Não é novidade que o setor sucroenergético vivenciou diversas transformações que vão desde a colheita de cana crua até a atual imersão de tecnologia nos canaviais. Houve evolução na qualidade das estratégias técnicas e operacionais adotadas, e o sistema de produção tornou-se mais sustentável, principalmente com a crescente utilização de bioinsumos. Mas, ainda assim, a produtividade insiste em permanecer no mesmo patamar, estagnada.
Dentre os diversos fatores que contribuem para isso, os insetos-pragas e nematoides continuam em posição de destaque. De maneira geral, nas principais regiões produtoras de cana-de-açúcar, Diatraea saccharalis (broca da cana), Mahanarva spp. (cigarrinha-das-raízes) e Sphenophorus levis (bicudo da cana) têm maior importância, reduzindo drasticamente a produtividade dos colmos, os teores de sacarose e a longevidade do canavial.
Os produtores e usinas aprenderam a lidar com a broca da cana. Atualmente, é comum baixa infestação nos canaviais, reflexo de monitoramento e controle feitos na hora certa e com maior qualidade e que foram possíveis com a introdução de novas soluções.
O uso de armadilhas de feromônio proporcionou agilidade na coleta de dados do campo e por consequência nas decisões de controle. Novas formulações de produtos fitossanitários e equipamentos de aplicação com tecnologia garantiram maior acerto do alvo de controle, e, com o advento dos drones, os agentes macrobiológicos (Cotesia flavipes e Trichogramma galloi) conquistaram maior escala com liberações em condições climáticas favoráveis.
Embora não tenha ocorrido evolução nos métodos de amostragem e controle de cigarrinha-das-raízes, nota-se que houve supressão da praga, sendo problema em regiões específicas. Isso pode ser explicado pelo uso de inseticidas com ação multipragas de forma mais ampla, visando controle de S. levis, aliado à operação de afastamento da palha, que reduz a umidade na base das touceiras desfavorecendo a população de cigarrinha.
Já para Sphenophorus levis, o cenário atual é de crescimento das infestações e baixa eficiência de controle, mesmo com a adoção de diversas ações desde a reforma do canavial e durante o manejo das soqueiras. Isto se deve à capacidade do inseto de viver no interior do rizoma da planta e abaixo do nível do solo, fatos que prejudicam em muito o controle, e pela dificuldade de definição do nível de dano econômico, de modo que as decisões sejam baseadas em danos que já ocorreram, o que pode gerar equívocos.

Demonstração do hábito de Sphenophorus levis no interior do rizoma
Estas lacunas no manejo evidenciam a necessidade de melhor compreensão da biologia e comportamento deste inseto, principalmente na condição de colheita crua da cana-de-açúcar. O ataque ao sistema radicular da planta pelos nematoides gera perdas significativas, mas a percepção é que muitas vezes não foi dada a devida atenção a isto e o controle, quando feito, era restrito ao momento do plantio da cana, muito provavelmente pelo alto custo de nematicidas químicos e demanda de mais uma operação na soqueira.
Com a realização do controle de S. levis em larga escala, aproveitando esta operação, e aliado ao surgimento de nematicidas biológicos à base de bactérias e fungos, produtos seguros e de custo mais atrativo, tem-se investido no controle de nematoides também na soqueira.
Liberação de Cotesia com drone

Para tornar o desafio do manejo de pragas ainda maior, nos últimos anos tem predominado a ocorrência de altas temperaturas e irregularidade de chuvas, ora secas prolongadas, ora excesso de umidade, contrariando a normalidade climática à qual estávamos acostumados.
O resultado são safras e entressafras bastante distintas uma das outras, gerando um “efeito surpresa”, de não se saber ao certo o que se espera em cada uma, que dificulta o planejamento e a definição das estratégias de manejo a serem implementadas.
Do ponto de vista agronômico, o aumento da temperatura e do déficit hídrico afeta o desenvolvimento das plantas de cana-de-açúcar e estas ficam mais vulneráveis à presença de pragas e doenças, reduzindo a capacidade de defesa aos danos que são causados, o que pode acarretar maior redução de produtividade.
Além disto, sendo a temperatura o principal fator que rege o ciclo biológico dos insetos, atuando no desenvolvimento, sobrevivência e reprodução, é provável que as mudanças climáticas influenciem o comportamento e hábito dos mesmos. Maior número de gerações ao longo do ano pode vir a ser uma realidade, afetando a distribuição geográfica e os níveis de infestações e resultando em mais danos à cultura. Nas intervenções para controle destas pragas, a eficiência pode ser aquém do que se espera, uma vez que temperatura mais elevada tem potencial para diminuir a penetração cuticular de produtos nos insetos e acelerar a degradação de moléculas químicas, prejudicando a ação residual dos produtos.
No caso de controle biológico, o aumento da temperatura poderá dificultar o crescimento e sobrevivência de fungos entomopatogênicos no solo e reduzir as relações e níveis de parasitismo oferecidos pelos macrobiológicos.
Neste contexto, é natural que novos modelos de sistemas produtivos surjam (e precisam surgir) na tentativa de garantir maior tolerância às plantas quanto às variações climáticas às quais estão expostas, o que também pode modificar as relações hospedeiro-praga.
Por isso, são fundamentais investimentos em pesquisas e inovações tecnológicas, bem como interação entre a comunidade científica e os representantes da cadeia produtiva, de modo a antecipar o conhecimento necessário para enfrentamento das adversidades climáticas e manutenção da segurança alimentar.
Como a obtenção destas respostas e soluções não é simples e demanda tempo, é crucial que as ferramentas atualmente disponíveis sejam utilizadas com critério técnico, assegurando a execução do manejo integrado de pragas e, claro, sempre com qualidade e capricho em todas as etapas, por meio de uma equipe comprometida e capacitada.