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Luís Augusto Barbosa Cortez

Coordenador de Relações Internacionais da Unicamp

Op-AA-10

Estudo estratégico para a ampliação da produção do álcool para a substituição entre 5 e 10% da gasolina mundialmente consumida

Desde que o Brasil se firmou, há mais de 500 anos, como colônia de Portugal, a cana-de-açúcar teve uma importância maior na economia local. Essa indústria fazia uso de recursos que nos são abundantes: terra, sol e água. Esses fatores, associados à baixa densidade demográfica, criaram condições excepcionais para a produção de açúcar a baixo custo.

Desde 1975, com a criação do Proálcool, a cana-de-açúcar passou a ter um novo objetivo: ser matéria-prima para a produção de etanol. Mas, essa não era uma nova função. Há muito tempo, a cana já era usada para produzir aguardente, e desde 1930, Getúlio Vargas introduziu o uso de álcool combustível no Brasil. Mas, a partir de 1975 e, sobretudo, além de 1979, o etanol passou a ter importância crescente na matriz energética brasileira.

Nesse período, foram instaladas novas destilarias autônomas e passou-se à comercialização de veículos a álcool. Essa parte da história todos conhecemos. Sabemos também que os carros a álcool chegaram a responder por 90% das vendas na 2ª metade da década de 80 e que em 1989 o etanol faltou nos postos e causou uma crise de abastecimento, provocando um retrocesso nas vendas.    

Veio a década de 90 e o “modelo brasileiro” de produzir açúcar e álcool consolidou-se. Neste período, a indústria canavieira cresceu, mas o carro a álcool quase desapareceu. Veio então o flex e com ele um novo impulso a esta indústria. Neste início de século XXI, temos um cenário muito promissor, para toda a indústria canavieira. O Brasil é não somente o líder na produção de açúcar e etanol, mas também o país que reúne as melhores condições para a expansão desta indústria.

Sabemos produzir etanol a baixo custo, isto é certo, mas nossa experiência esteve sempre voltada ao mercado interno. Agora, exportamos cerca de 15% da produção, mas não temos experiência de como atender à crescente demanda. Experiência essa que envolve aspectos técnicos, econômicos e também políticos. A pergunta que se coloca no momento é se teremos condições de atender a esta demanda que se desenha para o futuro e o que devemos fazer para tanto.

Com esta pergunta em mente, pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de Campinas, NIPE-UNICAMP colocaram a seguinte questão: o que seria necessário para o país produzir grandes quantidades de etanol combustível, visando o mercado externo? Quais os impactos econômicos, sociais, ambientais e políticos decorrentes dessa ação macro? Será que temos terras, recursos humanos, condições naturais e tecnologia suficiente para fazer face a este desafio?

O governo brasileiro, através do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos, CGEE, encomendou um estudo ao Prof. Rogério Cezar de Cerqueira Leite do NIPE-UNICAMP, o qual constituiu um grupo para analisar estes impactos, visando formular políticas públicas para a expansão da produção do etanol no Brasil. Inicialmente, o grupo fez um estudo de disponibilidade de áreas aptas ao cultivo de cana-de-açúcar.

Este estudo, realizado em parceria com o Centro de Tecnologia Canavieira – CTC, tomou o cuidado de excluir as áreas consideradas com sérias restrições ambientais (Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica), áreas de reservas florestais e reservas indígenas, áreas com declividade maior que 12%, onde a mecanização da cana seria impraticável, áreas hoje destinadas a outras culturas agrícolas e a ocupação urbana.

Feito isso, foi realizado um mapeamento de solo e clima para o cultivo de cana-de-açúcar no Brasil. Cruzadas estas informações, resultou num mapa de diferentes níveis de produtividade de cana-de-açúcar, considerando o conhecimento atual que se tem desta cultura. Para se ter uma noção, a área total do Brasil é de aproximadamente 850 milhões de hectares, sendo destinados cerca de 200 para pastagens e 60 milhões para fins agrícolas. Destes 60, destinam-se 22 à soja, 12 ao milho e 6 à cana-de-açúcar e 20 às outras culturas.

Estimamos, através deste estudo, que há um potencial para produção de cerca de 360 milhões de ha para cana, com uma produção potencial total de 18,6 bilhões de ton sem irrigação ou cerca de 21 bilhões de ton com irrigação de sobrevivência (cerca de 200 mm/ano), usando a tecnologia atualmente disponível. Com estas informações em mãos, definimos, criteriosamente, 12 áreas consideradas aptas, por razões de produtividade, localização e logística, que poderiam ser consideradas para uma expansão significativa da produção de etanol combustível no Brasil.

