Diferentes estratégias, com uma ampla variedade de opções de pré-tratamento, têm sido desenvolvidas para aumentar a suscetibilidade das frações carboidrato de materiais lignocelulósicos a hidrólise enzimática. Essa afirmação é bem conhecida dos profissionais que têm se dedicado a pesquisas e a atividades ligadas à produção de etanol 2G. Realmente, para a obtenção desse álcool a partir de biomassa vegetal, como a do bagaço e da palha de cana-de-açúcar, a tecnologia em desenvolvimento, atualmente, inclui uma etapa de pré-tratamento necessária para favorecer a hidrólise enzimática posterior, a qual irá resultar em um caldo rico em açúcares fermentescíveis que possam ser transformados em etanol por ação microbiana.
Embora a mencionada afirmação seja bem conhecida, chama minha atenção o fato de que, no momento em que escrevo este texto, eu a vejo na tela de meu computador em dois artigos científicos com mais de trinta anos de diferença entre suas datas de publicação, sendo um deles de 2016. De fato, ainda hoje, uma pesquisa rápida em bases de dados especializadas resulta em um grande número de trabalhos recentes avaliando alternativas para o pré-tratamento da biomassa, visando ao aumento da digestibilidade enzimática de seus polissacarídeos, em particular da celulose.
E a busca de alternativas é justificável, uma vez que essa etapa do processo é ainda um desafio, mesmo após décadas de estudo. Mais uma evidência disso é a notícia recente de que a planta Bioflex 1, da GranBio, teve sua produção interrompida e, conforme divulgado, o motivo seria o pré-tratamento.
A opção que tem sido considerada como a mais viável para o momento é o uso de processos nos quais não seja necessário o emprego de catalisadores químicos (ou eles sejam necessários em quantidades reduzidas), como a técnica de explosão a vapor. Sua aplicação em escala industrial, no entanto, traz desafios adicionais que envolvem problemas como a movimentação da massa do bagaço ou da palha de cana-de-açúcar ao longo do processo.
É bem verdade que esse desafio, em particular, não é exclusivo dessa técnica e poderia ser similar com o uso de outras opções de pré-tratamento. Seja como for, métodos alternativos poderiam ser interessantes e ajudariam também nesse caso, pois alteram, de forma diferenciada, tanto a composição quanto as propriedades físicas do material (como é o caso do uso de líquidos iônicos, por exemplo). Além disso, opções que envolvam o uso de álcalis e oxidantes poderiam ser feitas em condições mais brandas de processo (diminuindo o investimento necessário em equipamentos) e ainda favoreceriam o aproveitamento da hemicelulose, tanto em forma monomérica quanto macromolecular ou oligomérica, podendo ser viáveis em um conceito mais amplo de biorrefinaria multiprodutos.
Além do pré-tratamento, as etapas biológicas ligadas à produção de etanol 2G (hidrólise enzimática e fermentação) representam terreno fértil para pesquisa, desenvolvimento e inovação. Podem-se citar diversos temas que ainda contêm desafios a serem vencidos por esforços de PD&I: o custo das enzimas empregadas para a hidrólise da celulose e a possibilidade de sua produção in situ nas empresas; as especificidades das enzimas empregadas (inibição por produto, por exemplo); o uso de pentoses pelos micro-organismos usados na fermentação ou o aproveitamento desses açúcares em outros processos fermentativos de interesse; a realização, em separado ou em simultâneo, das etapas biológicas do processo; desenvolvimento de reatores com elevados teores de sólidos, etc.
É importante considerar, no entanto, que, conforme colocado anteriormente, as pesquisas continuam ao redor do mundo, e as soluções podem estar nas inovações que surgem a cada dia. Elas têm sido bastante interessantes, e um olhar atento aos resultados relatados é fundamental. Há desde pesquisa básica, que leva a uma compreensão mais profunda dos problemas, abrindo novos caminhos para resolvê-los, até trabalhos aplicados com pesquisa incremental, que leva a um novo olhar sobre o conhecido, ou mesmo a avaliação de possibilidades completamente novas e diferentes.
Em todos os casos, é digno de nota o intenso trabalho de pesquisa feito nas universidades e nos centros brasileiros, os quais têm se dedicado aos mais diferentes aspectos da produção de etanol 2G – todos os já mencionados e muitos outros. Nos últimos anos, por exemplo, temos feito, em nossa unidade em Lorena e em parceria com diversas universidades e centros de pesquisa brasileiros, trabalhos ligados ao aproveitamento do bagaço e palha de cana-de-açúcar em biorrefinarias.
Novos conceitos de biorrefinarias têm sido propostos empregando alternativas como o pré-tratamento sulfito alcalino, o qual utiliza uma variante de um método conhecido no setor de papel e celulose, o que facilitaria a disponibilidade de equipamentos industriais. A viabilidade de opções de plantas multiproduto tem sido avaliada, e novas opções de biomoléculas (ex.: surfactantes, polímeros, pigmentos) têm sido desenvolvidas. Recentemente, avaliamos também alternativas diferenciadas, como o emprego da energia da cavitação hidrodinâmica para favorecer pré-tratamentos sob condições brandas e com uso de menor quantidade de catalisadores. Nesse caso, novas opções de reatores de cavitação escaláveis e em modo contínuo têm sido propostas.
Iniciaram-se trabalhos também na área de genômica e secretômica, e novas enzimas capazes de aumentar a eficiência da hidrólise têm sido avaliadas. A compreensão e a modificação do genótipo da cana-de-açúcar estão inclusas entre os projetos em andamento, e pode-se, até mesmo, imaginar novos desenvolvimentos que resultem em uma planta que requeira um pré-tratamento menos severo (ou não requeira nenhum? seria possível?), para aproveitamento de seus açúcares. É evidente que trabalhos de qualidade de muitas outras instituições nacionais poderiam ser citados, mas, cauteloso em deixar de citar alguém, assumo o risco e cometo aqui a gafe oposta...
O ponto com o qual quero finalizar, no entanto, está relacionado justamente à riqueza da pesquisa no assunto feita em nossas universidades e à tradição e ao espírito empreendedor de nossa indústria sucroalcooleira. Embora já haja uma histórica colaboração entre ambas, a interação entre universidade e empresa em nosso país ainda é tímida e está bem aquém de seu potencial.
Ambas precisam se conhecer melhor, e os relacionamentos precisam ser estreitados. Houve, no passado, alguns desencontros, mas creio ser o cenário atual uma oportunidade fantástica. É chavão dizer que momentos de crise requerem criatividade, mas caio com prazer no lugar comum e reforço que a universidade possui conhecimento e capacidade para auxiliar o setor produtivo no desbravamento das novas oportunidades ligadas ao conceito de biorrefinaria.
Muitos dirigentes em nossas principais universidades têm feito também um grande esforço em mitigar entraves burocráticos (principalmente presentes em instituições públicas) e compreender as necessidades e possibilidades de colaboração com o setor produtivo. Termino, assim, parafraseando o título: o estreitamento das relações entre empresa e universidade é ótima oportunidade em campos férteis para PD&I, como a produção de etanol 2G.