No final da década de 1980, vivia-se uma fase de mudanças intensas para o setor sucroenergético brasileiro pós-Constituição de 1988. O País mudava de um governo com postura de produtor para uma nova Carta Magna, que caracterizava a atuação de governo como indicativa. Isso se traduzia em fechamento de antigos Institutos por Produtos, como o IAA, o IBC, a Sudhevea.
Vivemos o início da década de 1990 com profundos impactos setoriais. Afinal, o setor produtivo canavieiro cresceu e amadureceu sob a égide do Estado (IAA), em legislações que definiam tudo ao empresário: cotas de produção e de exportação; características do produtor de cana-de-açúcar; preços; além de julgar e baixar sanções!
Desde a década de 1970, houve questões muito positivas, como investimentos em P&D e programas importantes, como o Proalcool, que vieram na esteira disso. Nos governos Sarney e Collor, ainda demorou para se ter definições até a aprovação das políticas públicas ao etanol, em 2002. Foi o governo FHC que, de fato, desregulamentou o setor produtivo, dando início a um novo processo de mudanças, profundo e com respostas mais rápidas. A isso se somou, em seguida, um ambiente global todo favorável à energia renovável, com elevados preços, à inovação dos carros flexíveis lançados em 2004 e a uma segunda enorme onda de investimentos no setor, até 2010.
No período, o processo de consolidação, expansão e forte volume de capital internacional aconteceu ao mesmo tempo! Houve crescimento anual de dois dígitos na oferta de cana-de-açúcar. No auge dos investimentos, vieram a crise financeira global de 2008 e os desastres populistas do 2º Governo Lula mais todo o período da Dilma, que resultaram em fechamento de empresas setoriais e um crescimento assustador do endividamento das usinas e destilarias, além das dificuldades de manter-se a produção em alto nível.
Essa introdução necessária ao tema deste texto busca caracterizar os momentos de longas dificuldades, com as condições extremamente insatisfatórias enfrentadas pelo setor produtivo em face de duas questões que merecem citação, pela importância que terão nos próximos anos:
a) Ideologia: sem comprovar ideias, trata-se de forçar ações por um determinado grupo social;
b) Ação do Estado: medidas voltadas, ou não, ao estímulo/desestímulo ou à valorização das externalidades positivas de produtos diferenciados.
O sinal mais importante do ano de 2017 foi a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção pelo Presidente da República do RenovaBio. Como lei, terá até novembro de 2019 para estabelecer toda a sua regulamentação. E foi o RenovaBio o grande esforço setorial para definir o futuro, qualificando a biomassa na matriz energética brasileira. Claramente, o RenovaBio é instrumento essencial de política pública de Estado, não de governo. Trata-se, pois, de uma ação geopolítica, em que a energia renovável tropical insere o Brasil entre os grandes no planeta. E assim deve ser vista.
Em síntese, o RenovaBio visa estimular a produção de biocombustíveis (etanol, biodiesel) mais eficientes e que gerem maior conteúdo energético por partículas de gases poluentes emitidos (boa definição de Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, na edição anterior da Revista Opiniões). Além disso, permitirá previsibilidade em termos de mercado e regras estáveis.
Como a agroindústria produtiva vê isso?
Após a “guerra santa” pela sobrevivência, o setor produtivo encara 2018 e suas eleições gerais, esperando ambiente positivo para a regulamentação do RenovaBio, com esperanças sobre tudo isso. Há, globalmente, um ambiente favorável, enquanto, no Brasil, agora, uma Petrobras que não se posiciona contrariamente. Há um Ministério da Fazenda preocupado com mudanças nas regras de um lado, e um Ministério das Minas e Energia que as defende. Ou seja, a nova fase se inicia. Ao que tudo indica, deve ser criado, no governo Temer, um comitê para a regulação da lei, com maior representatividade pública e menor privada.
O RenovaBio traz algumas mensagens fundamentais que valorizam muito essa lei para as metas abraçadas pelo Brasil na COP21. Em primeiro lugar, define o papel do etanol e do biodiesel na matriz energética brasileira; também, com igual importância, formaliza as ações de governo para atender à ratificação do Acordo de Paris (COP21) sobre o clima; cria, na lei, as condições para os ganhos de eficiência na produção, que levam a estímulos à produtividade; cria, também, mecanismos financeiros que valorizam menores emissões, certificadas do lado do produtor e papéis que tragam a segurança na comercialização dos combustíveis renováveis no setor da distribuição (CBIOs).
Esses pontos não só valorizam a política pública RenovaBio ao nível do País, como trazem uma mensagem extraordinariamente positiva à busca da produtividade setorial. Esse, sem a menor dúvida, o toque essencial à visão do produtor e dos investimentos:
a) Ter um norte, com metas (que serão acentuadas nos mandatos estabelecidos), que estimulam os investimentos;
b) Ter a valorização das menores emissões, certificadas no produtor, estimulando a produtividade.
O que se verá com a implantação do RenovaBio a partir de 2020 é a quebra do atual ciclo vicioso da baixa produtividade, para um ciclo virtuoso de melhoria efetiva das eficiências agroindustriais no setor sucroenergético, fundamental para a capacidade competitiva frente a um petróleo com preços girando entre US$ 50 e US$ 60/barril.
A cultura canavieira, semiperene, tem características diferenciadas em relação aos grãos, como seu longo ciclo e intensa dependência do clima, com renovações anuais do canavial entre 10% a 15%, o que resulta em menores recuperações anuais, caso não se dê às soqueiras maior atenção. Afinal, elas representam cerca de 85% da área cultivada com a cana-de-açúcar.
Como produtor de etanol, serão fundamentais os mecanismos de Certificação (eficiência), das emissões dos CBIOs (emissão da nota fiscal) nos volumes efetivados e a relação com os distribuidores de combustíveis (que terão metas) e com outros atores da área financeira, assegurando a previsibilidade necessária para uma participação competitiva.
As projeções, como desafio ao setor produtivo, representam a busca do equilíbrio necessário, e que não se mantenha a forte volatilidade observada, por exemplo, na participação do etanol no consumo nacional do Ciclo Otto (% do etanol no consumo de gasolina + etanol + gás natural): (Vide Quadro 1)
Da mesma forma, a maior preocupação a ser corrigida, e que vem com a lei, é a “síndrome” da perda da produtividade, com o aumento da área no Brasil para a cana-de-açúcar: (Vide Quadro 2)
É exatamente essa a reação essencial que caberá ao produtor brasileiro a partir do momento em que se valoriza a sua produção. Antes da sua aprovação como lei, o RenovaBio era a expectativa do produtor que se via às voltas de crescente volume de importações, sem serem levadas em consideração questões primordiais ao futuro que se espera na matriz energética brasileira:
a) Perspectivas e metas, que levam ao investimento e à competitividade;
b) Valorização das externalidades positivas dos combustíveis renováveis, via diferentes alíquotas dos novos impostos nos produtos;
c) Previsibilidade!
Junto com a regulação da lei, que será excepcionalmente importante no sentido da manutenção do seu conceito, vem a responsabilidade do setor privado em competir no mercado, sem amarras ou qualquer exceção. Será, pois, essencial uma boa regulação, com maior participação e responsabilidade do setor privado.