Diretor do Grupo Alto Alegre e Vice-presidente da ABAG
Op-AA-30
A visão da tentativa de reviver a economia com a atuação apenas dos bancos centrais tem nos levado a impasses, pois não são apenas eles que vão fazer reviver a economia global. Assuntos como alimento e agroenergia, por exemplo, caminham juntos e, assim, precisam ser tratados.
Num cenário não muito radical, há uma tendência de subida das commodities agrícolas, até pela evolução do consumo do mundo emergente, o que, de certa forma, nos traz um cenário positivo. Por outro lado, a dependência de um petróleo entre US$ 80 e US$ 100 o barril nos dá a sustentação para chamar, igualmente, o cenário de positivo.
Dados da ANP indicam que o século XX mostrou uma queda muito clara dos preços dos alimentos, das commodities agrícolas, ao redor de 2% ao ano. Então, isso explica, em primeiro lugar, a dificuldade que a agricultura sentiu nesse século, porque acabou carregando nas costas, no caso do Brasil, o processo de industrialização todo. Mas, a partir anos 2000, especialmente quando do lançamento do carro flexível no Brasil, tivemos uma subida de preços, indicando, talvez, uma fundamental diferença do século XX em relação ao XXI, que é a valorização das commodities agrícolas.
A partir de 2007, se percebe uma forte relação entre o preço da energia e o preço dos óleos vegetais, no caso de interesse, os comestíveis, que começam a caminhar com forte semelhança, levando ao questionamento global de como é que se vai alimentar o mundo nessa nova realidade.
A revista Economist fez uma profunda análise, na qual diz que o Brasil é um exemplo a ser seguido, pois, desde 1973, ele vem mudando a sua forma de agir, cessando os subsídios, com imenso esforço em P&D, e, com isso, passou a ser o primeiro país a, de fato, desafiar os grandes cinco principais exportadores mundiais. A análise conclui que foi muito bom, e que, como o mundo está enfrentando a continuidade de uma crise de uma forma lenta, deve aprender com o Brasil, que conseguiu fazer a mudança de maneira rápida e positiva.
Estamos vivendo um momento em que os indutores de preços trazem impactos enormes no agronegócio, com uma população crescente, com renda crescente, gerando um balanço de oferta e demanda “apertado”, num favorável momento para quem produz. Por outro lado, há um processo de urbanização que muda, completamente, o consumo – no mundo todo. Isso é extremamente favorável, principalmente, no mundo emergente.
Podemos chamar o século XXI de século do choque da demanda, diferentemente do que vimos antes. A oferta de grãos deve crescer 50%, e a de carne, dobrar, até 2050. A notícia ruim é que a produtividade no mundo, de algum modo, está estagnada, e também, como a água, passa a ser um fator de risco. O Brasil, de fato, não tem esses tipos específicos de problemas.
De 1960 até os dias de hoje, tivemos um crescimento de produtividade de 75% e de apenas 25% em área. A FAO diz que, futuramente, precisaremos de um aumento de área de cerca de 60%. Isso induz a uma mais forte , discussão sobre alimentos versus combustíveis. A pergunta que fica é: quem pode e como pode atender a esse crescimento?
Primeiro: depois de 1998, com o fim daquele modelo interventor terrível que o governo tinha, vimos a oferta de cana crescer 2,5 vezes mais. Um crescimento extraordinário, que caracteriza a força do setor privado, quando se retiram aqueles grilhões da postura do Estado que nós conhecemos e vivemos.
Em segundo lugar, o setor passou a exportar 70% da sua produção, e o etanol, a atender 85% do mercado interno. A cana cresceu, de 2005 até 2008, 12% ao ano. Nós vamos precisar de uma força muito maior para ultrapassar todas as dificuldades que temos no Brasil, na redução de custos, na falta de políticas, na de acesso ao governo, para conseguirmos construir esse caminho.
Após a crise de 2008, a oferta de cana, efetivamente, estagnou. Os investimentos industriais também. A demanda continua acelerada, de uma forma extraordinária, tanto para álcool como também para açúcar. Nos últimos 15 anos, o Brasil foi o provedor de cada novo grama de açúcar que entrou no mercado.
Por outro lado, estamos vendo o consumo da gasolina crescer no mercado interno, o que é uma preocupação, pois como vamos atender a essa demanda? E, se, de fato, o Brasil é o eleito para atender à questão dos alimentos e dos biocombustíveis, vamos ter que crescer em área e em produtividade. E, destaca-se, poderemos atender a essas questões sem subsídios e de forma sustentável.
