Presidente da Datagro Publicações
Op-AA-04
As exportações de etanol do Brasil têm um histórico interessante e de evolução não-uniforme. Mas há fortes indicações de que esta característica está mudando e de que as exportações devem se consolidar e apresentar evolução crescente. Até o início da atual década, as exportações de álcool eram realizadas, principalmente, para o escoamento de excedentes de produção, sem preocupação de manutenção de laços comerciais com clientes e mercados no exterior.
Não se deve esquecer, entretanto, dos mercados de nicho, desenvolvidos e mantidos por usinas individuais, que se especializaram em determinados tipos de produto e mercados. A regra geral de exportar excedentes deve-se a diversos fatores. Provavelmente, uma das principais razões deste fenômeno foi o fato de os preços do álcool no mercado externo, via-de-regra, terem sido inferiores aos preços de oportunidade do álcool no mercado interno, e açúcar nos mercados interno e externo — preços afetados até hoje por barreiras tarifárias, como nos EUA e UE, e não-tarifárias, como a influência dos leilões da NEDO, no Japão.
Um outro forte motivo é o fato do etanol, até hoje, não ter se consolidado como uma commodity, com especificação definida e preços cotados de forma transparente no mercado mundial. A exportação de excedentes na forma de álcool fez parte, portanto, de um fenômeno que teve como origem a oferta, supply-driven. Foi assim que em 1984, o Brasil exportou mais de 850 milhões de litros para, no final da década de 1980 e início da de 1990, cair para praticamente zero e depois, lentamente, recuperar os volumes exportados.
O esforço era, nesta época, muito mais voltado ao desenvolvimento de novos mercados de álcool no exterior, mas não necessariamente para o álcool do Brasil. A preocupação era que o Brasil não permanecesse como único grande produtor e consumidor de etanol combustível no mundo, o que poderia comprometer o seu uso no próprio Brasil, pela possibilidade de reversão da adesão da indústria automobilística, e as ameaças constantes de revisão do mandato, em favor do uso de etanol no Brasil.
Foi assim que um grande esforço foi realizado para apoiar o desenvolvimento da indústria do álcool nos EUA, inclusive, com pesquisas realizadas no Brasil sobre impactos da adição de etanol na volatilidade da gasolina para oferecer informações técnicas e cooperação à Coalizão de Governadores Pró-etanol dos EUA.
Durante toda a década de 90, as exportações de álcool continuaram a ser influenciadas pela oferta, o seu excesso ou sua falta em alguns momentos. Houve, inclusive, importações de etanol e metanol para complementar o balanço oferta-demanda. A partir do início da década de 90, a oferta total de sacarose passou a ser crescente, devido ao interesse econômico dos produtores em atingir suas capacidades de projeto, obtendo assim economias de escala e aumentando sua competitividade e viabilidade de negócio no longo prazo.
Mas este excesso de oferta é direcionado, em grande parte, para o açúcar e os excedentes de álcool foram, principalmente, ajustes de safra. Algumas vitórias foram obtidas na época. Esperava-se que teriam impactos importantes na disseminação do uso do álcool, como a decisão dos governantes reunidos na Cúpula das Américas, em dezembro de 1994, de banir o uso do chumbo tetra-etila, como aditivo à gasolina, em todo o continente americano.
Referida decisão, teve pouco resultado prático até hoje, mas nenhuma foi tão importante quanto a própria preservação das indústrias alcooleiras no Brasil e nos EUA. Tempos difíceis em que a viabilidade do uso do álcool justificava-se através de avaliações econômicas, e não empresariais, nas quais os produtos finais eram valorizados pelos seus preços-sombra e os insumos, pelos seus custos de fator.
A realidade, a partir de 1999, passou a ser diferente, com a maior liberalização do câmbio e o aflora-mento da competitividade do açúcar e álcool brasileiros, conquistada através dos anos, no entanto, mascarada por mais de uma década de taxas de câmbio que supervalorizaram a moeda local. O álcool passou a ser competitivo com a gasolina a preços de mercado, e consolidou-se definitivamente no Brasil.