Estas áreas, todas numa faixa entre o MS e o sul do MA, estão localizadas no chamado cerrado brasileiro, região onde a quantidade de áreas de pastagem com baixa produtividade, encoraja-nos a considerá-las para fins mais rentáveis. As grandes regiões N, S e grande parte do SE estão totalmente excluídas. Pelo lado da demanda, estudamos o mercado futuro de combustíveis líquidos no mundo, mais especificamente o mercado de gasolina para o ano de 2025.

Segundo projeções do National Energy Information Center, NEIC, estima-se em 1,7 trilhão de litros, este mercado naquele ano. Considerando a substituição de 10% por etanol combustível, serão necessários cerca de 204 bilhões de litros de etanol, e para 5%, cerca de 102 bilhões de litros, imaginando que outros países poderão ajudar o Brasil a satisfazer esta demanda futura.

Em função disto e a fim de organizar a produção, propõe-se destilarias-padrão, ou seja, unidades de produção típicas, econômicas e que possam ser multiplicadas nas áreas selecionadas. O tamanho destas destilarias padrão seria de 2 milhões de ton de cana/ano, o que permite produzir 1 milhão de litros/dia de etanol combustível. São unidades dedicadas à produção de etanol, mas como fazem aproveitamento do bagaço e da palha, podem também gerar importantes excedentes de energia elétrica.

Assim, foram definidos clusters  de 15 destilarias, que justificariam a implantação de infra-estrutura de escoamento do etanol produzido, via álcoolduto. Estimamos em nosso estudo que nas 12 áreas poderiam ser implantadas 615 destilarias, produzindo 104 bilhões de litros de etanol requerendo cerca de 22 milhões de ha para o cultivo de cana-de-açúcar, utilizando a tecnologia atualmente disponível.

Cada uma destas destilarias requer, para sua implantação, cerca de R$ 280 milhões (R$ 200 na parte industrial e R$ 80 na parte agrícola), o que resulta em R$ 4,2 bilhões por cluster, além de R$ 1 bilhão para a implantação do canavial. Cada cluster produziria 2,55 bilhões de litros de etanol/ano e 1.200 GWh/ano de energia elétrica.

Totalizando os valores macro, para uma produção anual estimada para exportação, em 2025, de 104 bilhões de litros, se requer um investimento de R$ 10 bilhões/ano (entre destilarias e infra-estrutura de escoamento), resultando num benefício de cerca de US$ 31 bilhões em exportação e geração de 5,3 milhões de empregos diretos e indiretos, além de energia elétrica equivalente a 15% da geração de 2004, numa produção canavieira totalmente mecanizada, o que implica em empregos de boa qualidade.

É importante que se ressalte o impacto deste projeto na interiorização do desenvolvimento. Novas cidades serão implantadas, com toda a necessária infra-estrutura de habitações, escolas, hospitais e serviços em geral. Trata-se, na verdade, de um grande projeto de desenvolvimento e distribuição de renda para o Brasil. É evidente que não existem muitos investidores em condições de fazer face às necessidades deste projeto macro para o Brasil.

Muito provavelmente, a própria Petrobrás e o BNDES sejam um dos poucos atores que tenham condições de satisfazer as exigências de investimento. No entanto, é provável que investidores nacionais (tradicionais ou não) e internacionais (que já começam a afluir) possam responder por, pelo menos, parte desta demanda de capital.

Na 2ª parte do projeto, já encomendado pelo CGEE ao grupo do NIPE-UNICAMP, estão sendo investigados, de forma mais aprofundada, os impactos das novas tecnologias, sobretudo do melhoramento genético (convencional e genômica), o recolhimento da palha, a hidrólise das fibras e a correspondente produção de etanol. A hidrólise é uma tecnologia que pode representar um verdadeiro break-through na produção de biocombustíveis no mundo. O Brasil está nesta corrida!

Já temos indicadores claros de que as novas tecnologias poderão ter um impacto bastante favorável nas necessidades de terra, redução de impactos ambientais e aumento dos impactos sociais e econômicos, que constituem os fatores limitantes, potencialmente mais importantes para a adoção de um grande projeto de produção de biocombustíveis no mundo.