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Isaias de Carvalho Macedo

Pesquisador associado do NIPE da Unicamp

Op-AA-12

Cana-de-açúcar e energias renováveis no Brasil: a perspectiva tecnológica

O etanol da cana-de-açúcar no contexto mundial: A busca por processos competitivos para a produção de energia renovável visa dois objetivos principais: a redução da dependência do petróleo e das emissões de gases de efeito estufa (GEE). As opções para cada região são diferentes, assim como o tipo de energia buscada (eletricidade, combustíveis), como visto nos artigos apresentados nesta edição.

Substitutos de combustíveis líquidos para transporte (gasolina e diesel) seriam muito importantes, pelos grandes volumes utilizados, e pela dificuldade em se mudar rapidamente os sistemas atuais. O etanol, como produzido da cana-de-açúcar no Brasil, é, no momento, a única opção competitiva no mundo. É também muito mais eficiente na substituição do petróleo e dos GEE, que o etanol de outras fontes.

A relação entre a energia renovável obtida no etanol e a energia fóssil usada na sua produção é, hoje, de 8,9 para o etanol de cana, Brasil; 1,3 para o etanol de milho, EUA; 2,0 para o etanol de beterraba, Alemanha, ou de trigo para vários países na Europa. Estudos para etanol de sorgo, na África, indicam uma relação de 4,0, e para etanol de mandioca 1,0.

Isto decorre da cana-de-açúcar fornecer, além da sacarose, todo o bagaço para a energia usada no seu processamento. Esta vantagem pode ser muito ampliada, com o uso eficiente do bagaço e da palha. Os grandes investimentos feitos, hoje, em tecnologias para o etanol de celulose - também discutidos nesta edição, devem-se aos fatos de que o material celulósico é produzido em qualquer região do mundo, e poder-se-ia levar ao baixo uso de combustíveis fósseis.

A evolução tecnológica, 1975 – 2006: A tecnologia de produção de cana-de-açúcar e etanol no Brasil avançou muito nos últimos 30 anos, incorporando inovações e processos de gestão, que levaram, entre 1975 e 2000 (São Paulo), a aumentos de 33% em toneladas de cana/ha, 8% em teor de açúcar na cana e 14% na conversão dos açúcares na cana para etanol.

A produção em 2006 foi de 425 milhões de toneladas de cana, em aproximadamente 6,6 milhões de hectares - cerca de 50% para etanol; o Centro-Sul produziu 82,4 toneladas de cana/ha, 35% com colheita mecânica; pol%cana = 14,5; fibra%cana = 13,5. Em média, 1 tonelada de cana produziu 85 litros de etanol e 2,1 kWh eletricidade excedente. As emissões de GEE na produção de etanol, em 2005, foram 0,38 toneladas de CO2 eq./m3 etanol anidro e a relação (energia renovável)/(energia fóssil usada) foi de 8,9.

A evolução nos próximos anos: Nos próximos anos, será possível implementar as tecnologias disponíveis ainda em uso parcial. A evolução “contínua” de processos incluirá: agricultura “de precisão”, variedades para as novas áreas, avanços na mecanização agrícola, novos processos de separação do etanol, e automação industrial.

Em médio prazo (5–10 anos), diversos co-produtos derivados da sacarose e novos subprodutos serão incorporados. Em médio e longo prazos, poderá ocorrer a difusão de variedades geneticamente modificadas de cana-de-açúcar. A indústria da cana no Brasil é uma precursora de futuras “biorrefinarias”. O uso integrado da biomassa da cana para combinações de produtos (combustíveis, químicos, eletricidade e calor) será muito mais eficiente, dos pontos de vista termodinâmico e econômico e nos aspectos ambientais. Isto, e o uso de novas variedades, poderão aumentar significativamente o valor da produção.

Tecnologias ainda não comerciais poderão ser as chaves para esta transformação: a hidrólise de biomassa e diversas fermentações dos açúcares resultantes; a gasificação de biomassa, para energia elétrica ou síntese de combustíveis; e possivelmente a engenharia genética, no suporte ao melhoramento da cana. É impossível analisar a evolução do etanol no Brasil, sem considerar estas tecnologias. Que impactos, e quando, teria sobre a indústria da cana no Brasil a disponibilidade destas novas tecnologias, nos próximos vinte anos?

A perspectiva de uso de tecnologias “radicais”: A hidrólise do bagaço e da palha permitiria avançar na produção de etanol e de outros produtos de fermentações (plásticos, ácidos orgânicos, solventes); a gasificação poderia voltar-se para muito maior produção de energia elétrica (ciclos combinados de turbina a gás) ou de combustíveis líquidos (gasolina ou diesel sintéticos; etanol, DME). Estes processos, assim como a co-geração convencional, competiriam pela mesma matéria-prima, o bagaço e a palha da cana.

Tecnologias comerciais permitem recuperar 40% da palha da cana e usar apenas 2/3 do bagaço para energia na produção de açúcar e etanol. Apenas para uma avaliação preliminar de alguns processos, vamos chamar de usina padrão uma usina hipotética que usa 2 milhões de toneladas de cana por safra; recupera 40% da palha e usa a biomassa (bagaço total mais palha recuperada) para suprir sua energia e para outros produtos.

