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Roberto Rodrigues

Coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas

Op-AA-14

Podemos mudar a civilização se tivermos integração e estratégia

Para dar início, declaro que, em minha opinião, não temos nenhum mercado de etanol estabelecido. O que existe é um enorme horizonte de potencial de crescimento, onde as exportações estão aumentando, mas de uma maneira inteiramente aleatória. Como prova disso, veja os dados: A oferta de cana aumentou, algo entre 7% e 9%, e o seu preço caiu 30%.

A verdade é que não temos estratégia, nem governamental e nem privada. Precisamos criar um mercado e temos grande oportunidade para isso, se adotarmos uma estratégia adequada. Além disso, temos que enfrentar um mundo de questões relevantes para que esse mercado aconteça de fato. Em primeiro lugar, a grande briga entre comida e agroenergia, é um dilema totalmente infundado, e não tem a menor consistência.

Vou a muitos eventos e a primeira coisa que me perguntam é: “Vocês acabarão com a comida ou com a Amazônia, por causa do etanol?” Duas colocações absurdas, que, de tanto serem repetidas, podem acabar virando verdades.

No século XX, o grande problema da agricultura no mundo foi a segurança alimentar. Os países da Europa passaram fome durante a Segunda Guerra Mundial e, por causa da comida e do aço, uniram-se para criar a União Européia.

Já no século XXI, o problema é segurança energética. Segundo a FAO das Nações Unidas, entre 2005 e 2025, a oferta mundial de carnes e de grãos, tem que crescer 42%.  Isso já está acontecendo.

A população do planeta crescerá, entre 2000 e 2030, dois bilhões e cem milhões de pessoas, e 85% desse crescimento será na Ásia e na África, os países mais pobres, que, por coincidência, também terão um crescimento maior de renda. Eu aposto no Japão e na Coréia como grandes potenciais de mercado, aliás, na Ásia inteira. É para lá que temos de focar nossos canhões etílicos.

A questão deste século é agroenergia. Os biocombustíveis têm um horizonte de crescimento de combustíveis líquidos, nos próximos 30 anos, de 55%. Alimentar uma população de dois bilhões e cem milhões pessoas e atender à demanda mundial de 55% de combustíveis, em 30 anos, é um desafio absolutamente monumental, que a agricultura terá pela frente. E o mais complicado é que, além de aumentar, a população mudará o perfil de demanda, porque no ano de 2000, 38% da população estava na cidade e 62% no campo. Em 2030, será 60% da população na cidade e 40% no campo. Mudará a demanda e será exigido um novo tipo e forma de distribuição de alimento.

Outro dado que eu soube, com alegria, é que, em 2000, já havia, no mundo, 140 mil pessoas com mais de 100 anos, e em 2030, eles serão um milhão e quatrocentos mil, ou seja, 10 vezes mais, e em 2040 seremos, porque eu estarei lá, um milhão e quinhentos e cinqüenta mil. Temos que olhar para agroenergia neste contexto: é a agricultura respondendo por um projeto gigantesco, que incorpora a questão alimentar e a questão energética. O desafio da humanidade é diversificar as fontes de energia.


Commodity de um único produtor: Sempre que discuti com o governo japonês sobre a importação de álcool do Brasil, eles afirmavam que não viam nenhum interesse em trocar a dependência de petróleo da Arábia Saudita, pela dependência do álcool do Brasil. A questão é segurança.

Enquanto não houver muito mais países produzindo, gerando a confiança dos países consumidores, para que estes tenham condição, por mecanismos compulsórios, de impor a mistura, ficaremos sempre nessa aleatoriedade de crescer no mercado, sem uma estratégia definida.

O espaço territorial no mundo, para o crescimento do álcool de cana, é incomensurável. Na faixa entre o Trópico de Capricórnio e o Trópico de Câncer, envolvendo a América Latina, boa parte da África e um enorme pedaço da Ásia, temos um imenso espaço para o crescimento desta cultura.

Temos que fazer acordos para desenvolver o etanol de cana em países asiáticos, africanos, europeus e na América Latina inteirinha, pois o governo brasileiro pactuou, muito bem, até agora, somente com os Estados Unidos.

