A gestão agrícola da cadeia sucroenergética é uma das mais avançadas dentro do contexto do agronegócio nacional. Tecnologias genéticas, fitotécnicas, econômicas e industriais bem aplicadas e adaptadas às condições específicas das usinas possibilitaram os fantásticos resultados dessa cadeia produtiva. Hoje, ela faz do Brasil o principal produtor e exportador mundial de açúcar e, com a dobradinha etanol e bioeletricidade, ainda responde por 17% da matriz energética nacional (49 milhões de TEP).
Em termos percentuais, os produtos da cana ficam atrás apenas dos derivados de petróleo (36,4%), sendo superior aos 12% gerados pela soma de todas as hidroelétricas. No entanto a gestão territorial da cadeia ainda é um tema carente de debates, proposições e ações que visem corrigir as chamadas imperfeições de mercado relacionadas à localização das produções.
Um exemplo foi a demanda apresentada pela FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, à Embrapa Territorial, em 2014, para a quantificação das áreas canavieiras que apresentariam restrições para a atividade a partir da limitação da queima da cana, sacramentada em 2018.
O Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da instituição da Embrapa Territorial identificou, qualificou, quantificou e cartografou as áreas com declividade superior a 12%, não mecanizáveis, ocupadas com cana--de-açúcar em todo o estado de São Paulo. Na época, aproximadamente 7% das lavouras de cana estavam em condições de restrição para a colheita mecanizada.
Pouco para o contexto estadual, porém, nas regiões de Sorocaba, Bauru e Ribeirão Preto, esse percentual era superior a 10%, chegando a mais de 20% na região de Campinas. Esses resultados forneceram elementos para a formulação de políticas públicas e privadas de gestão territorial no contexto do parque canavieiro paulista e de gestão de negócios do agronegócio paulista, como subsídios à tomada de decisão.
As informações constituíam alerta especialmente para os municípios que perderiam divisas com a redução da área cultivada com cana e tiveram a chance de buscar alternativas para substituição dessa cultura. Esse exemplo impacta mais diretamente a gestão da produção. Desafio maior ainda está na gestão da “não produção”.
O Brasil é um dos raríssimos países do mundo onde a legislação determina que o produtor rural deve contribuir, de forma direta, com parte de sua área potencialmente agricultável, para a preservação do meio ambiente. Mais do que não cultivar, o agricultor deve manter essas áreas cobertas com vegetação nativa, dedicando esforço laboral e financeiro, em benefício de toda a sociedade, de forma gratuita. Isso faz com que nossos agricultores tenham a árdua tarefa de equilibrar a balança entre produzir e preservar.
Isso vem ao encontro de premissas internacionais, de que é preciso produzir cada vez mais energias, fibras e alimentos com o menor impacto ambiental. Esse esforço nacional era pouco conhecido e, principalmente, não era mensurado. O cenário mudou em 2016, com a divulgação dos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro público, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais.
Ele permitiu a qualificação e a quantificação das áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais, com base em mapas delimitados sobre imagens de satélite com 5 m de resolução (no caso do estado de São Paulo, ortofotos com 1 metro de resolução). Os resultados impressionam! Até 2018, verificou-se que os 4,8 milhões de imóveis rurais do Brasil destinam 218 milhões de hectares para a biodiversidade.
Isso é mais que a soma do território total de 10 países do oeste europeu. Significa que, em média, apenas metade de uma propriedade rural brasileira é utilizada para a produção. A outra metade é destinada às áreas de preservação permanente (APPs), às reservas legais (RLs) e a excedentes de vegetação nativa dentro dos imóveis rurais.
Mas como está o setor canavieiro nesse quesito? A resposta precisa a essa pergunta só poderia ser dada de forma individual, realizando a quantificação de cada uma das propriedades que cultiva cana-de-açúcar e verificando sua adequação à legislação vigente. Contudo sabemos que esse cultivo é predominante no estado de São Paulo – ocupa 5,7 milhões de hectares, 65% da área cultivada do estado –, de onde saem 55% de toda a cana do Brasil.
