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Henrique Berbert Amorim Neto e Fernando Henrique C. Giometti

Presidente e Sócio-Especialista de aplicação, respectivamente, ambos da Fermentec

OpAA85

Biotecnologia impulsiona eficiência fermentativa e inovação nas biorrefinarias
O setor sucroenergético brasileiro vive um momento de virada. Mais do que apenas produzir açúcar e etanol, o novo paradigma da indústria está na capacidade de extrair valor total da biomassa. Nesse contexto, a biotecnologia se consolida como uma ferramenta estratégica para transformar usinas em centros integrados de produção de energia, alimentos, combustíveis e insumos sustentáveis.

A chave para essa evolução está na biodiversidade microbiana e na aplicação de técnicas biotecnológicas voltadas para a melhoria contínua da fermentação alcoólica e para a criação de novas rotas de conversão da biomassa. Trata-se de um movimento que une ciência, tecnologia e sustentabilidade industrial — um tripé essencial para o futuro das usinas brasileiras.
 
Os bancos de microrganismos com ampla biodiversidade, reconhecido como um dos três maiores do mundo em leveduras Saccharomyces industriais, como o da Fermentec, desempenham um papel essencial. Com um acervo que inclui também mais de 850 bactérias isoladas de processos industriais, esse banco não apenas impulsiona a performance das fermentações atuais, como também serve de base científica para o desenvolvimento de novos processos biotecnológicos, incluindo a produção de bioplásticos, proteínas e outros bioprodutos de valor agregado.
 
Biotecnologia aplicada: soluções para gargalos reais

Os desafios industriais atuais exigem soluções concretas, e a biotecnologia vem oferecendo respostas claras.

Estabilidade em altas temperaturas: A seleção de leveduras personalizadas termotolerantes, capazes de operar em temperaturas superiores a 34 ºC, representa um marco para as usinas que enfrentam calor elevado durante a safra. Resultados de campo apontam alta viabilidade celular (maior que 88%) e domínio do processo fermentativo, mesmo sob condições adversas.

Inibição de contaminações bacterianas: A descoberta da ação inibitória do ácido succínico combinado ao teor alcoólico abriu caminho para o uso de leveduras com capacidade antimicrobiana natural. Essas cepas reduzem a necessidade de antibióticos e combatem contaminações, mantendo a fermentação saudável e produtiva.
 
Engenharia genética contra leveduras contaminantes: O uso de edição gênica para tornar leveduras resistentes a inibidores vegetais naturais tem demonstrado eficácia contra microrganismos contaminantes, como leveduras selvagens espumantes ou floculantes. A aplicação do extrato vegetal age seletivamente sobre os contaminantes, mantendo a cepa industrial ativa e dominante.
 
Novas matérias-primas: um desafio biotecnológico
A diversificação das matérias-primas para a produção de etanol 1G impõe novas exigências biológicas. A biotecnologia viabiliza o uso eficiente de substratos complexos, abrindo novas fronteiras para a matriz energética brasileira.
 
Melaços com potencial inexplorado: Tanto o melaço de soja, rico em oligossacarídeos não fermentáveis por leveduras comuns, quanto o melaço cítrico, que contém inibidores como o limoneno, estão sendo viabilizados por cepas adaptadas com enzimas específicas. Com isso, matérias antes consideradas desafiadoras se tornam alternativas estratégicas de produção.
 
Etanol de milho com reciclo de levedura: O aproveitamento do milho através da tecnologia Starchcane possibilita a fermentação com reciclo de leveduras, reduzindo o tempo de processo de entre 60–70 horas para entre 8–25 horas, além de aumentar o rendimento alcoólico e diminuir o consumo de nutrientes. O uso de leveduras adaptadas à maltose e maltotriose é essencial para manter a performance.
 
Biorrefinarias: inovação além do etanol: A verdadeira revolução no setor está na criação de novos produtos a partir de resíduos — uma mudança que redefine o papel das usinas e expande seu impacto econômico e ambiental.
 
Proteína e etanol 2G do bagaço: O projeto Cellev, atualmente em TRL 4 (protótipo em ambientes de laboratório), propõe uma valorização integrada do bagaço de cana, transformando pentoses em proteína de alto valor biológico e hexoses em etanol 2G, sem o uso de organismos transgênicos. Com 1 tonelada de bagaço, é possível obter até 62 kg de levedura seca com 50% de proteína e 110 litros de etanol, tornando a biomassa uma fonte dupla de valor.

Bioplásticos a partir de ácido lático: A produção de ácido L-láctico por cepas de Lactobacillus isoladas em fermentações industriais permite a síntese de PLA (poliácido lático), um bioplástico biodegradável. Avaliado em condições simuladas que se aproximam ao ambiente real (TRL 5), esse material tem potencial para substituir plásticos convencionais, com um processo fermentativo baseado em microrganismos nativos e alto rendimento por quilo de açúcar.
 
Biodiesel da vinhaça: Por meio de leveduras oleaginosas, o projeto Óleolev transforma compostos da vinhaça em óleo, biodiesel, antiespumantes e proteína celular, ao mesmo tempo que reduz em até 80% a DBO do efluente. Previsto para demonstração em ambiente operacional real ainda na safra 2025 (TRL 7), a extração do óleo fermentativo representa um uso inovador e sustentável de um subproduto abundante no setor.
 
Uma nova era baseada em ciência e biodiversidade
O futuro das biorrefinarias está intrinsecamente ligado à capacidade de inovar com base na biodiversidade microbiana e na ciência aplicada. O Brasil, por sua riqueza em biomassa e tradição em fermentações industriais, possui todas as condições para liderar esse movimento.
 
A transição de uma usina que apenas mói cana para uma que extrai valor integral da biomassa exige não apenas investimento, mas sobretudo visão tecnológica e estratégica. Nesse processo, a biotecnologia é mais do que uma ferramenta: é o catalisador de uma nova matriz industrial, mais eficiente, diversa e sustentável.