É uma estupidez pretendermos que o Brasil seja o único exportador de etanol. Se um único país for o grande exportador, não haverá nunca uma commodity. E não pensem que assim criaremos concorrência. Podemos criar sim, uma concorrência positiva, porque somos os melhores do mundo em cana. Quanto mais países produzirem etanol de cana, maior será o custo médio de produção e ganharemos mais.

O que nos interessa agora não é somente exportar etanol, mas usinas de açúcar e álcool inteiras: tecnologia, inteligência, conhecimento, logística, e é isso o que a Petrobras está fazendo. Não é só exportar etanol que é bom, mas é muito mais do que isso, é preciso gerar valor agregado e, quanto mais mercados de produção forem criados, mais confiança haverá no mundo e maior será a capacidade de avançarmos. Conseqüentemente, virá a comoditização e as parcerias necessárias.


Protecionismo agrícola: A questão é agrícola, não podemos fazer um buraco no chão e tirar álcool, tem que plantar cana, e aí entra a questão do protecionismo agrícola. O Japão tem 58% do seu PIB representado por subsídios, a União Européia tem 34%, mais abaixo, os Estados Unidos com 17% e o Brasil tem só 3% de subsídio, sob o seu PIB agrícola.

E este número só existe por causa de prorrogação de dívidas, devido a erros de governos que se sucederam no passado e ainda hoje, não atendem a agricultura adequadamente. Depois, são obrigados a criar subsídio no tesouro, para cobrir diferença de taxa de juros. Se não fosse por isso, o nosso subsídio seria menor que o da Nova Zelândia, que tem um dos menores percentuais do mundo. Como resistiremos com tarifas desta natureza?

Viabilidade econômica: Um ponto interessante a ser tratado é a viabilidade econômica. Se tivermos o preço do barril a partir de 40 dólares, a curva do gráfico mostra quanto pode ter a mistura de biocombustíveis no derivado de petróleo. Com o petróleo a 80 dólares o barril, na realidade atual, dá para misturar 50% de biocombustíveis, considerando os custos de produção que temos hoje no Brasil, inclusive para o biodiesel.

Biocombustíveis versus alimento: Tenho andado muito por este mundo. Quando fui presidente da Aliança Mundial de Cooperativas, durante um longo período, visitei 81 países, e conheço um pouco de agricultura. Não tem cabimento as afirmações de que o biocombustível vai acabar com os alimentos. Muita bobagem tem sido dita neste sentido.

De tudo o que se fala, a única coisa razoável é que a área agricultável do mundo está diminuindo, pois à medida em que a população do planeta cresce, como a terra disponível continua a mesma desde que Deus fez o mundo, é óbvio, que a quantidade de terra per capita diminui. Os preços do milho subiram nos Estados Unidos, porque estão usando uma boa parte da produção para fazer etanol.

Isso foi uma circunstância, mas o mercado já está reagindo, disponibilizando 15% a mais de milho este ano nos Estados Unidos, fazendo com que o preço do milho caia por lá. O mercado reage e vai se adequando, mas tem que ter estratégia. Existem besteiras que são ditas permanentes. A OCDE, fez um trabalho dizendo que a produção de biocombustível vai gerar problemas de alimentos no mundo. Não vai.


O que vai mudar é a geoeconomia agrícola do mundo e mudará positivamente, porque os combustíveis de origem agrícola, incluindo a celulose, serão produzidos onde tem sol, terra, água, gente e tecnologia, ou seja, nas regiões tropicais.

Acontecerá um novo balanceamento na ordem econômica do mundo, uma mudança na gestão econômica, vai descer o capital que está acima do Trópico de Câncer, e subirão biocombustíveis. Mudam as circunstâncias eventuais de alguns produtos. O biocombustível e a agroenergia mudarão a ordem econômica do mundo.

Amazônia: Temos 62 milhões de hectares cultiváveis e 220 milhões de hectares de pastagens. Temos ainda 106 milhões de terras disponíveis para a agricultura, sem falar da otimização da pecuária, citada pelo Marcos Jank.

