Podemos considerar o termo ‘sinergia’ como a combinação de dois ou mais elementos, no nosso caso em questão, a produção de etanol a partir de cana-de-açúcar e de milho, cujos resultados sejam maiores ou melhores do que a produção separada de cada um. Estamos comemorando os cinquenta anos de que o Brasil, aumentando expressivamente a produção de etanol, de forma sustentável, introduziu esse combustível na sua matriz energética.
Recentemente, essa solução tupiniquim de energia limpa ganhou nova força e finalmente parece que alcançou notoriedade mundial, pois se insere como uma das melhores soluções para a transição energética e combustível do futuro, da fonte fóssil e poluente para a fonte renovável da biomassa.
Recordemo-nos que, quando no início da segunda fase de crescimento do Proálcool, há vinte anos, éramos os maiores produtores mundiais de etanol. Mas começava nos EUA a produção do etanol de milho. Discutia-se então a consolidação ou não dessa rota, no maior produtor e exportador mundial de alimentos. Durante algum tempo, tratamos essa possibilidade como ameaça à nossa pretensão de ser a “Arábia Saudita do etanol”.
Os EUA não só aumentaram rapidamente a produção do etanol de milho, como ainda hoje produzem praticamente o dobro do que produzimos de etanol total de cana. Oportunamente, agora que o etanol de milho também cresce a passos largos no Brasil, conforme podemos observar no gráfico da produção total de etanol no Brasil, a ideia de competição para os produtores de cana-de-açúcar foi trocada por agregação e, por que não dizer, sinergia entre as duas rotas de produção, que é o enfoque principal desse artigo.
Isso pode ser discutido a nível particular, ou seja, para o produtor de cana, açúcar, etanol e energia elétrica, mas também a nível nacional, impactando nas estratégias e nas políticas públicas. O Brasil produziu na safra 2024/2025 cerca de 679 milhões de toneladas de cana e 120 milhões de toneladas de milho, segundo a Conab (2025).

O etanol de milho passou a ser contabilizado a partir da safra 2013/2014, ganhando rapidamente participação na matriz brasileira. Projeta-se para a safra 2025/2026 mais de 8,5 bilhões de litros, ou cerca de 23% da produção nacional. Enquanto novos green fields de cana praticamente inexistem, novas unidades processando somente milho surgem a cada ano, a maioria no centro-oeste, aproveitando a extensa área e produção em 2 ou 3 safras anuais desse grão no Mato Grosso.
Mas começam a surgir também as plantas integradas ou flex, agregando às usinas e destilarias de cana o processamento concomitante do milho, desde a sua recepção, armazenamento e processamento até a fermentação paralela. Como matéria-prima, o milho e a cana têm estruturas químicas diferentes e precisam de métodos e processos diferentes até chegarem à destilação para serem convertidos em etanol.
Basicamente, a matéria-prima do caldo de cana é a sacarose, um dissacarídeo de glicose e frutose, enquanto o milho tem o amido, um polissacarídeo mais complexo, que a nossa velha conhecida Saccharomyces cerevisiae não consegue fermentar diretamente, convertendo-o em açúcares e, consequentemente, etanol.
São necessárias então a liquefação (cozimento) e a sacarificação dos grãos de milho, através de enzimas como a alfa e a glucoamilase para, posteriormente, ocorrer a fermentação. Nesses processos, são então produzidos os principais coprodutos: o DDGS (Dried Distillers’ Grains with Solubles), se for via seca, ou o DGS, se for via úmida.
Eles contêm uma fração de amido não fermentado, mas também óleo, proteínas, leveduras, bem como carboidratos não hidrolisados e não fermentados, como celulose e hemicelulose. O DDGS é um suplemento proteico destinado à alimentação animal, de alto valor agregado. Pode ser comercializado, juntamente com o óleo, para os próprios produtores de milho ou pecuaristas da região do entorno da usina, gerando um interessante crescimento da economia local, ou ser exportado para outras regiões.
Existem muitas sinergias entre os processos industriais, nas várias fases, mesmo não sendo os mesmos, quer seja a matéria-prima a cana ou o milho. As principais delas dizem respeito aos equipamentos e utilidades que podem operar em conjunto nessa planta integrada cana/milho, como a água, caldeiras e a destilaria.
Mas sobretudo a queima do bagaço para geração de vapor e energia elétrica constitui-se no seu principal diferencial em relação a uma planta de etanol de milho full, a qual precisa contar com uma fonte adicional de biomassa para queima nas caldeiras, como cavaco de eucalipto.
Outras sinergias importantes das plantas integradas são a estocagem e logística de venda e distribuição do etanol e a possibilidade de estocagem do milho para operação nas entressafras da cana, otimizando o parque industrial e abrindo a possibilidade de uma melhor precificação do milho.
A agregação dos coprodutos DGS e DDGS e a produção de levedura a partir de fermentação do caldo da cana, sem dúvida, abrem uma perspectiva do conceito mais amplo do complexo bioenergético como a implantação de suinocultura e produção de biogás e biometano. Mas isso é assunto para um outro artigo.

Contudo, deve-se fazer um balanço cuidadoso da massa e energia destinada a cada rota, incluindo obviamente as entressafras da cana. Vale a pena lembrar que a cana-de-açúcar não pode ser armazenada para as entressafras devido à sua natureza perecível, e, ao mesmo tempo, a sua manutenção no campo de uma safra para a outra, o que chamamos cana-bis, traz um certo risco climático e perda de qualidade da matéria-prima.
Essa é uma outra característica interessante do milho. Ao permitir o armazenamento ou estocagem, ele viabiliza a produção o ano todo, aproveitando o melhor preço do etanol nas entressafras da cana. Abre-se também uma interessante estratégica de flexibilização do mix açúcar/etanol das plantas industriais, aumentando ainda mais esse handcap das usinas brasileiras, devido às projeções de continuidade da boa remuneração do açúcar a nível mundial, agora que a Índia anuncia a sua entrada para valer também na produção de etanol.
Finalizando, as sinergias a nível de planejamento estratégico e de políticas públicas não podem ser esquecidas. A possibilidade de aumento da demanda e da produção de etanol, inserindo-o como fonte de hidrogênio verde e de produção de combustível sustentável, de aviação (SAF) e marítimo, tecnologias emergentes e em fase de consolidação técnica e econômica, é um grande trunfo do Brasil.
As plantas integradas cana/milho podem se viabilizar, não só em Goiás, mas inclusive em usinas de regiões tradicionais como São Paulo e Paraná, próximas aos maiores centros consumidores. A melhoria da pegada de carbono do etanol de milho e a melhor remuneração de CBios da sinergia cana/milho são outros fatores a serem considerados, conforme mostra no quadro ao lado. Mais uma vez na história vislumbra-se um horizonte desafiador, mas muito favorável para nossa transição energética e aumento da produção de etanol. Deve-se salientar que na imensa quantidade de solos brasileiros agricultáveis cabem ainda muitos talhões de cana e milho.