Coautor:
Luciano Rodrigues, Gerente de economia e análise setorial da Unica
Na última década, o setor sucroenergético passou por transformações profundas, as quais incorporaram mudanças na área produtiva e, ainda, alterações nos mercados de açúcar e de etanol. Na produção, além do fim do uso do fogo como método de despalha da cana-de- açúcar e do avanço rápido da mecanização nas operações no campo, observamos crescimento da lavoura em regiões de fronteira no Sudeste e no Centro-Oeste.
O processamento de cana-de-açúcar, que há 15 anos estava concentrada nos estados de São Paulo (59,8%) e no Paraná (7,5%), se expandiu desde então para outros estados: Goiás, com aumento de 56 milhões de toneladas (+ 399,8%); Minas Gerais, com ampliação de 41,5 milhões de toneladas (+ 192,9%); e Mato Grosso do Sul, com crescimento de 40 milhões de toneladas (+ 422,5%). Como retratado na Figura 1, no mapeamento da última safra, os três estados foram responsáveis por cerca de 30% da moagem nacional, contrapondo a participação de São Paulo, que foi reduzida, mas ainda representa 54% da oferta da matéria-prima no País.
Outra alteração importante na produção refere-se à ampliação da flexibilidade de produção entre açúcar e etanol nas unidades produtoras.Inicialmente, a expansão nas novas regiões foi centrada basicamente em destilarias autônomas. Nos últimos 10 anos, contudo, 34 novas fábricas de açúcar foram incorporadas às destilarias, além da expansão da capacidade nas usinas existentes. A alteração, estimulada especialmente pelo período de controle de preços da gasolina, promoveu uma nova dinâmica entre a fabricação de açúcar e etanol nos diferentes estados.
Estados como Goiás e Mato Grosso do Sul, com vocação inicialmente estabelecida para a produção de etanol, já chegaram a direcionar cerca de 30% da matéria-prima para a fabricação de açúcar nas safras em que a relação de preços foi desfavorável ao biocombustível. A maior flexibilidade produtiva nas várias regiões do País resultou em uma alteração significativa da produção de açúcar e etanol nos últimos dois anos.
O mix para açúcar, por exemplo, que chegou a atingir cerca de 50% nas safras de 2011 e 2012, deve fechar em cerca de 35% na atual safra 2019/2020. Essa característica confere a possibilidade de melhor gerenciamento de risco de preços pelo produtor e rápida adaptação do sistema produtivo aos estímulos de mercado ou a políticas públicas, garantindo maior competitividade à indústria
nacional.
Ainda no mapeamento da produção, cabe destacar o ritmo acelerado da produção de etanol de milho, que, nesta safra, deve alcançar cerca de 1,5 bilhão de litros. A indústria, que já se destacava pela possibilidade de fabricar mais de um produto, agora também passa, ainda que de forma restrita em algumas regiões, a utilizar outra matéria-prima para a fabricação do biocombustível.
Trata-se de uma característica sem precedentes no mundo, conferindo uma configuração espacial e dinâmica bastante peculiares ao sistema produtivo de etanol e açúcar no Brasil. Saindo da produção e passando para o mercado de etanol, o mapeamento atual retrata uma concentração do consumo em praticamente cinco estados. Em 2019, por exemplo, o consumo de hidratado em São Paulo, Minas Geais, Goiás, Paraná e Mato Grosso representou 86% do volume demandado no País.
Nesses estados, a competitividade do biocombustível é intensificada devido à diferenciação dos tributos entre o hidratado e a gasolina. Isso se deve a uma visão prospectiva que permitiu a ampliação da produção, da renda e do emprego nas regiões, além dos benefícios ambientais relacionados ao produto em detrimento do seu concorrente fóssil.
Os mercados desses estados, além de usualmente absorverem a produção local, também atuam como destino para o etanol fabricado em outras regiões. Ponto que reforça a importância contínua de investimentos em infraestrutura logística no País. Nos próximos anos, os esforços devem ser intensificados para garantir o suprimento regular do produto em todo o mercado nacional diante da expectativa de crescimento do consumo de etanol hidratado para atendimento das metas da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).
O breve mapeamento evidencia alguns aspectos importantes da indústria e do mercado nacional, incluindo a capacidade de adaptação e a resposta da produção e do consumo a estímulos de mercado ou de políticas públicas. Assim como ocorreu quando houve o lançamento do veículo flex e, mais recentemente, com as mudanças descritas na estrutura de produção.
A capacidade de resposta registrada nas últimas décadas indica que os estímulos que serão criados pelo RenovaBio para buscar maior sustentabilidade da produção devem gerar ganhos de eficiência energético-ambiental e, consequentemente, avanços operacionais, ampliando a competitividade do setor.