No entanto, todo dia vem um alemão, um canadense, um japonês, dizendo que nós vamos derrubar a Amazônia para plantar cana. Isto é uma bobagem. Na Amazônia chove muito e a cana precisa de um período seco, e, se possível, frio para amadurecer, senão fica um bambu, com uma coisa salobra dentro.

“Então, vocês vão plantar cana no pasto e fazer pasto na Amazônia?” Também não. Temos 220 milhões de hectares de pastagens, dos quais 50 milhões são degradados. Desenvolvi um trabalho na Embrapa sobre a relação lavoura–pecuária, que mostra que a composição e os sistemas de produção mudarão. As pessoas costumam olhar para o futuro pelo espelho retrovisor.

Temos que olhar para frente, a tecnologia agrícola muda os conceitos e os limites da vida. De 1990 até hoje, são 17 anos, a área plantada cresceu 25% e a produção cresceu 126%. A produtividade da pecuária de corte cresceu 71%, nos últimos 13 anos. No mesmo período, a produção de frango cresceu 171%. Nenhum país do mundo fez o que conseguimos fazer com o frango.

Não precisamos derrubar mata para plantar pasto, porque a integração da pecuária com a lavoura e a tecnologia, fará a produção por hectare no Brasil crescer muito mais. A cana-de-açúcar não gerará problemas, nem com a Amazônia, nem de comida.

Promoção do álcool: Outro mito em questão é a corrosão de motores. Tempos atrás, fui a Nova York, em um seminário de advogados ambientalistas, local não muito favorável ao etanol. Fiz um discurso técnico e acabei sendo aplaudido pelo resultado. Uma participante disse que soube que no Brasil os motores a álcool são corroídos pelo etanol e que, de manhã, os carros movidos a álcool não pegavam, etc.

Eu expliquei que estes problemas aconteciam no início, quando o etanol começou, e alguns componentes de motores tinham problemas, mas a indústria automobilística investiu em pesquisa e desenvolveu tecnologias, e os eliminou. Estas idéias falsas têm que ser quebradas. Mas, como as pessoas saberão, se ninguém foi lá informá-los?

Não existe um mercado de etanol: Quero deixar como conclusão nesse Fórum, de maneira bastante objetiva que não temos mercado mundial estabelecido para o etanol. Mas, temos um mercado potencial imenso e temos a chance, pela primeira vez na história do mundo, de dominar e liderar um projeto mundial, em potencial.


Temos condições de gerar emprego, riquezas e renda no país e, com isso, transformar o Brasil. É a primeira vez na história que podemos contribuir para mudar a civilização, num negócio desconcentrado, e criar um mundo muito mais decente do que temos hoje. Temos uma chance única de liderar o processo, mas nos falta estratégia. Não temos estratégia, nem para o Brasil, nem para lugar algum.

Quanto etanol queremos produzir? Ninguém sabe. Qual é o mercado interno e qual é o mercado externo? Os potenciais, nós sabemos, mas quanto queremos fazer para ocupar esse espaço? Sob que condições comerciais? Como esse negócio vai ser estabelecido e negociado?

Qual modelo de produção teremos? Quem cuidará da logística e da infra-estrutura? A Petrobras está fazendo os programas de escoamento, mas será que são suficientes? Devem ser os únicos?

Será que não temos que fazer uma parceria com o setor privado e trabalhar mais adequadamente a logística e a infra-estrutura juntas? Quem banca a estocagem?

Esta é uma conversa eterna, pois dizem que o preço do produto agrícola na entressafra subirá e na safra cairá, mas tem que se criar regras de estocagem. Que as bolsas de mercadorias entrem e resolvam este problema. Outra questão é o zoneamento, que já está sendo cuidado pelo Ministério da Agricultura.

Mas e o financiamento? De quem para quem, como e quanto?  A alcoolquímica é outro tema que temos que cuidar. Que atenção estamos dando a este assunto? E as parcerias com outros países? Quem serão nossos parceiros, para difundir o álcool no mundo? Qual é o nosso papel? Qual é o nosso interesse? Todas estas questões requerem um plano estratégico de longo prazo. Para quais delas temos um plano negociado, acertado e definido?

