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Luis Augusto Contim Silva, Guto

Gerente de Desenvolvimento Agrícola da Usina Alta Mogiana

Op-AA-41

Disque-muda

Acredito que o tema desta edição reflete bem a situação vivida pela empresa em que trabalho, na trajetória recente de aprendizado referente ao uso de plântulas nos plantios de cana. Como já aconteceu com a cultura da soja, é relativamente comum na nossa empresa buscarmos, em outras culturas, algumas boas práticas que possam trazer melhorias aos nossos processos de produção de cana.

Dentro desse conceito, em 2012, fomos visitar uma biofábrica especializada, à luz do que sabíamos, em multiplicação de mudas de flores e frutas. Lembro-me de ter comentado que o motivo da nossa visita era para ver o que teríamos que fazer para plantarmos todos os nossos viveiros de cana, não só os primários, como também os secundários – algo em torno de 1.500 hectares por ano – com plântulas. Disse que queria ser atendido por uma espécie de  “disque-muda”.

Recordo que, depois de ter feito uma conta rápida, a pessoa disse que teria que dobrar a capacidade da sua biofábrica, mas que via com bons olhos essa nossa pretensão. Algum tempo depois, numa outra reunião com um instituto oficial de produção de variedades, a nossa necessidade de plantas também gerou um comentário “da maneira que trabalhamos hoje, a nossa produção só atenderia a sua usina” e “nesse conceito, teríamos que ter uma biofábrica pra cada usina”.

Começamos a sentir que a nossa pretensão não seria simples, mas nossa busca por informações complementares prosseguiram. Fomos visitar e nos reunir com empresas do ramo de estufas, irrigação, transporte, laboratórios, empresas e institutos. Num dado momento, percebemos que teríamos empresas interessadas em avançar conosco mais rapidamente nesse processo.

Sabíamos, porém, que, só produzir as mudas, não resolveria os problemas, pois o preparo do solo para receber essa plântula, as transplantadoras disponíveis no mercado e a necessária umidade para garantir o pegamento das plantas seriam outros importantíssimos entraves para ganharmos escala de plantio nesse modelo. De volta à empresa, sentamos para formalizar nosso pedido para utilizarmos esse método de plantio de plântulas em maior escala dentro da usina.

Descrevemos o que considerávamos os ganhos dessa prática e expusemos a nossa preferência de, ao invés de tentarmos fazer tudo dentro da empresa,  buscar parcerias, desde a produção da planta até o seu efetivo plantio. Com o aval da direção da empresa, efetivamente avançamos. Desde o começo, colocamos em prática o que decidimos referente às parcerias.

Dada a situação, desejamos ter vários fornecedores e prestadores de serviço, em cada especialidade, para verificarmos individualmente sua potencialidade. Nos 250 hectares em que plantamos com plântulas até março de 2014, utilizamos mudas oriundas de meristemas ou mesmo MPB de diversos fornecedores, cada qual com diferentes substratos, bandejas, logística de transporte e transplantadoras.

Como trabalhamos com plantio direto ou cultivo mínimo, alguns equipamentos foram testados, outros desenvolvidos em conjunto com a nossa oficina mecânica, na busca da melhor solução. Sabemos que os equipamentos utilizados ainda precisam melhorar muito, mas tenho convicção de que essa nossa insistência já ajudou a fomentar o mercado de mudas, de equipamentos de transplantio e preparo de solo. Começamos a chamar a atenção. Fomos até homenageados pelo pioneirismo, por empresas multinacionais.

No nosso entendimento, não faz sentido continuar investindo no sistema de plantio de cana manual. A dificuldade com mão de obra, as exigências trabalhistas incluindo suas Normas Regulamentadoras, sistema de distribuição de muda via esparrama e o elevado custo limitam muito o interesse por esse modelo de plantio. Apesar da qualidade do plantio mecanizado ter melhorado, equipamentos grandes, pesados, de difícil movimentação, que incluem operações que agridem as gemas e os colmos, prejudicam a qualidade e acabam por exigir elevado consumo de mudas para garantir stand adequado.

