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Ailton Moraes Sacramento

Diretor de Exportação da Ed & F Man Brasil

Op-AA-37

Cenários & perspectivas

O recente desenvolvimento da indústria brasileira de açúcar e etanol pode ser dividido em duas fases marcantes. No período de 2005 a 2009, o setor obteve crescimento da produção de cana em cerca de 10% ao ano, estimulado pela expectativa de expansão da demanda interna de etanol e pelo incremento das exportações do produto ao mercado mundial. 

Nesse período, um número em torno de 100 projetos greenfield foi construído na região Centro-Sul do País, com grande concentração no estado de São Paulo, seguido por Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, regiões classificadas como “nova fronteira”. Abundância de capital, disponibilidade de terras menos valorizadas e estímulos fiscais estaduais atraíram a execução das novas unidades, a maioria iniciando as atividades como destilarias autônomas. 

A partir de 2008, ocorreu reversão no fluxo de investimentos, causada pela crise financeira que assolou o cenário mundial, afetando seriamente as economias de diversos países, particularmente a dos EUA e da União Europeia. A crise financeira afetou sensivelmente o desempenho da atividade agrícola. Programas envolvendo tratos culturais, utilização de insumos e renovação de canaviais deixaram de ser cumpridos por força de escassez de capital financeiro. 

As empresas também sofreram impactos causados por fatores climáticos negativos, como ocorreu na safra 2011/12, quando a conjugação de chuvas atípicas durante o inverno e geadas contribuiu para afetar seriamente o rendimento agrícola. A quebra representou redução de 64 milhões de toneladas de cana em relação à moagem da safra 2010/11 na região Centro-Sul, número equivalente a aproximadamente 2 vezes a produção da Austrália. Contudo o crescimento das exportações de etanol não se consolidou, o principal motivo deveu-se à falta de programas por parte dos países potenciais compradores visando promover a utilização desse combustível na matriz energética. Assim, no período de 2010 a 2013, um número inferior a 20 unidades entrou em funcionamento no processo de produção. 

Além disso, o preço de comercialização do hidratado atrativo ao consumidor final está limitado a cerca de 70% do preço da gasolina. Como este último permaneceu praticamente congelado por longo período, as margens operacionais dos produtores ficaram prejudicadas. O processo de expansão e crescimento da produção foi desenvolvido, em grande parte, através de financiamentos do BNDES e bancos privados e contribuiu, como consequência, para aumentar o grau de endividamento do setor. 

A adaptação às novas práticas operacionais do setor agrícola, resultantes do processo de mecanização, também representou um obstáculo a ser vencido. No campo trabalhista, houve necessidade de investimentos por causa de treinamento, aumentos reais de salário para atender melhor à qualificação da mão de obra e acordos sindicais. 

Por tais razões, há evidências de que um contingente importante das empresas não vem apresentando margens operacionais positivas nos últimos anos, impedindo o cumprimento das suas obrigações de curto prazo e restringindo a capacidade de crescimento. As destilarias autônomas, que representam algo em torno de 14% do total disponível de cana, foram as mais afetadas. 

A pergunta que se faz é: Quais são as perspectivas de médio prazo para o setor? Do lado da demanda, há base sustentável para se projetar crescimento do consumo interno de etanol, atingindo a 41 milhões de m3 em 2020. Na exportação, as possibilidades de incremento não são tão evidentes, por depender de atos regulatórios por parte de países e/ou blocos econômicos. Ainda assim, o potencial estimado chega a 3 milhões de m3 em 2020. 

Quanto ao açúcar, projeta-se, para o mesmo ano, o total de vendas de 14 milhões de toneladas ao mercado interno e 36 milhões ao externo. O crescimento da exportação é estimado, suprindo cerca de 50% da variação do volume físico negociado pelo mercado internacional. Consideram-se, também, as limitações das capacidades de produção dos principais competidores, Índia, Tailândia, China, Austrália e União Europeia. Nesses países, escassez de recursos naturais, nível de escala de produção e necessidade de subsídio representam fatores que contribuem para posicionar o Brasil em vantagem competitiva. 

