Presidente da DATAGRO e do IBIO – Instituto Brasileiro de Bioenergia e Bioeconomia
O setor sucroenergético brasileiro se consolida como o mais dinâmico, sustentável e competitivo do mundo. Dinâmico pela flexibilidade industrial adquirida com a diversificação profunda entre o açúcar e o etanol, que permite que se adapte às contingências do mercado. Demonstração desse dinamismo foi a redução da produção de açúcar nas safras 2018/2019 e 2019/2020 e, na direção oposta, na safra 2020/2021, em resposta à redução do consumo de combustível, relacionada à pandemia da Covid-19 e ao aumento da demanda por exportações de açúcar. Em apenas um ano, uma nova alteração no mix de produção de 11,7% na direção do açúcar, na região Centro-Sul, e de 3,3% na região Norte-Nordeste.
A sustentabilidade se dá na produção, na competitividade econômica e no uso principalmente dos seus produtos energéticos, com elevado impacto positivo no meio ambiente e na saúde. A sustentabilidade na produção foi conquistada com a mecanização da colheita, um desafio superado a duras penas, com a requalificação da mão de obra, com os esforços para recuperar e expandir matas ciliares, com a redução do uso de água na transformação industrial, com a maior eficiência no uso de insumos, incluindo combustíveis, fertilizantes e produtos de proteção ao cultivo, e com o desenvolvimento de técnicas mais eficientes e modernas de multiplicação, com as mudas pré-brotadas e a Meiosi (método inter-rotacional ocorrendo simultaneamente) e o uso de drones para controle e recuperação de falhas de brotação.
A competitividade foi atingida por décadas de esforços no desenvolvimento de variedades de cana mais produtivas, à conquista de áreas novas de produção, superando o desafio de solos menos férteis, no domínio da fermentação e dos controles automatizados na área industrial e também pela nova realidade de uma taxa de câmbio entre o real e o dólar, que reflete uma taxa de juros muito mais baixa, mais voltada ao estímulo a investimento e que trouxe a valorização de vários produtos de exportação, incluindo o agronegócio como um todo, a extração mineral e a indústria.
De agora em diante, a grande tendência do setor é determinada pelo RenovaBio, a nova regulamentação que trouxe ao setor a meritocracia e o reconhecimento aos esforços de aumento de eficiência nas áreas energética e ambiental. O RenovaBio é um plano moderno e inteligente, que coloca inovação e eficiência no setor de biocombustíveis no centro da estratégia brasileira de mitigação da emissão de gases do efeito estufa gerados pelo setor de energia para transporte, permitindo o atingimento de metas ambiciosas, como a substituição de 630 milhões de toneladas de CO2 e em dez anos. Um plano construído com o apoio e o acompanhamento da sociedade civil, através de inúmeras consultas públicas, e que foi aprovado democraticamente no Congresso Nacional por esmagadora maioria parlamentar.
Num ambiente presidido pela competição saudável trazida pelo RenovaBio, as principais tendências do setor estarão relacionadas à busca de maior eficiência energética e ambiental, com esforços voltados a novas e inovadoras rotas de diversificação, ao contínuo aprimoramento no uso de insumos e ao aumento de produtividade agrícola e industrial.
É nessa direção que devem crescer em importância a biodigestão de resíduos, como a vinhaça, a torta e, potencialmente, o bagaço e a palha, para a produção de biogás para geração elétrica e biometano para substituição do diesel no cultivo, irrigação, colheita e transporte da cana; o aproveitamento do bagaço e da palha para cogeração cada vez mais eficiente e sua conversão em etanol celulósico; a peletização de bagaço para viabilizar o seu transporte a longas distâncias, incluindo a exportação; a produção de leveduras customizadas, para uso animal e humano; a simbiose crescente entre a cana e o milho, para a produção de etanol e coprodutos de alto valor proteico, como o DDGS (distillers dried grain and solubles); com o desenvolvimento da biodigestão, a possibilidade de aproveitamento de outros resíduos orgânicos e a conversão de resíduos de outras industrias em energia, com a mitigação de custos e eventuais danos ambientais gerados pela sua disposição indiscriminada; e o aproveitamento da enorme capacidade de geração controlada de dióxido de carbono nas dornas de fermentação, que poderá, no futuro, servir de insumo para uma verdadeira revolução verde na química fina.
Essa macrotendência na direção de maior eficiência energético-ambiental vai reforçar as características de sustentabilidade, de dinamismo e de competitividade do setor sucroenergético brasileiro. Vai aumentar o seu já elevado impacto positivo no meio ambiente e na saúde. O etanol, que já é reconhecido por substituir de 89% a 91% dos gases de efeito estufa emitidos pela gasolina, caminha na direção de substituir 100%, ou mais, das emissões geradas com a combustão da gasolina.
Com o reconhecimento do carbono incorporado pela atividade microbiológica que se alimenta dos resíduos devolvidos ao solo, o etanol poderá ser considerado um genuíno sumidouro de carbono e, dessa forma, no conceito berço ao túmulo, compensar as emissões geradas com a produção de sistemas de geração e descarte de equipamentos relacionados à mobilidade, como os veículos e os sistemas de distribuição.
Compreendido como produto de origem natural, o etanol poderá ser reconhecido como energia solar capturada, armazenada e distribuída de forma econômica, eficiente e segura e que permite o uso da infraestrutura atual para distribuição de energia para transporte. Energia que gera emprego e fixa o homem no campo e que capitaliza a agricultura para a produção de alimentos. Os exemplos de que isso ocorre são cada vez mais evidentes na geração de renda relacionados à produção e à transformação da cana e do milho em etanol e, em breve, de muitos outros produtos e excedentes de origem vegetal e resíduos orgânicos.
Dessa forma é que a eficiência energético-ambiental vai dar sustentação à possibilidade de o etanol ser compreendido como energia solar de alta densidade energética envelopada na forma de um combustível líquido limpo e sustentável, que vai dar sustentabilidade e longevidade ao uso de combustíveis tradicionais, como a gasolina e o gás natural fóssil. É a partir dessa grande tendência de maior eficiência que o etanol e outros biocombustíveis serão crescentemente competitivos e terão custos e, portanto, preços menores para os consumidores; que será cada vez mais viabilizada a introdução de motorizações mais eficientes, com motores com maior taxa de compressão, equipados com turbo, e a crescente eletrificação com biocombustíveis, através de veículos híbridos e os equipados com células a combustível.
É por essa macrotendência de eficiência crescente e reconhecimento da capacidade de descarbonizar que o etanol poderá ser transformado em combustível de aviação, para permitir a neutralização das emissões de gases de efeito estufa do setor de transporte aéreo.
Portanto muitos vetores de desenvolvimento ainda deverão trazer inovações e melhorias, mas todos eles presididos pela busca de eficiência energético-ambiental, definidos como elementos indissociáveis do setor de bioenergia e biocombustíveis, em particular, a partir do marco do RenovaBio.