Diretor da Biocontal
Op-AA-37
O desempenho de uma planta de fermentação para produção de etanol a partir de sacarose de cana-de-açúcar baseia-se em um tripé formado pelas: características das instalações da unidade industrial, da matéria-prima processada e do microrganismo agente empregado (fermento). Para que se atinja um desempenho satisfatório, é necessário o controle das variáveis que formam o tripé. A falha de qualquer uma das variáveis abala o desempenho do processo como um todo.
É comum vermos, em determinada unidade, uma enorme preocupação com as linhagens de levedura presente no processo e nenhuma com a matéria-prima utilizada no preparo do mosto. Em outras, uma preocupação exagerada com a operação da planta e nenhuma atenção ao fermento e/ou com a matéria-prima utilizada nele. O que define o desempenho da planta é o equilíbrio entre esses três fatores.
Baseando-se no exposto, fica claro que, para cada instalação, utilizando uma dada linhagem de levedura, consumindo uma dada matéria-prima, o desempenho será diferente de outras unidades operando de forma distinta. O importante é saber se o desempenho atingido nessa unidade para essas condições é satisfatório ou não. Esse é um ponto muito importante e deve ser muito bem analisado, começando pela escolha do parâmetro a ser utilizado para definir o desempenho da planta.
Geralmente, em uma unidade de transformação ou biotransformação, o parâmetro avaliado é o rendimento e a produtividade do processo. Então, para avaliar o processo de produção de etanol por via fermentativa, é necessário utilizar o rendimento fermentativo. Nos processos de conversão química, o rendimento de um processo é obtido através da relação mássica produto/reagente, vinculado ao fator estequiométrico da reação. Acredito que ele deve ser utilizado para a fermentação alcoólica, deixando de lado as formas indiretas de obtenção de rendimento fermentativo, tais como a por subproduto, que, quase sempre, não representa a realidade do processo.
Como na indústria sucroalcooleira brasileira são poucas as unidades que fazem essa medição com critério, fica difícil definir qual é o desempenho de uma dada planta operando naquelas condições, e, com isso, a grande dificuldade para a criação de um parâmetro de referência para saber se o desempenho é ou não satisfatório. Sendo assim, o primeiro passo para podermos avaliar qual é o desempenho adequado para cada planta passa, primeiro, pela determinação de qual deveria ser seu desempenho máximo, ou mesmo qual é seu desempenho atual real. A partir dessas considerações, podemos partir para a discussão, de forma isolada, de cada uma das bases do tripé que define o desempenho de uma planta, expressando minha opinião de onde estamos e para onde vamos.
Instalações industriais: As plantas de fermentação alcoólica evoluíram muito ao longo dos anos, sendo que as plantas recentes têm investido pesado na limpeza e no controle de microrganismos contaminantes, além da padronização dos procedimentos operacionais. Os biorreatores (dornas) têm sido projetados com design mais adequado, de forma a facilitar a agitação e a limpeza e evitam acúmulo de material em seu interior. Sistema de limpeza de tubulação e equipamento sem que seja necessário desmontar o mesmo (Clear In Place, CIP) são cada vez mais comuns nas plantas de fermentação das destilarias brasileiras.
Além disso, a melhor compreensão da cinética de biotransformação dos diferentes açúcares encontrados no meio fermentativo (glicose e frutose) em etanol possibilitou o desenvolvimento de algoritmos de controle, já utilizado por muitas unidades, que lhes possibilitam operar em estado estacionário, sem grande intervenção do operador, independentemente do tipo de processo utilizado: contínuo ou batelada. Ou seja, pode-se dizer que, para as plantas modernas, onde não se tem limitações de equipamentos e dotada de um bom nível de controle, não é esperado perda de desempenho devido às instalações industriais, com ressalvas em caso de acidente ou erro operacional grosseiro. Dessa forma, considero essa base do tripé segura.