Como diz um colega do setor, em tom de brincadeira, “essa cana só não reclama de tantas agressões porque ela realmente é muda”. Outro aspecto que preocupa nesse sistema é que, nele, é importante que a muda esteja ereta no momento da sua colheita, e isso indica o uso de canaviais mais novos, o que, por sua vez, dependendo da situação, pode não ter idade necessária para expressar nos testes laboratoriais a presença ou mesmo a intensidade de infestação de doenças, como escaldadura e raquitismo de soqueiras, mesmo que as tenha.

Hoje eu tenho a convicção de que o modelo de plantio de plântulas tem condições de expandir no setor, e de maneira rápida, por vários motivos. No tocante à sanidade dos canaviais, acreditamos que, com sua utilização na formação de viveiros, o setor como um todo ganharia muito com a elevação do padrão fitossanitário e consequente redução da disseminação de pragas, doenças e plantas daninhas a que temos assistido pelo uso de mudas utilizadas nos plantios sem os devidos cuidados.

Até mesmo as unidades industriais vão ganhar com essa melhoria fitossanitária do futuro canavial a ser processado, trazendo alguns facilitadores no processo de fabricação de açúcar de qualidade, por exemplo. Um modelo que não consome canavial para plantio que poderia ser processado e que não desperdiça significativo número de gemas viáveis como nos métodos de plantios atuais, que possibilita acelerar a adoção de novas variedades disponibilizadas pelos institutos de pesquisa, que tende a ter menos falhas do que nos plantios mecanizados e que tem mais sanidade e melhor potencial produtivo não vai demorar a ser utilizado em maior escala, a não ser que outro modelo, ainda mais novo e melhor, possa substituí-lo.

Só a questão econômica do setor impede a aceleração na adoção dessa tecnologia. Quanto às experiências que já vivenciamos, podemos atestar alguns aspectos. O vigor vegetativo e o arranque inicial do material que utilizamos se mostraram bem interessantes, haja vista que, mesmo num ano com chuvas numa proporção bem inferior às médias históricas, conseguimos boas taxas de multiplicação dos viveiros. Isso é um indicativo de uma melhoria potencial na produtividade final do canavial oriundo dessas plântulas, fato que não determinamos ainda porque utilizamos praticamente todo o material para multiplicação dos viveiros.

Fizemos, sim, um teste pequeno, em sete hectares, para verificarmos possível abalo e arranquio de soqueira provenientes desses plantios. O resultado foi muito bom, já que nenhuma touceira foi arrancada nas parcelas de avaliação. Outra observação interessante é que podemos conservar as plântulas no campo, basicamente com hidratação por um certo período, à espera de condições de plantio, coisa que nem sempre é possível com uma muda já cortada para plantio mecanizado, já que esta se deteriora mais rapidamente.

Importante observar  que a padronização e a uniformidade do material oriundo desse plantio são facilmente percebidas durante a fase de crescimento. Quem acompanhar um plantio nesse modelo vai rapidamente verificar que a logística é facilitada, com estrutura leve, que diminui movimentação de caminhões, equipamentos e manobras, o que mitiga a possibilidade de pisoteios.

Nota-se uma redução de mão de obra envolvida no plantio, que resulta em menos transporte de pessoal e desdobramentos trabalhistas e também de estruturas de apoio. Considero tudo isso muito importante, porém poder plantar a variedade de melhor rendimento, numa determinada propriedade, independentemente de termos um viveiro próximo a ela, como se faz necessário num plantio mecanizado, é excepcional.

Assim, teremos a possibilidade de utilizar o que considero como um dos melhores benefícios desse modelo que chamo de “disque-muda”: “Por favor, me entregue diretamente na propriedade que eu preciso a muda que eu quero”. Sem dúvida, a prática não é tão simplória. São necessários muitos cuidados antes, durante e depois dos plantios com plântulas, mas acredito que, com parcerias qualificadas e principalmente com ganhos de escala, é possível reduzir os ainda elevados custos de utilização inicial dessas plântulas e melhorar ainda mais o retorno dessa tecnologia que já julgo consolidada.