustível. Veio a oferta adicional, criaram-se as pressões para a baixa de preços. Presente, também, a relevante queda do consumo de energia por unidade do produto nacional no mundo desenvolvido e a diminuição das taxas de crescimento na China.
Pode-se facilmente juntar outros argumentos nessa direção. Estamos numa guerra entre o óleo saudita e o óleo de xisto? Há razões fundamentais embasando tais movimentos de preços? Estamos em um ciclo de baixa de longo prazo? Isso é extremamente importante. O problema, no presente, é sabermos por quanto tempo o petróleo estará no entorno dos US$ 50/60 o barril.
Nesse nível, sem um poderoso aumento da Cide, o etanol de cana é, hoje em dia, no estado atual de nossas usinas e nossos canaviais, inviável para um grande número de produtores, caso a gasolina seja vendida a preços equivalentes a esses do petróleo. Claro que tão relevantes quanto o preço do barril são as perspectivas da taxa cambial, cuja tendência de desvalorização parece ser nossa melhor aposta no momento. Isso é positivo.
Mas o ponto essencial continua a ser a falta de políticas públicas claras para os combustíveis líquidos. “Nunca antes nesse país” essa ausência foi mais evidente. Assim, por mais aplausos que se façam ao restabelecimento da Cide, ninguém sabe realmente quais as reações de sua reimplantação. Simples operação arrecadadora de tributos adicionais? Instrumento efetivo para incentivar o uso de combustíveis renováveis? Tentativa de melhorar os péssimos números do balanço da Petrobras?
Aqui, na planície, ninguém sabe. No Planalto, talvez... Essa incerteza quanto ao ambiente regulatório é o grande ponto do quadro de absoluto desânimo prevalecente. Quando é que vamos conversar a sério, sociedade civil, produtores, consumidores, governo? Nas crises anteriores, as saídas sempre foram através de intenso diálogo entre todos, no qual políticas públicas e novas tecnologias eram abertamente discutidas.
O que nos falta para repetirmos esses feitos? Liderança, fundamentalmente. São notórias as razões dessa carência, resultado das profundas mudanças estruturais por que passou o setor. Infelizmente, os esforços para superar essa condição não têm tido sucesso. É preciso definir uma pauta em torno da qual se construa o consenso. Quais os itens potencialmente mais importantes?
Qualquer lista não deixaria de incluir, certamente: mecanismos regulatórios para manter o preço do etanol competitivo com o a da gasolina; tratamento tributário compatível com as externalidades ambientais positivas de seus produtos; valorização adequada da produção de energia elétrica da biomassa; manutenção e ampliação da mistura obrigatória; uniformidade no tratamento tributário estadual (ICMS); financiamentos adequados para os investimentos; apoio ao desenvolvimento tecnológico, tanto industrial quanto agrícola; abertura e ampliação de mercados externos; subsídios explícitos e implícitos de variada natureza; um Proer específico para o setor; esforço tecnológico na melhoria da performance dos motores flex quando usem etanol. A lista pode ser ainda bem maior.
Não quero entrar na discussão de mérito de cada um dos pontos a serem incluídos nessa hipotética porém indispensável conversa. Mas parece claro que uma pauta com todos aqueles itens é muito mais um programa de ação de médio e longo prazo de todo o setor, na sua maioria em pleno andamento. Para se alcançar êxito, é condição mandatória a união de todos os produtores.
Sem isso, não há jogo. Nada mais propício ao fracasso dessa empreitada que uma longa lista de reivindicações, muitas inviáveis e irrealistas, sem consenso claro entre os produtores, a serem apresentadas a um interlocutor – o Governo Federal – que já se apresenta, de cara, com manifesta má vontade. E há que se levar em conta os demais pontos de vista dos outros interessados: governo, em seus diferentes níveis; consumidores; trabalhadores; fornecedores de serviços, insumos e equipamentos; os fabricantes de automóveis; a Petrobras e demais distribuidoras de combustíveis.
Um grupo restrito de temas básicos – mínimo denominador comum capaz de unir todos – é o caminho com chances de sucesso. Não nos faltam instituições onde continuar a desenvolver os esforços nessa direção. O presente movimento de arregimentação de um número significativo de governadores em torno de um Fórum de Etanol tem tudo para ajudar, em muito, a sairmos dos impasses atuais, a criar clima político favorável. Passo importante pode ser a uniformização dos tratamentos fiscais estaduais ao etanol, como instrumento real estimulador da retomada dos investimentos no setor.
Como procurei argumentar, não creio em mudanças significativas no quadro atual, e nem em soluções milagrosas, salvo o gerado por um grande esforço daqueles que, capitalizados, tenham coragem de continuar investindo na consolidação do setor. Não vejo alternativa para um número importante de usinas, cuja única saída é a capitalização externa a seus atuais acionistas, seja por seus credores, seja por terceiros. A sobrevivência está na eficiência. Industrial: cogeração, terceiros produtos, etanol de segunda geração (quando disponível: até agora, não competitiva). Agrícola: novas variedades; novas técnicas de operação; agricultura de precisão. Gestão: completa revolução. Financeira: capitalização. A história de cinco séculos da cana-de-açúcar no Brasil mostra nosso ponto forte: Resiliência.