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Roberto Rodrigues

Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV

Op-AA-30

Um projeto de interesse mundial

Hoje, faço parte de nove conselhos acadêmicos no mundo inteiro, na Europa, na Ásia e nos EUA. Tenho a oportunidade de conviver com gente muito competente. Nós temos muitos documentos, muitos livros publicados, estudos acadêmicos sérios explicando as razões pelas quais grandes impérios ruíram.

Por que ruíram o Império Romano e o Império Britânico, por que aconteceram a Revolução Soviética e a Revolução Francesa? Um ponto de convergência em quase todas as avaliações é o momento em que os líderes dos países ou dos movimentos importantes se descolaram do interesse popular.

É o momento em que a cabeça se separa do corpo, e a liderança se perde. A Argentina, um século atrás, era a quarta economia do planeta. Em 1950, seu PIB era igual ao do Brasil. Hoje, é igual ao PIB do interior do estado de São Paulo. A China e a Índia, em 1850, tinham 50% do PIB mundial; hoje, têm um terço da população do planeta, ambas vêm crescendo, mas perderam a velocidade que tinham.

Por que os países perdem o trem da história? Eu tendo a imaginar que a razão seja a mesma: seus líderes não compreenderam os movimentos sociais, econômicos e políticos e entraram pelo caminho errado, e o país perdeu a condição de avançar. Por que eu estou tratando dessa questão? Porque, nas viagens que tenho feito, uma das coisas que mais me impressionam é a recorrente informação de que o mundo não tem líderes.

Havia uma grande expectativa de que o presidente Obama se tornasse o grande líder mundial, mas as condições econômicas dos EUA impediram, e, hoje, ele está sem prestígio até dentro do seu país. Na Europa, Sarkozy não tem liderança nem dentro da França. Inglaterra? Tem gente que pensa que o primeiro-ministro da Inglaterra fez o filme Avatar.

Não vamos falar da Itália, da Espanha, de Portugal, pois suas dificuldades são enormes. A Alemanha tem uma líder importante, mas sem presença global significativa. O Japão muda de primeiro-ministro a cada seis meses.  China, Índia, Rússia, países muito importantes, fortes, porém com problemas internos de tamanha magnitude, não conseguem olhar para fora.

Até mesmo a ONU perdeu o protagonismo, não consegue tomar conta de nada. O mundo não tem rumo, por quê? Porque, com a economia globalizada, os líderes de seus países perderam a capacidade de intervenção nos processos globais, porque quem dá o rumo é a finança. E finança não tem doutrina, filosofia, religião ou pátria. Finança só se preocupa com a própria perpetuação e multiplicação.

Se não temos liderança, como é que nós podemos definir um rumo para o nosso planeta e um futuro para a humanidade? A proposta é trabalharmos um projeto de interesse global, sobre o qual se debrucem ricos e pobres, africanos e europeus, asiáticos e americanos. Qual é o projeto de interesse universal? A discussão no mundo todo é sobre preço de alimentos, que vai faltar comida.

A fome é um problema dramático: um homem com fome é um homem bravo; um homem cujos filhos têm fome é um revolucionário; e, se a fome é uma questão central, debelá-la passa a ser um projeto de caráter e interesse mundial.

A OCDE divulgou um estudo sobre a oferta mundial de alimentos para os próximos dez anos: é preciso fazê-la crescer 20% para que a fome não aumente. A UE vai crescer só 4%; Austrália, 7%; Canadá e EUA, entre 10% e 15%; China, Índia, Rússia e Ucrânia, 26%; e o Brasil, 40%!

Não é uma fala brasileira, é um estudo de uma respeitada organização acadêmica. A OCDE está dizendo: “Brasileiros, para que o mundo cresça 20%, vocês têm que crescer 40%”! O mundo está dizendo: “Brasil, venha nos ajudar, senão vamos perder a paz e a democracia por causa da fome planetária”! Pior.

Da mesma forma como se fala que a demanda por alimentos vai crescer 20% em 10 anos, a de energia é maior ainda, por uma razão óbvia: Japão, UE e EUA somados têm 61 carros para cada 100 habitantes; a China e a Índia, com um terço da população do mundo, têm 3 carros para cada 100 habitantes.

Ora, a renda dos chineses e indianos vai aumentar. Eles já estão comendo, vão precisar de mais comida ainda, mas de energia, muito mais. Eles não têm carro. A China é o país que mais comprou carro nos últimos anos. Vão precisar de combustível e eletricidade. Há países inteiros na África que têm menos eletricidade que Sertãozinho.

É evidente que o petróleo não será suficiente para atender à demanda, então os biocombustíveis, a bioeletricidade, a cogeração têm um caminho enorme pela frente. Que projeto poderia ser de interesse de todos os povos, de todos os países do mundo? A “Segurança Alimentar e Energética Sustentáveis”. E a palavra “sustentáveis” entra nessa questão com vigor imenso, com enorme representatividade.

