O interesse por ativos biológicos para auxiliar a planta na aquisição de nutrientes vem aumentando exponencialmente no Brasil. Microrganismos, especialmente bactérias como as fixadoras de N (diazotróficas), solubilizadoras de fosfatos, biocontroladoras de doenças e pragas, fazem parte de um conjunto de ativos mantidos em bancos de germoplasma que podem compor novos produtos para diferentes culturas, como a cana-de-açúcar.
Esses produtos chamados de bioinsumos estão hoje envolvidos em duas importantes políticas públicas: o Programa Nacional de Bioinsumos e o Plano Nacional de Fertilizantes. Ambas convergem para ampliação do uso de biológicos na agricultura.
Pesquisas visando reduzir a dependência de fertilizantes sintéticos remontam décadas atrás. Exemplo marcante é a cultura da soja, em que bactérias diazotróficas substituem completamente o uso de nitrogênio (N) fertilizante, mantendo elevados rendimentos de grãos. Entre os três principais macronutrientes utilizados no país, o nitrogênio corresponde a 29% do total, seguido do potássio (38%) e do fósforo (33%).
Se a soja fosse dependente de N sintético, seria necessário o dobro de fertilizante para manter o atual rendimento dessa cultura, em que esse elemento não é aplicado e sim um inoculante capaz de suprir 100% da demanda de N. Independentemente da planta hospedeira, as bactérias diazotróficas possuem o complexo enzimático denominado nitrogenase, crucial na redução do N2 (molécula estável que compõe 78% da atmosfera) em amônia. No entanto, enquanto as leguminosas, como a soja, formam nódulos para a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), as gramíneas, como a cana-de-açúcar, têm um padrão distinto. Sem nódulos, a eficiência da “fábrica” de fixar nitrogênio é reduzida.
Para que a FBN opere eficientemente, é essencial proteger a nitrogenase do oxigênio, fator limitante, o que parece paradoxal, já que o ar que respiramos contém tanto N2 quanto O2. Os nódulos presentes nas leguminosas dão essa proteção, aumentando a eficiência da nitrogenase. Nas gramíneas, a FBN fica reduzida pela maior exposição ao O2. Além disso, a quebra da ligação do N2 para formar amônia requer alto gasto energético, favorecendo a utilização preferencial de nitrato e amônio do solo, se disponíveis. É crucial lembrar aos agricultores que, embora a cana possa aproveitar boa parte do nitrogênio fornecido por microrganismos, a FBN não satisfaz completamente as necessidades da planta, como na soja.
Em 2019, os cultivos brasileiros receberam o primeiro produto contendo uma estirpe de bactéria diazotrófica para a cana. A ausência de nódulos radiculares exigiu um longo período de pesquisa para compreender como as bactérias poderiam contribuir para reduzir o uso de N-fertilizante. Para os agricultores, principal alvo desta pesquisa, quais são os benefícios diretos?
Desde a década de 1950, quando a primeira bactéria diazotrófica foi isolada das raízes de cana-de-açúcar pela pesquisadora Johanna Döbereiner no km 47 em Seropédica (RJ), houve avanços significativos no entendimento da microbiota radicular e na utilização desse processo biológico para aumentar a eficiência do uso de N.
Atualmente, a tecnologia permite o uso de inoculantes com populações selecionadas de bactérias, visando melhorar a eficiência do N em diversos cultivos, incluindo a cana-de-açúcar. Vamos falar da aplicação de bactérias diazotróficas na cana-planta usando um fertilizante enriquecido com átomos de 15N (10% átomos) para rastreamento do N absorvido pelas plantas. Foram realizados dois experimentos em Quatá-SP, plantados em latossolo, utilizando o inoculante contendo bactérias diazotróficas, e aplicada uma dose de 40 kg/ha de N na cana-planta.
Foram avaliadas as cultivares RB966928 (precoce) e RB92579 (média-tardia). O fertilizante foi aplicado aos 3 meses após plantio, e amostras de folhas foram coletadas e avaliadas aos 10 meses, quanto à eficiência do uso do N (EUF-%). Como observado por diferentes estudos, a EUN foi inferior a 50% nas duas cultivares, porém, na cultivar RB92579, a EUN foi maior nas plantas inoculadas nos dois locais de plantio, mostrando contribuição das bactérias para melhor aproveitamento do fertilizante.
De fato, estudos vêm revelando que menos de 40% do N fertilizante é aproveitado pela cana-de-açúcar. O restante é fornecido via matéria orgânica do solo mineralizada. Uma parte do N aplicado é imobilizada na microbiota associada à matéria orgânica do solo, liberando-se ao longo do ciclo. Estratégias como rotação com leguminosas na renovação do canavial e o uso de fontes de N de liberação lenta podem aumentar a eficiência do uso de nitrogênio nesta cultura.
Sendo a cana-de-açúcar uma planta que armazena muito carbono nos colmos e que exsuda parte deste carbono fixado pelas raízes, é de se esperar que o pool de microrganismos associados se beneficie em diversos processos biológicos relacionados ao crescimento e aquisição de N, incluindo a FBN. Neste processo, as estimativas feitas com cultivares nacionais mostraram que até 40 kg/ha de N podem vir de uma associação benéfica com bactérias diazotróficas.
Uma outra importante contribuição das bactérias diazotróficas em diversos cultivos é a produção de reguladores de crescimento que são exsudados pelas bactérias. Esses estimulam desenvolvimento de raízes que absorvem mais água e nutrientes e podem produzir mais substâncias como ácidos orgânicos que melhoram a liberação de fósforo do solo.
No mercado nacional, diversos produtos contêm espécies de bactérias diazotróficas ou não, impulsionando o crescimento das plantas, inclusive a cana-de-açúcar. Esses produtos apresentam microrganismos não patogênicos para plantas, humanos ou animais, com pureza garantida e concentrações bacterianas elevadas. Geralmente disponíveis em formas líquidas ou com polímeros miscíveis em água, podem ser aplicados por pulverização em conjunto com outras operações.
Temos no Brasil uma legislação que permitiu o desenvolvimento de pesquisas, indústria e mercado de bioinsumos, em sua grande maioria para a redução do uso do N-fertilizante. Estes produtos reduzem os custos de produção e a emissão de GEEs – Gases de Efeito Estufa. Melhorias no arcabouço legal são bem-vindas, mas é preciso que as discussões dos projetos de lei atentem para os bons frutos colhidos hoje e evitem retrocessos.
Aliado a um programa de melhoramento de cana-de-açúcar, com a constante seleção de cultivares de maior rendimento, o Brasil continuará a dar ao mundo soluções tecnológicas que o tornaram o maior produtor mundial de açúcar de cana e de energia verde e agora lança mais um subproduto, o biogás. Um cenário de eficiência energética e renda ao produtor rural.