Diretor de Relações Institucionais da ETH BioEnergia - Grupo Odebrecht
Op-AA-08
O Brasil viveu os choques do petróleo na posição de importador de 80% do petróleo bruto que consumia na década de 1970. A experiência foi difícil e a lição duradoura: não há futuro para cartéis de matérias-primas. O sucesso do programa interno do etanol da cana-de-açúcar gera exportações significativas, cerca de 2,6 milhões de metros cúbicos em 2005.
Mas o grande mercado para os produtores é local: o etanol substitui cerca de 40% da gasolina na frota de carros e veículos comerciais leves, algo como 15 milhões de metros cúbicos por ano. Esta demanda interna acha-se no mesmo patamar registrado pelos Estados Unidos, que, no entanto, substitui meros 3%, com o etanol de milho. A produção brasileira cresce rapidamente, projetando 28 milhões de metros cúbicos para 2010. Mesmo assim, as exportações devem continuar residuais.
Nossa maneira de ver o desenvolvimento das fontes renováveis de energia para uso em transporte é simples e clara: mais e mais países devem encontrar as suas próprias versões de biocombustível, seja na fonte da matéria-prima, seja na adequação da mistura aos padrões de oferta – de modo que uma parcela significativa da atividade econômica decorrente da mistura fique enraizada, na proximidade dos mercados consumidores.
Essa rede será, dentro de duas ou três décadas, a base para fabricação e distribuição do combustível obtido a partir da celulose – ou qualquer que seja a fonte dessa substância, incluindo árvores, resíduos da vida humana e a própria cana-de-açúcar. No entanto, são recorrentes as perguntas de curto prazo e não faltam palpites de toda a espécie sobre a forma de garantir o abastecimento e diminuir a volatilidade de preços do álcool.
Em tese, essa discussão até que é válida, mas quando se passa para o terreno da prática, o que se vê é uma enxurrada de soluções intervencionistas e contrárias às leis de mercado, o que significa uma contradição clara com crescimento e investimentos. Na verdade, o que precisamos é nos acostumar com uma situação cada vez mais real: com petróleo acima dos US$ 60 o barril, todo álcool produzido tem destino certo e para que não haja problema de abastecimento dos mercados, os caminhos a serem percorridos são os do investimento, priorização e planejamento.
E a prioridade, sem dúvida, é o mercado interno de álcool, cuja curva encontra-se ascendente, em decorrência dos veículos flexíveis. No caso do mercado externo, hoje centrado no spot, é necessário que se consolide um mercado baseado em contratos de longo prazo – fundamental para que o crescimento setorial se dê em bases sustentadas.
A Unica – União da Agroindústria Canavieira de São Paulo projeta demanda de álcool no mercado interno de 22,1 bilhões de litros para 2010/11, além de 5,2 bilhões de litros destinados ao mercado externo. Para produzir o álcool e o açúcar necessários, prevê-se uma safra de 560 milhões de toneladas de cana. O Brasil deverá aumentar, a cada safra de cana, até 2010, cerca de 7% ao ano o volume produzido.
Para tanto, são necessários investimentos na expansão dos canaviais e da indústria, cuja capacidade instalada hoje não ultrapassa os 18 bilhões de litros. Isso, no entanto, não nos preocupa. Para se ter uma idéia da capacidade de crescimento da atividade canavieira no Brasil, a moagem de cana cresceu 68,5% entre as safras 1990/91 e 2004/05, com melhora da produtividade e expansão de área da ordem de 32,6%. Nesse período, a produção de álcool cresceu mais de 50%.
E essa empreitada já está em pleno curso, com cerca de 89 projetos em fase de execução ou em planejamento. Nesta safra, cerca de 12 novas unidades já estarão em operação, apenas no Estado de São Paulo. O que nos preocupa é a sustentabilidade deste crescimento. No caso do mercado externo, há que se ter – como já afirmei antes – contratos de longo prazo, e no mercado interno é necessária uma definição clara da participação do álcool na matriz energética nacional, para que não se repita a crise do final da década de 90, quando o setor aumentou a produção para acompanhar um crescimento projetado do mercado e estas projeções não se confirmaram – por conta de um redirecionamento de políticas públicas, que desestimularam o uso do carro a álcool.
No universo das nossas preocupações estão: o tratamento tributário, garantia de competitividade entre álcool e gasolina; combate à adulteração do produto na esfera da distribuição e revenda; além da manutenção da política tributária, em relação aos veículos flexíveis. Quanto aos tão badalados estoques estratégicos e reguladores, na verdade, o que se precisa é – dentro dos fundamentos do mercado livre – fortalecer os mecanismos de abastecimento do álcool anidro, cuja mistura é mandatória.
Quanto ao hidratado, a presença cada vez mais forte dos veículos flexíveis já mudou a característica da demanda: agora ela já é flexível e dependerá da capacidade de oferta, a preços competitivos – quando os preços ultrapassarem a barreira de paridade dos 70% em relação à gasolina, a retração de demanda se encarregará de ajustar o mercado, funcionado como um estoque regulador natural de abastecimento e preços, dentro das leis de mercado. Isso tudo, sem mecanismos intricados de intervenção, que só fazem atrapalhar e impedir o crescimento sustentado do agronegócio de açúcar e de álcool.