Nos últimos anos, o aquecimento global tem sido amplamente discutido, tanto nos meios acadêmicos como na mídia em geral, sem que haja um acordo, nem mesmo entre a comunidade científica, sobre as razões para os aumentos constantes de temperatura registradas, com consequentes desastres climáticos por todo o planeta, representados por chuvas avassaladoras em determinadas regiões e secas arrasadoras em outras.
Se tais episódios são causados por ação do homem ou se são parte de um ciclo natural de aquecimento e resfriamento do planeta, não vem ao caso neste artigo; o fato é que são cada vez mais frequentes os anos com acentuadas irregularidades climáticas.
Consideremos o estado de São Paulo como exemplo: 2020 teve chuvas abaixo da média já a partir de março, sem chuvas no inverno, que foi mais quente que o usual, e poucas chuvas também na primavera, com recordes de temperaturas para o período; em consequência, várias ondas de incêndios varreram o Estado durante toda a época seca; 2021 e 2022 foram anos de chuva mais ou menos dentro da média histórica, mas em 2023 e, novamente, em 2024, as chuvas foram mais escassas, mal distribuídas, com temperaturas elevadas durante todo o ano e o Estado sofreu, mais uma vez, com incêndios acidentais e criminosos em todas as regiões. O mesmo ocorreu em outros estados do Centro-Sul do Brasil, com consequências nefastas para a agricultura.
Secas e temperaturas elevadas têm impacto a curto e a longo prazos nas populações de pragas e, obviamente, no desenvolvimento das plantas, inclusive da cana-de-açúcar.
Temperaturas elevadas fazem com que a perda de água pelo solo e pelas plantas se acentue; se além das altas temperaturas, há pequena disponibilidade de água, devido à falta de chuvas, a situação é ainda mais estressante para as plantas. A curto prazo, há redução na produtividade e, consequentemente, na longevidade do canavial; a longo prazo, pode ocorrer a inviabilidade da cultura ou, pelo menos, de certas variedades.
Em relação às pragas e doenças, se a curto prazo não são evidentes os efeitos da seca e das altas temperaturas nas populações de algumas delas, como Migdolus fryanus, e nas populações dos nematoides fitoparasitos, para outras, como cigarrinha das raízes, já se percebe populações mais baixas e um encurtamento do período de sua ocorrência.
Até final da década de 2010, as cigarrinhas das raízes começavam a surgir no campo geralmente em meados de outubro, logo após as primeiras chuvas da primavera; as populações atingiam o pico entre dezembro e fevereiro, e começavam a se reduzir em abril, com o rareamento das chuvas, sumindo do campo em maio. Nos últimos anos, no entanto, ninfas e adultos têm surgido em campo mais tardiamente, em meados de novembro, e em março as populações já estão muito baixas em diversas regiões.
É claro que, no caso específico das cigarrinhas das raízes, há outro importante fator envolvido nas reduções populacionais e no período de ocorrência da praga: o controle químico de Sphenophorus levis, feito em quase todas as áreas de soqueira do Centro-Sul. Por envolver produtos com ação também sobre a cigarrinha das raízes, o controle de S. levis contribuiu para manter as populações dela em níveis mais baixos, principalmente no início do período chuvoso, promovendo um atraso no surgimento dessa praga em campo.
Mas é inegável a contribuição da escassez de chuvas dos últimos anos para os baixos níveis populacionais de cigarrinha, pois o solo com baixa umidade não favorece o crescimento populacional de cigarrinha, mesmo após cessado o período de controle dos inseticidas usados para manejo de S. levis.
Em relação a S. levis, o efeito da seca é fortemente percebido pela ineficácia do controle em soqueiras. É fato que a aplicação de inseticidas em soqueiras visando controle de S. levis é ferramenta de eficiência relativamente baixa, reduzindo os danos três meses depois do tratamento em 50 a 60%, seja nos casos em que a aplicação é feita por meio do cortador de soqueira, com a vinhaça localizada, seja em drench.
Entretanto, em anos muitos secos, a eficiência é ainda menor, chegando a ser nula em muitos locais. A menor eficiência do controle de S. levis em anos muito secos provavelmente se deva à baixa turgidez das soqueiras, condição que dificulta a absorção dos inseticidas e a sua translocação para outras partes dos rizomas, mesmo se aplicados em grande volume de calda, como é o caso da aplicação com vinhaça localizada, que algumas usinas chegam a aplicar à razão de 45 m³/ha.
Se a seca interfere nas condições da planta em absorver e redistribuir o inseticida em seus rizomas, ela também limita sua capacidade em se recuperar dos danos causados pelo S. levis. Sob estresse hídrico, a touceira não consegue emitir novos perfilhos, crescer e se desenvolver. Assim, para uma mesma população da praga, os danos tendem a ser maiores sob condições de seca, pois a planta apresenta menos perfilhos e, consequentemente, a proporção de rizomas danificados em relação ao total de rizomas aumenta (lembrando que o dano é expresso em % de rizomas danificados).
Devido aos dois fatores, menor eficiência de controle e menor capacidade de recuperação das plantas, é que os produtores percebem nitidamente que, quanto maior a seca, maiores os prejuízos causados por S. levis.
Outra praga de grande relevância é a broca comum, Diatraea saccharalis. Em anos mais quentes e secos, costuma haver um atraso nos picos populacionais do verão, porque altas temperaturas e baixa umidade do ar provocam diminuição na longevidade dos adultos, na viabilidade dos ovos e na mortalidade de larvas nos primeiros instares. Mas, devido à grande capacidade reprodutiva do inseto, tão logo as condições de alta umidade retornem, as populações tendem a aumentar rapidamente. Como o estresse hídrico também prejudica o desenvolvimento das plantas, no caso da relação planta-broca comum, tem-se também o jogo de perde-perde.
Tão ou mais importante que os efeitos a curto prazo apresentados acima, têm-se os efeitos a longo prazo, que são mais difíceis de mensurar. Mesmo as pragas e os nematoides pouco impactados a curto prazo pela seca poderão ser muito afetados pelas mudanças climáticas. Secas e temperaturas elevadas tendem a diminuir a sobrevivência e a capacidade reprodutiva dos insetos e dos nematoides fitoparasitos. Por outro lado, as plantas também serão afetadas pela seca e altas temperaturas e terão sua capacidade em tolerar tais agentes de dano seriamente comprometida.
É claro que os programas de melhoramento genético, tradicionais ou envolvendo biotecnologia, poderão desenvolver cultivares muito resistentes à seca, mas, como insetos e nematoides têm elevada capacidade de adaptação, populações adaptadas a ambientes secos e quentes poderão surgir rapidamente. Além disso, outras pragas adaptadas ao novo cenário poderão aparecer. De qualquer forma, as mudanças climáticas já estão trazendo e trarão ainda mais impactos profundos na agricultura em geral, incluindo a canavicultura.