Segundo estudos da FAO, o Brasil tem áreas ociosas para produzir igual à soma de tudo o que há nos Estados Unidos e na Rússia. É impressionante. Precisamos, portanto, atender à essência da agricultura. Para falar sobre isso, “inventamos” o mecanismo dos quatro R’s: regularidade, repetição, reviravoltas (do clima) e remodelação. A agricultura precisa de regularidade para poder trazer equilibrio ao País.
Ela se repete constantemente, e é nesse fenômeno que tem conseguido produzir tudo o que temos visto. No entanto, ela sofre as reviravoltas do clima e precisa, constantemente, estar se remodelando. Então, a essência da nossa agricultura é que ela precisa ter estoques, fazer exportações e corrigir as distorções, por exemplo, no caso do etanol com a gasolina.
Os mercados globais estão chamando por ofertas, o que significa investimentos. Outra questão é a escala. É inevitável que a redução de custos pressuponha um crescimento de escala. E o Brasil tem escala para atender a esse mercado.
Ouvimos de Brasília críticas a respeito da preferência pelo açúcar ao invés do etanol. Também recebemos da FAO críticas, mas porque o Brasil está reduzindo a produção de açúcar, e o preço está ficando muito alto, e os pobres do mundo não conseguem consumi-lo. A visão global derruba a visão paroquial. E esse ciclo somente será movido pelo retorno dos investimentos de que precisamos.
A alta de preços em 2008 não foi, de fato, um evento do acaso ou do momento. Foi um óbvio sinal da nova fase de preços das culturas baseadas em carboidratos, porque carboidrato é o negócio do século XXI. Há dados que mostram claramente a evolução dos preços da cesta de produtos da agropecuária que, a partir de 2007, mesmo passando pela crise de 2008, 2009, 2011, seguem diferentes da observada em nosso setor.
Entre 2005 e 2008, vivemos um entusiasmo inacreditável, que gerou um crescimento espetacular da oferta, dos plantios, dos investimentos, mas, a partir de 2009, vivemos a decepção – e ainda estamos vivendo. Agora o importante não é ficar justificando o erro, mas impedir que ele se repita. Por isso estamos discutindo e expressando opiniões neste espaço, para impedir que, de novo, voltemos aos problemas já vividos.
Portanto, pós-2008, ainda vamos pagar essa conta por um certo período, pelo desequilíbrio do canavial, pelos baixos índices de renovação. Estamos com um canavial envelhecido, precisando iniciar essa renovação "ontem”.
A cultura da cana passa por um estresse biológico inacreditável, estando exposta às chamadas doenças oportunistas. O crescimento do plantio mecanizado segue muito forte e, portanto, obviamente, tem que passar por uma curva de aprendizado. Nas safras de 2012 até 2015, ainda teremos os impactos de tudo que aconteceu antes.
Falta compromisso do setor com o próprio setor? Como vivemos um processo de desindustrialização no País, fico imaginando se a falta de compromissos é de todo mundo, o que é algo grave, ou se é uma questão conjuntural ou estrutural. E então me lembro de uma extraordinária frase, do Gonzagão, caracterizando o sertão: “quando o verde dos seus olhos se espralhá na plantação, eu voltarei, viu? Eu voltarei para o meu sertão”. Isso é o que esperamos que aconteça.
Do ponto de vista da lógica, estamos preparados para voltar e para fazer, mas é preciso chover. As políticas que temos tido no setor pós Proálcool nos fazem navegar pela correnteza, sendo levados e não porque o motor do barco o faz deslocar. E qual é a nova realidade? É justamente um novo fortíssimo processo de inovação que acontece no campo da biologia.
Esperamos que a política também se inove rapidamente, para atender ao que a biologia está conseguindo fazer: da cana-de-açúcar se fazem muitas coisas, que vão da alcoolquímica, sucroquímica aos bio-hidrocarbonetos. É a visão da biorrefinaria com uma diversificação e espetaculares novas possibilidades em todos os campos.
Precisamos ajustar as nossas velhas tecnologias e ficar de olho nas rupturas tecnológicas que estão chegando, e a chave para isso é matéria-prima de baixo custo, compromissos, obviamente, públicos e privados, e estabilidade com uma pró-atividade.
O Brasil não conhece o Brasil. Nós precisamos entender que o nosso futuro é ser o grande provedor de alimentos e de energia renovável, incluindo toda a cadeia produtiva. Isso requer ordem, progresso, compreensão e liderança. Para isso, diálogo, confiança e bom senso serão os grandes ingredientes – aliás, escassos hoje em dia –, para rompermos com todas as dificuldades.