O Brasil já deu essa resposta: nos últimos 20 anos, a área plantada com grãos cresceu 30%, e a produção cresceu 179%, seis vezes mais! Quando eu cito esse número lá fora, todo mundo fica boquiaberto. Hoje, temos 49 milhões de hectares plantados com grãos; se tivéssemos a mesma produtividade de 20 anos atrás, precisaríamos de mais 53 milhões.

Mais do dobro. Isso é sustentabilidade, não é baboseira ambientalista, nem romancismo; isso é pragmatismo, nós fizemos a revolução ambiental sustentável via tecnologia tropical mais eficiente do planeta; e é por isso que o Brasil é a bola da vez, e é por isso que a OCDE diz: “Vocês, brasileiros, é que têm a condição de suprir essa demanda do mundo, porque têm terra disponível, tecnologia tropical e gente competente”.

Então, pergunto: estamos prontos para assumir essa responsabilidade? O trem da história vem vindo e nós estamos jogando truco na estação. Não temos estratégia nenhuma, ao contrário, os sinais que temos recebido: estrangeiros não podem comprar terra, o Código Florestal não pode permitir avanços, proibições de toda natureza na área trabalhista; os sinais que recebemos não são para sermos o maquinista do trem.

Estamos sendo chamados pela história global para construirmos a ferrovia e mostrarmos o rumo do futuro, com um projeto mundial de interesse de qualquer cidadão do planeta. Na área da agroenergia, só o que fazemos com o etanol já vale uma fábula para o interesse mundial. Somos criticados e combatidos, claro. Há dez anos, o Brasil exportou US$ 21 bilhões no agronegócio; no ano passado, US$ 76 bilhões, ocupando os espaços de um monte de países do mundo. Se crescemos desse tanto, é porque algum ficou para trás.

Temos adversários, mas, na academia e na política de alto nível do mundo, o Brasil é visto como o país que tem a resposta para dar ao mundo.
Estamos prontos? Claro que não. Tecnologia, gente e terra? Temos. Política de renda, logística e estrutura prontas, política comercial, defesa sanitária? Zero. Há seis anos eu digo: é necessário uma Secretaria Nacional de Agroenergia.

A agroenergia tem o horizonte que muda a geopolítica global; os países tropicais que fornecem energia para o resto do mundo criam uma riqueza nos países mais pobres, fundamental para o processo de desenvolvimento planetário. Se nós podemos liderar essa questão, é essencial haver uma secretaria cuidando disso.

Há 12 ministérios cuidando de agroenergia, com pessoas sérias, competentes, patrióticas, mas que não conversam umas com as outras, sem considerar ANP, Petrobras, Inmetro, Embrapa, ANA e mais 150 instituições ligadas ao agronegócio de energia no Brasil.

Há três anos, tentei instalar a primeira empresa de proposta específica em agroenergia. Eu criei o Centro de Agroenergia da Embrapa. Como a Embrapa é o líder nacional do sistema brasileiro de investigação científica, tivemos a ideia de construir um grande projeto de tecnologia para evitar a dispersão de recursos materiais e humanos. Não consegui. E, agora, a Petrobras Biocombustível está investindo R$ 400 milhões em pesquisas.

Nós temos o IAC, temos o CTC. Vamos fazer juntos! Eu montei, na Getúlio Vargas, o primeiro mestrado mundial em agroenergia. Um mestrado fantástico. Quantas usinas enviaram seus gestores para o curso? Pouquíssimas. Aprender gestão por quê?

Infelizmente, o setor não se articula, porque é uma tribo de caciques, não tem índios, só tem caciques. E cada cacique quer falar sozinho com a presidente, com o ministro, com não sei quem. Nós temos organismos de representação poderosos aqui no Brasil, mas há pessoas que vão sozinhas falar com a presidente, porque têm acesso. É necessário articulação. Um setor dessa importância não tem estratégia. A culpa é do governo? Não, a culpa é nossa.

Não temos a capacidade de ter unidade, de ter visão de longo prazo, de enxergar que o mundo espera de nós muito mais do que o problema da seca e da chuva, deste ano e do ano passado.

O mundo nos espera, pela primeira vez na história, e não é fofoca de política. Ninguém virá nos pedir para produzir etanol; nós é que temos que falar: “Estamos prontos para produzir comida, alimentos, fibras e energia para o mundo inteiro”. Olhar para frente e fazer uma estratégia que interessa ao Brasil e ao mundo. Vamos ter um mínimo de humildade, de companheirismo, de solidariedade e construir a estratégia de um projeto de interesse mundial, que fará do Brasil o líder do mundo! Não é ambição maluca, faço isso há 50 anos.

Chega de cacique falar sozinho. Que o microfone vá para um cacique, aquele que nos representa de verdade. Que fale com Deus e com o mundo e consiga montar aquela estratégia que faça de nós um herói mundial. Vamos fazer esse Brasil maior. É o que esperam de nós.