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Jayme Buarque de Hollanda

Diretor Geral do INEE

Op-AA-02

Geração distribuída com resíduo de cana

Quando o país, em plena crise do petróleo, aceitou o desafio de multiplicar por mais de vinte vezes a produção do álcool para substituir a gasolina em veículos leves, sabia-se que, como subproduto, estariam sendo produzidas grandes quantidades de resíduos combustíveis. Tais resíduos poderiam também ser usados para gerar energia elétrica.

Os desafios do Proalcool, porém, eram tantos que esta aplicação foi deixada de lado sobretudo porque não seria bem recebida pelo setor elétrico, que não dependia do petróleo para a geração. Este setor tinha uma cultura de que apenas grandes obras produziriam energia barata. Na época construía, dentre outras usinas, Itaipu e Tucurui, as duas maiores obras civis do mundo e desenvolvia ao mesmo tempo o mais ambicioso programa nuclear do mundo.

As usinas de cana, assim, limitaram-se a instalar sistemas de energia que lhes permitissem produzir as necessidades de vapor e eletricidade e que funcionassem como piras para eliminar a biomassa que seria um estorvo ambiental se não fossem queimadas. O Brasil vem praticando um verdadeiro “energicídio” cuja importância é fácil de avaliar quando nos lembramos que, em 2003, a energia contida na cana equivale a 30 milhões de toneladas de petróleo, mais de um terço do petróleo produzido no país.

Este desperdício é mais grave quando nos lembramos que se trata de uma energia renovável com vantagens conhecidas para o sistema elétrico por estar próxima das cargas, ter sazonalidade complementar às hidrelétricas e poder atender situações de emergência usando outros combustíveis. Além disso, reduz a poluição local e global e gera mais postos de trabalho que qualquer outra forma de geração.

Não obstante, como as usinas com baixos investimentos podiam gerar mais eletricidade que as necessidades, houve diversas experiências de venda às concessionárias. A CPFL já nos anos 80, começou a trocar blocos de energia que recebia na safra por energia que devolvia na entressafra. Esta experiência, que deu à distribuidora a base para aprender a operar com “gente de fora”, levaria certamente a um desenvolvimento gradual e natural desta forma de geração pois atenderia os interesses das usinas e da concessionária.

Ela, no entanto, foi interrompida pelo DNAEE, que considerou o escambo ilegal e definiu que a concessionária pagaria à usina menos de um décimo do preço que esta pagava pela energia na entressafra. Este baixo valor é indexado a um parâmetro interno ao setor elétrico sem qualquer ligação com a economia real. O tema da geração com biomassa da cana perdeu importância na década de 90.

De um lado, o setor elétrico, que super-investiu, não sabia o que fazer com os bilhões de dólares imobilizados em obras paradas. De outro, a perspectiva do setor canavieiro era de incertezas na medida que encolhia o número de carros a álcool, os preços de petróleo eram muito baixos e, para piorar, a política cambial descapitalizava este setor cujos produtos se tornaram menos competitivos.

Perto da virada do século, mudanças radicais aconteceram como a liberação do mercado de álcool e do setor elétrico (ao menos no plano das intenções). Em 1999 foi adotado um câmbio realista enquanto o preço internacional do petróleo triplicou. Ao mesmo tempo, devido a preocupações ambientais, o álcool como aditivo da gasolina aumentou em importância no exterior o que deve gerar um mercado mais estável a longo prazo.

O governo, porém, teve dificuldade em perceber as mudanças. Desperdiçou oportunidades para desenvolver a energia da biomassa ao lançar o fracassado Programa Prioritário de Termelétricas - PPT voltado para geradores a gás. Miopia maior ainda mostrou a Câmara de Gestão da Crise - CGE, em 2001, quando criou um incentivo para a compra de energia elétrica eólicas e criou a comercializadora de energia emergencial, função que poderia ser exercida por usinas gerando na entressafra a custos bem menores.

Revendo as ações da GCE, o Congresso criou o PROINFA - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas que inclui a compra “subsidiada” de várias formas “alternativas”, inclusive a biomassa da cana. Curiosamente, se propõe a pagar um preço inferior ao que o governo admite ser o custo mais baixo para criar novas hidrelétricas. Apesar de tudo, ao longo destes anos nunca perdi a esperança  de que a realidade energética acabaria sendo mais forte e prevalecendo.

Como diretor do INEE ajudei a organizar uma dezena de eventos onde o tema foi discutido e saídas procuradas. Com efeito, apesar dos muitos problemas e desencontros, usinas vêm-se equipando com geradores de dezenas de megawatts já voltadas para exportar eletricidade. Ainda se está longe de gerar o potencial mas isto traduz o amadurecimento deste setor agora mais capitalizado e com a percepção de que o álcool como combustível não tem volta e aos poucos vai sendo reconhecido e adotado em todo o mundo.

Com a criação da figura da Geração Distribuída na Lei 10.848/04 vejo, finalmente, uma luz no fim do túnel para que haja um aproveitamento racional da biomassa combustível da cana para produzir energia elétrica. Ainda faltam Decretos para regulamentar, vai ser preciso quebrar resistências culturais junto à ANEEL e outras agências mas certamente está em curso um ciclo virtuoso em que as usinas produzem energia mais barata e barateiam também seus custos de produção. É esperar e ver.