Doutor em Economia pela USP, ex-Economista Chefe da Febraban, ABBC e do Banco Itamarati
Op-AA-19
O que acontecerá? O país vai crescer 2% ou 4%? Perderei meu emprego este ano? A minha empresa vai continuar lucrativa? Essa é a preocupação dominante de norte a sul do país. Ninguém sabe a resposta completa, todos são aprendizes; é uma nova realidade. Entretanto, é possível antecipar que observaremos mais volatilidade nos mercados por algum tempo, crescimento fraco, desemprego, e depois de um tempo, a tempestade passará e o mundo e o Brasil continuarão a crescer.
Há oportunidades a serem usufruídas e armadilhas que devem ser esquivadas. O futuro não é algo a ser esperado e sim a ser construído. O mundo que existia em 2008 acabou e não vai voltar. O ano de 2009 será de transformações. A intensidade e a velocidade das mudanças dependem, em parte, das ações que o governo e as empresas adotem.
O setor público deve ter uma queda de arrecadação e menos margem de manobra, para mais gastos. Por outro lado, a desaceleração da economia aumenta a pressão política para mudanças e avanços, mesmo que pequenos, no quadro institucional. Nas empresas, as menos endividadas, com poucos insumos em dólares e em setores com boas perspectivas são as que têm as melhores perspectivas.
Os sinais para a economia estão fracos, mas depois melhoram. A boa estrela do Brasil continuará a brilhar. Mesmo com a perda de fôlego e ajustes, o mundo continuará a demandar matérias-primas, alimentos e biocombustíveis, com a desvalorização, a indústria nacional volta a ser competitiva e o setor de açúcar e álcool é favorecido. Há também potencial interno para expandir a oferta e atender a essa demanda externa, bem como um mercado interno de 200 milhões de consumidores.
Há uma miopia e foca-se apenas na situação atual, no desempenho em 2009, sem pensar em 2010 e 2020. O mundo vive um novo paradigma, com outros desafios. As novas tecnologias, os ganhos de produtividade e a maior abertura comercial e financeira deram uma nova dinâmica às economias. A crise é passageira e em alguns trimestres será coisa do passado.
O fato recente mais importante que aconteceu para o setor de açúcar e álcool foi a desvalorização do Real, que vai alterar o padrão do comércio exterior. Uma desvalorização tem efeitos diversos, que dependem das circunstâncias. Existem maxi’s que “dão errado”, como a mexicana em 1994, e maxi’s que “dão certo” como a inglesa em 1992.
No caso do México, a desvalorização foi forçada pelo mercado, e foi acompanhada de outras desvalorizações. Na Inglaterra, a desvalorização da Libra promoveu um crescimento maior que a dos demais países europeus e a diminuição da inflação. Hoje, o Brasil tem reservas elevadas, permitindo-lhe administrar a volatilidade cambial, o que é uma situação bem diversa da que foi em 1999.
Uma maxi traz embutidos vários benefícios. O primeiro é o aumento no emprego e no produto, melhorando os indicadores sociais. O segundo é uma melhoria nas nossas contas externas, promovendo um crescimento expressivo das exportações de produtos industriais e uma diminuição nas importações. No caso dos derivados do açúcar e álcool, a maxi compensou parte da queda do preço em divisas.
O último destaque é a melhoria nas contas públicas, trazida com a maxi, pois com reservas elevadas, houve um ganho para o Banco Central do Brasil, que se traduz numa redução da dívida pública líquida. Também é fato que uma maxi tem custos que necessitam ser aferidos. Os dois custos mais expressivos de uma maxi são o impacto no sistema financeiro e nos preços. Contudo, no Brasil, esse efeito é facilmente absorvível.
Os bancos brasileiros apresentam-se muito fortes e o descasamento em divisas nos balanços dos bancos é baixo. O efeito inflacionário de uma desvalorização depende de muitos fatores, mas, no nosso caso, a resultante é baixa. Diferentemente do que aconteceu outras vezes, atualmente, não há possibilidade de excessos de demanda, os mecanismos de mercado estão mais presentes e as características de contestabilidade são muito melhores. Portanto, o impacto é expressivamente inferior ao de uma década atrás.
Há uma defasagem entre a desvalorização e seu impacto benéfico na economia. É conhecido como curva J na literatura. É o tempo que demora para que a indústria nacional adeque-se à nova matriz de preços, dada pelo novo patamar do câmbio. O aperto do crédito é anterior a setembro e pode diminuir o impacto positivo causado pela desvalorização cambial. A indústria brasileira necessita de financiamentos acessíveis para retomar os mercados que perdeu no período em que o câmbio estava valorizado.
O Brasil tem uma vantagem competitiva nos biocombustíveis, reconhecida mundialmente. O Proálcool foi desenvolvido por ocasião do primeiro choque do petróleo. A cadeia produtiva brasileira do álcool - preparação da terra, formação de mudas, plantio, colheita, refinação, armazenamento, desenvolvimento de motores etc - é a mais sofisticada da atualidade. O mundo está acordando para os biocombustíveis, enquanto o Brasil está três décadas à frente.
A agricultura brasileira teve uma revolução produtiva, da porteira para dentro, com ganhos de produtividade consideráveis; o país tem a tecnologia mais avançada em biocombustíveis. Nesse sentido, as ações necessárias para consolidar o Brasil como pólo mundial de biocombustíveis já estão diagnosticadas: padronização mundial de sua produção; investimentos em pesquisa; um programa de estocagem apropriado; um regime de comercialização adequado; um tratamento tributário justo; investimentos em pesquisa e tecnologia; um monitoramento contínuo da matriz energética mundial; e um gerenciamento sistêmico do projeto.
O novo paradigma mundial exige ações contundentes. Para tanto, deve-se agir. A capacidade de desenvolvimento do Brasil é grande e há condições de prosperidade que não devem mais ser desperdiçadas. Para isso, é necessário pensar sistematicamente no futuro e antecipar problemas, em substituição à miopia atual. Há um horizonte promissor, que deve ser usufruído.
Numa economia que deve crescer 2% ao ano, haverá empresas expandindo-se a 20% e outras deixando de operar. Esperar apenas pelas ações de Brasília é arriscar a ficar a ver navios. Cada setor tem que determinar a política que deseja, focando no longo prazo; o de açúcar e álcool deve propor como manter a vantagem competitiva que tem. É uma questão de tempo, apenas para que os combustíveis fósseis voltem a patamares de preços mais altos.
Mesmo com a crise internacional, ainda há liquidez, taxas de juros internacionais baixas e demanda por energia, o mercado interno é o décimo do mundo, o ambiente dos negócios é sofisticado, o sistema financeiro é moderno e as empresas são inovadoras. Complementando, a agricultura brasileira é competitiva e há mão-de-obra e recursos naturais. É uma oportunidade histórica. Pode-se esperar e aceitar o que está por vir, ou fazer acontecer.