Assim sendo, para atender ao suprimento desses mercados, é possível estimar a necessidade de produção de 1 bilhão de toneladas de cana, 50 milhões de toneladas de açúcar e 44 milhões de metros cúbicos de etanol em 2020. Contudo a garantia de suprimento dessas demandas depende da consideração de dois fatores: o político e o econômico. O primeiro é fundamental na definição do segundo. No campo político, torna-se imprescindível o Governo estabelecer um plano diretor visando garantir sustentabilidade ao setor. 

Algumas premissas básicas devem ser contempladas. A primeira seria mensurar a atividade, levando-se em conta sua contribuição no campo socioeconômico. A cana-de-açúcar é uma cultura de longo ciclo, geradora de três produtos básicos, açúcar, etanol e energia. Ela é desenvolvida com tecnologia nacional, tanto na área agrícola quanto na industrial, e é basicamente custeada em Real, uma vez que a necessidade de importação está limitada ao contingente de alguns insumos e defensivos agrícolas. 

Apesar de ainda haver espaço para o aumento da produtividade agrícola nacional, é inegável o progresso ocorrido na última década, considerando a extensão e a diversidade das condições de solo da área explorada. Na safra 2000/2001, para uma produção de 207 milhões de toneladas, a média da região Centro-Sul alcançou 73 t/ha, chegando a 84 t/ha em 2009, com produção de 542 milhões de toneladas de cana. Essa produtividade é competitiva quando comparada com a de outros países produtores, como indicam dados da safra 2012: Austrália > 79/ha; Tailândia > 77/ha; África do Sul > 64/ha e Índia > 63/ha. 

O Brasil é o maior exportador mundial de açúcar, com participação de aproximadamente 51% do volume negociado mundialmente. No ano de 2012, as vendas ao mercado externo alcançaram US$ 12,8 bilhões. As exportações de etanol, no mesmo período, totalizaram US$ 2,1 bilhões, representando importante contribuição para a balança comercial. No campo social, a maioria dos grupos produtores tem contribuído para a melhoria das condições de trabalho dos empregados de campo, aumentando a renda individual por força do programa de aperfeiçoamento de qualificação profissional requerido pelo processo de mecanização. Muitas oferecem assistência residencial, educacional e médica. 

A segunda premissa deve levar em conta o aspecto ambiental e de sustentabilidade. Nesse sentido, considerar os efeitos positivos ao meio ambiente, como recuperação de matas ciliares, preservação das margens dos rios e outros, resultado das regras impostas pela legislação para exploração da atividade em áreas específicas. Levar em consideração as vantagens da utilização do etanol como combustível quando comparado à gasolina, principalmente na área de emissão de CO2 além da contribuição da energia produzida pelo bagaço da cana. Segundo um especialista, “em plena capacidade de produção, todas as usinas juntas poderiam gerar 15.300 megawatts, o equivalente a pouco mais de uma Itaipu”. 

E quais seriam as sugestões de medidas a serem adotadas para propiciar ao setor capacidade de ganho operacional, recuperação da saúde financeira e sustentabilidade da atividade no longo prazo?

 

  • Restabelecimento do imposto de 7% (CIDE) aplicável às vendas de gasolina. O aspecto ambiental por si só já justifica. 
  • Manter, por longo prazo, a tarifa ZERO de PIS/COFINS nas vendas de açúcar e etanol por parte das  usinas. 
  • Unificar o ICMS de 12% nas vendas de etanol em todos os estados da federação. 
  • Reduzir a carga tributária sobre equipamentos destinados à construção de novas unidades.

O eventual argumento de “perda de arrecadação” merece reparo porque, no longo prazo, a desoneração direta será mais do que compensada pela arrecadação indireta, proveniente da sustentabilidade de toda a cadeia produtiva. Por último, cabe também ao setor ampliar o trabalho institucional, objetivando esclarecer a opinião pública sobre as vantagens do combustível verde versus combustível fóssil, destacando a contribuição que a atividade vem desempenhando no campo socioeconômico e ambiental. Por razões culturais, a população brasileira ainda possui imagem negativa dos chamados usineiros, e esse fator tem certo peso no consumo doméstico do etanol hidratado.