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Maria Carolina Ometto Fontanari

Presidente do Grupo USJ

Op-AA-55

Um futuro promissor
Vivemos, atualmente, um momento de expectativas positivas quanto ao futuro do setor sucroenergético no Brasil, porém o caminho a percorrer ainda é longo e com vários desafios a serem superados. O preço da gasolina no mercado interno, na última década, manteve-se abaixo da cotação internacional, penalizando os produtores de etanol brasileiros. Isso é particularmente penoso quando consideramos os vultosos investimentos do setor nos últimos 15 anos, elevando a produção de cana de 300 milhões de toneladas/safra para 600 milhões de toneladas/safra no período. A construção de novas plantas – a maioria delas, pequenas destilarias autônomas – permitiu dobrar a produção de etanol, passando de 15 bilhões de litros em 1997 para 30 bilhões de litros em 2016.
 
Enquanto isso, os custos foram fortemente impactados pela inflação setorial, principalmente mão de obra, insumos, equipamentos agrícolas e industriais, além dos desafios inerentes à exploração de novas fronteiras de produção em estados como Goiás e Mato Grosso.

Ao longo dos anos, o setor perdeu margens e competitividade graças a uma combinação nefasta: de um lado, uma política equivocada de congelamento de preços e, de outro, o aumento dos custos de produção e logística. Isso contribuiu também para que o endividamento das empresas alcançasse níveis bastante críticos. A crise econômica e política vivida no Brasil desde 2015, com a percepção negativa  do chamado risco país, alta de juros e restrição ao crédito de forma geral, trouxe dificuldades adicionais para um setor que já vinha sofrendo com seus próprios fundamentos. 
 
Esse ambiente prejudicial, de preços artificialmente baixos e de interferência do governo no mercado de combustíveis, atingiu também a própria Petrobras, que viu seu fluxo de caixa piorar e o endividamento crescer, limitando sua capacidade de investimento. Entretanto, após bons anos enfrentando todo tipo de adversidade, começamos a enxergar um cenário mais promissor baseado nos seguintes pilares:

• Metas para redução das emissões GEE (gases do efeito estufa) estabelecidas na COP21, em Paris
• Crescimento econômico global forte, demandando commodities de maneira geral
• Os preços do petróleo devem operar em patamares mais altos nos próximos anos
• Demanda crescente por combustíveis para motores do ciclo Otto (motores a gasolina, etanol, flex ou convertidos para gás natural) no Brasil, acompanhando reação da economia nacional 
• Política de preços de mercado implantada na Petrobras • Programa RenovaBio, aprovado e em fase de regulamentação. 
 
O RenovaBio é uma política de Estado que tem como meta a descarbonização do transporte, com a substituição crescente de combustíveis fósseis (como a gasolina e o diesel) por combustíveis de origem renovável. Alinhado com os compromissos que o Brasil assumiu na Conferência do Clima (COP21) em 2015, o RenovaBio recompensa o produtor de biocombustíveis, estimulando-o ao engajamento nos compromissos ambientais, sem a busca de subsídios públicos.

Dois pontos fundamentais guiam o programa: a meta de reduzir em 37% as emissões de gases de efeito estufa até 2025 (ampliando para 43% em 2030) e ter 18% da matriz energética brasileira composta por energias renováveis. É importante observar que o RenovaBio conta com ampla plataforma já estruturada pela indústria do setor de etanol de cana-de-açúcar, mas abre espaço para o etanol de outras culturas, como milho e sorgo, além de diversas matérias-primas utilizadas na produção do biodiesel.
 
Novos players já estão se posicionado em regiões produtoras de grãos, investindo na produção de etanol a partir de milho e sorgo, principalmente. Entre os pioneiros nessa iniciativa, está o Grupo USJ, por meio de suas operações em joint venture com a Cargill, na SJC Bioenergia, em Goiás. A Usina São Francisco, em Quirinópolis, foi pioneira ao conceber uma planta flex, que permite a utilização de cana e de grãos (milho e sorgo) para produzir etanol, fibra, proteína e óleo de milho.
 
Para tanto, a SJC Bioenergia tem, na planta da Usina São Francisco, uma unidade de processamento de grãos operando desde 2016. Sua capacidade é de processar 1,6 mil toneladas de milho por dia, o que equivale ao faturamento anual de uma destilaria tradicional que processa 2 milhões de toneladas de cana por safra. Esse é apenas um exemplo de como é possível ganhar competitividade e melhorar a rentabilidade dos ativos, que passaram a operar praticamente o ano todo. 
 
Uma vez confirmado o espaço dos biocombustíveis renováveis na matriz energética brasileira, os investimentos necessários para suportar o crescimento da produção de etanol serão expressivos, e o setor deverá voltar a atrair investidores financeiros e estratégicos, abrindo espaço para consolidações, fusões e aquisições. Como referência da magnitude desse programa para aumentar a capacidade industrial para produzir todo o etanol previsto até 2030, seria necessário um investimento da ordem de R$ 100 bilhões.
 
Gerar emprego e renda no campo, potencializar a indústria de máquinas e equipamentos para atender a novas plantas e fomentar novas tecnologias serão outros benefícios do RenovaBio, além dos ambientais. Ainda há necessidade de um decreto que determine as responsabilidades de ministérios, agências de fiscalização e outros agentes envolvidos no processo, especialmente no que diz respeito a regulamentações. Tendo essas definições, certamente o programa caminhará sob uma ótica mais técnica e comprometida, reduzindo a influência política e governamental.
 
Uma das ferramentas que trará amadurecimento e dinamismo ao sistema é a adequada valorização dos Créditos de Descarbonização de Biocombustíveis (CBios). Isso vai elevar a sustentabilidade dos processos, estimulando a capacidade produtiva e a aplicação de novas tecnologias para ganhos de eficiência. Aí sim poderemos enxergar um cenário em que o setor retome sua competitividade de forma sustentável.  
 
Na visão de curto prazo, pode-se concluir que, para que o mercado volte a ser promissor para o setor sucroenergético, são fundamentais os preços sustentados de petróleo e a manutenção da política atual de preços da Petrobras. Em um momento em que o mercado internacional de açúcar está com intensa oferta, levando à redução de preços, as usinas devem destinar mais cana para a produção de etanol, ainda sem a necessidade de expansão do canavial.

Olhando para o futuro, com o RenovaBio entrando em vigor em 2020, estamos novamente diante de uma perspectiva de demanda muito positiva para o etanol, e as empresas refletirão isso em seu planejamento estratégico para os próximos anos. Entraremos, então, na fase de expansão da capacidade produtiva, assim como no desenvolvimento de novas tecnologias, buscando os ganhos ambientais que serão valorizados através dos CBios. Vale lembrar que esse crescimento vem acompanhado também de maior oferta da energia elétrica gerada a partir da biomassa (bagaço + palha da cana). 
 
Com essa plataforma estabelecida, é possível considerar que o Brasil será capaz de acompanhar a evolução de novas tecnologias: inicialmente, com o ganho de eficiência dos motores a combustão flex, passando pelo híbrido flex e, posteriormente, quem sabe, à tão esperada célula de combustível movida a etanol.  
 
Por fim, é inegável que o setor vive um momento de reconhecimento das suas competências e contribuições, figurando como um importante player para que o País continue sendo referência na baixa emissão de CO2 por habitante e assegurando ao Brasil a posição de matriz energética mais limpa do mundo.