As demandas de mercados interno e externo passaram a crescer, e a expansão da indústria deixou de ter como origem a oferta, passando a ser influenciada pela demanda - demand-driven. O etanol passou a ter importância crescente na matriz energética e na balança comercial, proporcionalmente ao que representava de exportação e importação de gasolina evitada. Assim, governantes estrangeiros em visita ao Brasil começaram a mostrar grande interesse na experiência brasileira.
O motivo principal é o reconhecimento de que o etanol de biomassa passou a ser visto como uma das poucas estratégias de desenvolvimento econômico sustentado, capazes de, simultaneamente, aliviar a pobreza dos países em desenvolvimento e resolver dois dos maiores problemas do mundo desenvolvido: encontrar um substituto viável aos derivados do petróleo e reduzir a poluição atmosférica local, dos centros urbanos, e a global, causada por gases causadores do efeito estufa.
O grande ano de mudança parece ter sido 2004, quando as exportações saltaram de 656 milhões de litros em 2003, para 2,32 bilhões de litros. O uso do álcool como combustível passou a se disseminar pelo mundo, com iniciativas na Tailândia, Índia, China, Austrália, Colômbia, Peru, França e Alemanha. O Brasil mostrou que é possível produzir etanol de biomassa a custos competitivos com a gasolina a preços de mercado, em ótimas condições.
Mostrou também que há uma clara curva de aprendizado que indica ser possível ganhar competitividade ao longo do tempo, oferecendo um caminho a ser seguido por outros países produtores de açúcar e biomassa em geral. Não considero possível uma reversão dos volumes exportados de etanol, como ocorreu no passado. Os desafios de logística estão sendo vencidos, assim como o foram na área de açúcar.
O interesse pelo etanol e suas exportações são crescentes, pois se trata de um produto com alto valor ambiental, que é comercializado a preço abaixo daquele da gasolina, no mercado mundial. À medida que pequenas restrições técnicas causadas por falta de informação sejam sanadas, os mercados devem crescer exponencialmente.
Estas restrições são míticas e relacionadas a preocupações há muito estudadas e solucionadas no Brasil, relativas a emissões de óxidos de nitrogênio, impacto na volatilidade da gasolina, corrosão dos motores, compatibilidade de materiais e procedimentos relacionados à logística e à distribuição. O risco do Brasil se ver como único grande produtor e consumidor de etanol não mais existe. A tecnologia automotiva aqui desenvolvida começa a ser aplicada em outros países.
Portanto, é preciso que novas preocupações sejam levantadas. Aprendemos com o tempo que o desenvolvimento de mercados para etanol no exterior não implica necessariamente a abertura de oportunidades para exportação para o etanol brasileiro – o mercado dos EUA é, até agora, o exemplo mais expressivo. O mundo busca o etanol como solução e alternativa viável ao petróleo, à medida que cresce o consumo nas grandes nações emergentes da China e Índia.
É, portanto, chegado o tempo de surgir alguma preocupação com propriedade intelectual, IP. Vejo dois extremos nesta área: a preocupação exacerbada com IP de empresas multinacionais, que procuram proteger suas tecnologias, seus métodos e seu conhecimento de forma, às vezes, até agressiva. E de outro lado, o benevolente esforço realizado no passado de disseminação de conhecimento sobre a tecnologia de produção e uso de etanol do Brasil, para abertura de mercados, de outro. Deve haver um meio termo ideal.
Acredito ter chegado a hora de serem protegidos processos, tecnologias, conhecimento acumulado, a duras penas no Brasil. Que as empresas de equipamentos protejam suas patentes e as licenciem. Que os centros de desenvolvimento de tecnologia protejam seus processos e conhecimento. Para que não tenhamos de comprar por um valor muito caro no futuro, algo que nós mesmos desenvolvemos e ainda é, ou um dia já foi, nosso.