O uso de vapor para açúcar e etanol (da sacarose) é reduzido para 2/3 do atual. Também vamos definir como “tecnologia comercial madura”, a que já passou por testes em escala comercial, e atingiu, com sucesso, a n-ésima planta em operação (n= 5 a 15).

Avanços na produção de cana - melhoramento genético: Ainda que com grande incerteza quanto a prazos para implementação e resultados, uma avaliação do estágio atual dos programas indica que poderíamos ter material adequado para liberação:

Em 5 anos: resistência a pragas (broca, outros);
Em aproximadamente 10 anos: maior teor de açúcar (até 20%);
Em aproximadamente 10 anos: tolerância à seca; florescimento reduzido.

Há estudos em andamento para o desenvolvimento da “cana energética”, com maior produção de biomassa. Para variedades convencionais, tem sido possível substituir de 30 a 40%, em cinco anos, e, sem impedimentos políticos ou de mercado, pode-se esperar efeitos já em 2020. Geração de energia elétrica, com sistemas convencionais (vapor): Estas tecnologias já são “maduras”.

Processos atuais, com alta pressão de vapor (mas, sem uso de parte da palha, sem redução no consumo de energia nos processos e sem condensação), estão sendo implantados em usinas novas, com geração de aproximadamente 70 kWh/ton de cana excedentes. Pode-se esperar 120 kWh/ton de cana (usina padrão, ciclo de vapor a 61 bar ou mais, CEST). Este sistema poderá estar em muitas usinas novas, e ser gradualmente incluído nas existentes.

Gasificação da biomassa da cana e seu uso para energia elétrica ou para síntese de combustíveis: Gasificação do bagaço e da palha podem alimentar ciclos combinados muito eficientes (BIG-CC), visando produzir energia elétrica, ou síntese de combustíveis (etanol, DME, ou F-T, etc). O desenvolvimento de gasificação da biomassa usa muito do investimento feito hoje nas “tecnologias limpas” para carvão e gás natural (GTL). Não há tecnologias comerciais maduras para estes processos, com biomassa. Os desenvolvimentos adicionais diferem entre si (em complexidade e custo), dependendo do uso final.

1. Sistemas para a geração de energia elétrica: Para uma usina padrão, operando integrada com o sistema de energia, os excedentes de energia elétrica seriam de 290 kWh/toneladas de cana (sistema pressurizado, mais eficiente). Estas tecnologias podem estar maduras em 2020.
2. Sistemas para a síntese de combustíveis líquidos: Há muitos sistemas para combustíveis, inclusive diesel e gasolina sintéticos, e outros derivados de biomassa, por gasificação (incluindo energia elétrica excedente). Valores pontuais - casos específicos, significativos, indicam que uma usina padrão, operando integrada com o sistema de energia (em um passo de síntese, não otimizada para combustível, com maiores excedentes de eletricidade), poderia produzir tecnologias maduras, em 2020:

 

  • Líquidos F-T (60% diesel, 40% gasolina): 18 litros/t de cana
  • Energia elétrica: 105 kWh/t de cana
    Alternativamente, com um ou dois passos de síntese:
  • DME: 14 -»30 kg/t de cana
  • Energia elétrica:160 -» 40 kWh/t cana

Hidrólise da biomassa da cana para produção de etanol: O etanol foi produzido a partir de materiais celulósicos, desde o final do século 19. Mas, atingir custos competitivos para entrar no mercado de combustíveis é uma proposta nova (últimos 20 anos). Os processos são descritos em outro artigo nesta edição.

Nenhum destes processos avançados é comercial. As tecnologias disponíveis, nos próximos 15 anos, não alterariam muito a taxa de conversão da biomassa para etanol (entre 35 e 38% da energia na biomassa, PCS), mas reduziriam os custos de produção. Dentro de aproximadamente 20 anos, a comercialização de processos integrados (CBP), com pré-tratamentos físicos (LWR), reduziria os custos, mas, ainda há grandes problemas técnicos a se resolverem.

Para uma usina padrão, integrada com o sistema de energia:

 

  • 2013: Processos convertendo hexosas: Etanol: 27 litros por toneladas de cana; Energia elétrica: 33 kWh por toneladas de cana.
  • 2015-2020: Processos SSF, hexosas e pentosas: Etanol: 37 litros/ton cana.
  • 2020-2030: Processos tipo CBP, hexosas e pentosas: Etanol: 41 litros por toneladas de cana; Energia elétrica: 30 kWh por tonelada de cana

Conclusão: A tabela resume os resultados acima, embora muito simplificada, mostra alguns fatos importantes. Uma usina padrão, com as tecnologias consideradas, sem variedades transgênicas, poderá aumentar em cerca de 50% a sua produção de energia (sem distinção da “qualidade” da energia), em relação a de hoje, independentemente de buscar mais energia elétrica ou mais combustíveis.

O valor atribuído ao tipo de energia (elétrica, combustíveis), o mercado (volumes: entre 2020-2025, provavelmente estaremos produzindo 1 bilhão de toneladas de cana por ano), a disponibilidade da tecnologia e o custo associado são as variáveis importantes nas decisões a tomar. A dimensão e as conseqüências deste grande salto tecnológico, assim como as etapas necessárias para torná-lo real, devem estar presentes nas nossas considerações sobre o direcionamento da agroindústria da cana.