Matéria-prima: Desde o início de minhas atividades neste setor, 26 anos atrás, a minha única certeza é a de que a matéria-prima vai variar, não somente ao longo da safra, mas de uma safra para outra. Esse é um fator sobre o qual não temos controle, uma vez que dependemos da qualidade da cana, que, por sua vez, depende de fatores climáticos, das características do solo, dos tratos culturais e outros, cujo controle não está a nosso alcance. Além das variações vinculadas à qualidade da cana e das operações do setor agrícola, ainda temos, dentro da própria indústria, fatores que causam variação significativa na qualidade da matéria-prima utilizada na fermentação.
É do conhecimento dos técnicos do setor que fermentar caldo de cana concentrado é muito mais fácil que fermentar melaço, mas por quê? Essa pergunta, muito comum nas discussões sobre o assunto, surge, principalmente, porque a quantidade de nutriente em relação ao açúcar contido no mel é maior que aquela presente no caldo evaporado, o que causa a falsa impressão de que o melaço seria um substrato de melhor qualidade para a levedura.
Apesar de esse fato ser verdadeiro, o problema do melaço está na presença de grande quantidade de substâncias com capacidade de inibir o desenvolvimento normal da célula de levedura, sendo que uma boa parte delas é gerada na fábrica de açúcar por destruição térmica dos açúcares redutores (glicose e frutose). Em tempos de preço alto do açúcar no mercado, esse fato se agrava, e a unidade de fermentação passa a ser tratada como uma estação de tratamento de resíduo da fábrica de açúcar, processando tudo aquilo que não pode ser recuperado em açúcar. É previsível que o desempenho de uma unidade operando com essa matéria-prima seja diferente daquele obtido por ela quando processa caldo de cana.
Traçando um paralelo com os seres humanos: um homem apresenta problemas sérios de saúde em função do tipo de alimento que ingere; as células de levedura tendem a ser menos saudáveis quando as alimentamos com matéria-prima inadequada. Muito dos problemas ocorridos no processo fermentativo durante a safra, com perda de desempenho do processo como consequência, tem como causa a qualidade da matéria-prima utilizada. Das três bases do tripé, considero esta a que mais desestabiliza o processo.
Agente de transformação: As linhagens de levedura presentes em um processo industrial devem apresentar características fermentativas satisfatórias que consiste em converter rapidamente os açúcares em etanol com rendimento satisfatório. O desejo de se encontrar uma linhagem única que apresente um desempenho acima da média que possa ser utilizado em todos os processos, durante toda a safra e para todas as safras, esbarra em algumas características do processo de fermentação alcoólico das destilarias brasileiras. O primeiro deles é que os processos são abertos, do ponto de vista microbiológico, ou seja, não é possível evitar a entrada de microrganismos contaminantes (bactérias e leveduras) às dornas de fermentação. Essa característica permite que ocorra uma disputa entre as linhagens de levedura nativa e as utilizadas como inóculo.
O outro ponto é a variação que ocorre nas condições de operação da planta ao longo da safra e de uma safra para outra, em uma mesma unidade e de uma unidade para outra. Para que fosse eleita uma única linhagem a qual pudesse ser utilizada em todas as unidades ao longo de toda a safra e em todas as safras, esta precisaria apresentar uma capacidade de adaptação a todas as condições de processo melhor que todas as linhagens nativas que, por ventura, estivessem presentes no meio fermentativo, o que é pouco provável que ocorra.
Utilizar uma linhagem isolada da própria unidade na partida da planta é mais interessante do que uma linhagem isolada em outra, mas isso não garante que ela dominará o processo. Isso pode ser comprovado pelos estudos realizados com as linhagens selecionadas disponíveis no mercado, onde a CAT, isolada da Usina Catanduva, dificilmente permanece, como dominante, mais que 3 meses em processo nessa usina. Felizmente, para nós, a quase totalidade das linhagens isoladas de processos fermentativos trabalhando com concentração de etanol acima de 7,0 GL e em concentrações acima de 106 UFC/ml apresentam características fermentativas satisfatórias para uso industrial.
Com base no exposto, a presença de mais de uma linhagem em processo não deve ser visto como algo negativo, pois, em caso de variações repentinas das condições operacionais, uma das linhagens presentes pode se adequar melhor às novas condições e manter o processo funcionando. Sendo assim, considero esta base do tripé importante, mas de risco moderado.