É possível, assim, inferir as condições do setor sucroenergético a partir dos resultados para o território paulista. Também com os dados de 2018, observamos que São Paulo possui mais de 329 mil imóveis rurais, que destinam à preservação ambiental quase 4,2 milhões de hectares. Isso resulta em uma média de preservação de 21,8% dos imóveis rurais, ou seja, mais do que exige o Código Florestal Brasileiro para o estado.
O valor patrimonial pleno dessas terras destinadas à preservação da vegetação nativa dentro dos imóveis rurais de São Paulo chega a R$ 169 bilhões. Mas o custo da sustentabilidade não se resume à dimensão territorial dessas áreas. Existem conceitos econômicos que podem medir o custo de oportunidade, o número de empregos e de impostos de que o País abriu mão em prol do meio ambiente.
Tudo isso pode (e deve) ser contabilizado de forma a, primeiramente, valorar os serviços ecossistêmicos prestados pelos agricultores. Esse conjunto de dados adquiridos, trabalhados, padronizados, compatibilizados e analisados são premissas da inteligência territorial. Para passarmos às ferramentas de gestão territorial, é preciso não só valorar, mas elaborar uma estratégia clara de valorizar a singularidade da agricultura e sua legislação.
A tomada de decisão para uma gestão sustentável deve ser feita partindo-se de dados e de informações confiáveis, precisas e atuais e considerar questões econômicas, sociais e ambientais. Mas como realizar a gestão de uma área praticamente imobilizada para fins agrícolas? Pelo Código Florestal, são possíveis algumas intervenções, focadas no turismo rural, uso para abastecimento de água, coleta de produtos não madeireiros e exploração agroflorestal sustentável.
Poucas ou quase nenhuma delas está relacionada a áreas de produção de cana-de-açúcar no estado de São Paulo. Em resposta para essa questão, é imperativo focarmos esforços no já mencionado equilíbrio entre produzir e preservar. Que outro açúcar, etanol ou bioenergia no mundo é produzido em áreas que respeitam o meio ambiente em sua natureza, mas também com boas práticas agrícolas? O território preservado em suas nascentes, encostas, matas ciliares, sua fauna vertebrada e invertebrada e sua exuberante flora nativa?
O agricultor, utilizando práticas conservacionistas, como fixação biológica de nitrogênio em gramíneas, com cultivos rotacionados na renovação dos canaviais; com manejo adequado da água, aproveitando quase toda água residual da indústria na racionalização da irrigação; com a reposição de nutrientes pela vinhaça e torta de filtro; com a utilização de máquinas e implementos cada vez mais modernos e equipados com a tecnologia da Internet das Coisas; com o respeito ao Manejo Integrado de Pragas e Doenças etc.?
Esse conjunto de práticas, que torna essa agricultura tão sustentável, só se fez viável devido ao estreitamento dos laços de cooperação entre a Pesquisa Agropecuária, a Extensão Rural e o Homem do Campo. Nossos agricultores produzem de forma sustentável, sem qualquer ajuda ou compensação financeira pela prestação de serviços ecossistêmicos ao meio ambiente local e – por que não? – mundial.
Isso nos leva a concluir que, no Brasil, nenhuma categoria profissional dedica mais tempo e dinheiro em prol da preservação ambiental que os produtores rurais. São eles os maiores ambientalistas do País. No entanto estamos vendendo mal os nossos produtos. Nenhuma tonelada de açúcar é melhor remunerada por essas práticas. Isso passa diretamente pelo desconhecimento, e essa lacuna precisa ser preenchida. É preciso, sim, valorar para valorizar, monetizar o esforço dos nossos agricultores em prol da agricultura sustentável que alcançamos.
Somente de posse de dados, sabendo a real contribuição territorial e financeira do setor canavieiro na preservação da vegetação, será possível lutar pela melhor rentabilidade dos produtos certificados como diferenciados no mercado externo. A gestão possível dessas áreas passa por compreender que não temos uma simples commodity nas mãos! Temos um produto que respeita a natureza e utiliza as melhores práticas agrícolas. E isso deve ser valorizado, financeiramente, ao produtor rural.