Recursos Financeiros: Temos a melhor tecnologia tropical do planeta, porém a tecnologia não é um negócio estático, mas sim, dinâmico. Se não puser dinheiro, não anda. Os americanos estão colocando US$ 1,6 bilhão na pesquisa do etanol de celulose. Daqui a dez anos, eles nos engolirão, porque estamos colocando R$ 100 milhões no Centro de Agroenergia da Embrapa. Isso não é nada. Se não tem dinheiro do governo, a iniciativa privada precisa fazer investimentos. Quem se beneficia diretamente com isto?

Somos nós que nos beneficiamos com este processo. Eu sou presidente do Conselho do Agronegócio da Fiesp e estou trabalhando na criação de uma EPE, uma empresa específica de agroenergia, onde o setor privado coloca dinheiro em uma sociedade, com a Embrapa, o Instituto Agronômico, entidades ligadas às áreas de pesquisas, em universidades, etc., para desenvolver programas de pesquisas, que melhorem a qualidade do produto, a produtividade agrícola, usando o bagaço, a folha de cana, mudando as máquinas de colheita, para recolher a folha num container específico. Enfim, são áreas que exigem pesquisas e sem dinheiro nada poderá ser feito.

Recursos Humanos: Também quero propor atenção aos recursos humanos, pois não se faz nada sem pessoas. Em 1947, o Presidente Dutra percebeu que havia um nicho de mercado para fazer açúcar no mundo. Então, ele autorizou quem tinha esse vácuo a fazer usina de açúcar.

Aqui na região, surgiram várias usinas, com um líder que se chamava Maurílio Biagi, um homem extraordinário, que tinha uma visão estratégica, e que ajudou muita gente a montar usina de açúcar, inclusive o meu pai. Meu pai era gerente de uma fazenda de café e laranja, perto de Guariba, e propôs aos donos da fazenda, a família Prado Chaves, a montagem de uma usina de açúcar.

Eles fizeram o projeto, mas como chegaram atrasados, já tinham várias usinas na região e não havia mais gente para trabalhar. Então, meu pai mandou um sujeito chamado Zé Batata para o Alagoas, para trazer 20 pessoas: um técnico em moenda, um técnico em armazém de cana, um técnico de transporte, um técnico em caldeira, etc. E assim, montaram a usina que se chamou São Martinho, e foi a maior usina durante muitos e muitos anos.




Qual foi o segredo? Tinha gente competente e capaz para fazer as coisas. Onde estão as pessoas para tocar estes novos negócios? Existem mais de 100 projetos novos por aí afora no Brasil e cadê gente para isto? Estou arvorando-me no Zé Batata do século XXI. Criei, na GV, em parceria com a Embrapa e com uma escola de Piracicaba, o primeiro curso de mestrado de agroenergia. Ele funcionará, a partir do ano que vem, preparando gente para montar esse projeto gigantesco, que permitirá, ao Brasil, mudar a civilização, com liderança, consciência e competência.

Proposta Final: Quero que a gente saia daqui do Fórum com uma proposta que seja enviada ao Governo Federal. Temos onze Ministérios que cuidam de agroenergia no Brasil: Ministério da Agricultura, Reforma Agrária, Meio Ambiente, Indústria e Comércio, Ciência e Tecnologia, Minas e Energia, Casa Civil, Itamaraty, Fazenda, Trabalho, Planejamento e mais a ANP, a Petrobras, a Embrapa, o Inmetro e dezenas de universidades e instituições dos estados.

O que está faltando? Integração. Uma conversa entre toda esta gente, que dê uma linha estratégica para o Brasil e que esta linha seja negociada com o Paraguai, Argentina, Colômbia, Caribe, África, Ásia, Europa, Estados Unidos. Temos que buscar um projeto universal e estratégico, que permita mudar a civilização. Enfim, minha proposta é que o Governo e o setor assumam a consolidação de uma Secretaria Executiva, que cuide da agroenergia do Brasil, sem intervenção, mas que dê as regras para que o produto privado possa funcionar adequadamente.