Diretor do Instituto de Economia Maurílio Biagi
Op-AA-38
Governar é uma combinação sutil de administração – que é uma ciência – com política, também ciência, mas costumeiramente definida, por estudiosos, como arte.
Aliás, política é também a arte de se atingir o bem comum. Para muitos, no entanto, “política é a arte de usar a palavra para esconder o pensamento”. Tem muito de teatro. Afinal de contas, representa-se no teatro, enquanto se tem representantes no parlamento. O falecido deputado federal Carlos Lacerda – grande tribuno – costumava dizer que “em política, até o ódio é fingido”. Ela tem origem na polis grega. Polis quer dizer “cidade”. Portanto, política é a arte de administrar a cidade.
Como a política surgiu em função da necessidade de se administrar a polis, para se saber – na sequência – qual a primeira consequência, vamos rastrear a palavra. Repetimos: depois de polis – por necessidade –, veio política. Depois de política – também por necessidade –, surgiu polícia. Será por acaso? Não. Nada acontece por acaso. O senador romano Marcus Tulius Cicero chegou a sintetizar que “política é a escola do crime”. Isso da tribuna parlamentar, no ano 44 da era cristã. Portanto há dois mil anos. Entre nós, não raro, política aparece como uma variável do crime.
É mais ou menos semelhante à sequência de termos que obtemos com a palavra “síndico”. É com síndico – com seu espírito – que se faz sindicato. Depois, na sequência e por necessidade –, aparece a palavra “sindicância”. Certamente, porque há coisas escondidas, que carecem de vir à tona.
Do equilíbrio das duas – administração e política –, é que pode resultar um bom governo, um governo voltado para o atingimento dos interesses do povo, tanto das atuais gerações como das que ainda estão chegando ou, até, das que ainda não chegaram. Não é à toa que Edmund Burke – historiador inglês – definiu pacto social como sendo “um acordo entre os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram”. Em tempo: bom lembrar que pacto é o particípio passado do verbo latino pacere, que quer dizer “fazer a paz”. Pacto, portanto, significa paz feita. Afinal, o positivismo – doutrina de origem francesa, de Auguste Comte – nos ensina que “os mortos governam os vivos”.
A partir daí, já se pode concluir que governar – sobretudo em seu sentido combinado, de administração com política – não pode ser função hepática. Deve ser função cerebral. Portanto é muito mais nobre. Não se pode fazer política – sobretudo não se deve – com o fígado. Nem com os humores dele oriundos. Como, muitas vezes, acontece. Mas, lamentavelmente – pelo que se nota –, a própria presidenta Dilma Rousseff, mesmo com toda fama de gerente competente, não conseguiu afastar de suas atitudes políticas diversos tipos de emoção em relação a vários segmentos da economia nacional.
Mas, sobretudo, em relação ao amplo e produtivo segmento sucroenergético. Que ela insiste em confundir com um punhado de usineiros, apenas. Efetivamente, os usineiros foram a marca do passado da história econômica de parte do Brasil, do Nordeste ao Sul. Hoje, entretanto, as empresas do setor sucroenergético – se houver usineiros, eles são insignificante minoria, porque a maioria das unidades é composta por empresas dinâmicas – estão em ampla condição de arrostar os problemas existentes. Inclusive estão preparadas para cortar, no presente, problemas que possam surgir no futuro.
É a intuição do empreendedor posta a serviço do desenvolvimento econômico brasileiro. É preciso mostrar – até mais que mostrar, diríamos demonstrar – que o Brasil tem condições de formatar um desenho da matriz energética mais avançada até do que a matriz energética que já existe. E que é excelente, quando comparada – do ponto de vista do meio ambiente – com a matriz energética dos países mais desenvolvidos do mundo. É preciso incluir, como peça importante dessa matriz, o amplo setor da biomassa, com ênfase no etanol. Vale dizer: com sustentabilidade ampla.
Nesse caso, produzir é uma combinação de cérebro com materiais. Quanto mais cérebro for usado – como faz o setor sucroenergético –, de menos materiais se precisa. É por isso – exatamente por isso – que as posições tomadas pela presidenta Dilma Rousseff perante o setor nos faz lembrar da síntese de Eça de Queiroz, festejado escritor português, quando interroga: “é estupidez córnea ou má-fé cínica?” É essa pergunta que nós trazemos à reflexão da sociedade brasileira.
O falecido presidente Tancredo Neves – fino observador da história política brasileira e líder inconteste da nacionalidade – anotou que “não se faz política sem vítimas”. Pretendendo identificar uma das vítimas mais notórias da política econômica nacional da atualidade – uma das mais fortes modalidades de política que se conhece –, verificamos a biomassa como singular prejudicada. Com ela – com o etanol incluído com destaque na matriz energética nacional –, pode-se estar construindo, no presente, um futuro promissor para todo o País. Mas pode-se também – sem ele na matriz – estar impedindo o País de somar a força econômica ao poder político advindo da biomassa.
Depois do carvão mineral, a história nos mostra que o petróleo ocupou a primazia, em todo o mundo – como fonte de energia a movimentar as atividades humanas –, exatamente porque ele conseguia gerar, com custo bem menor, uma mesma unidade de produto. O que substituirá, gradativamente, o petróleo a partir de agora? Para responder a essa pergunta, importa saber que os custos – que eram apenas econômicos – passaram a ser econômicos e ambientais. É aí exatamente que algumas modalidades de energia – como a eólica, a solar e a biomassa – saem disparadas à frente das outras, inclusive e principalmente daquelas que são obtidas a partir dos combustíveis fósseis, como carvão mineral, petróleo e gás natural. Estas são fontes de energia que geram custo econômico bem menor. Mas geram, também, custos ambientais incalculáveis. É na soma dos dois custos – econômicos e ambientais – que o etanol sai à frente rumo ao futuro.
Energia não é apenas riqueza econômica. Portanto não se circunscreve somente no âmbito pequeno e estreito da economia. É muito mais. Energia é poder. Portanto situa-se no campo da política, que pode ser conceituada exatamente como o exercício do poder. E poder político. Que será tanto mais reconhecido pelas gerações atuais e futuras quanto menores forem os custos que a modalidade de energia escolhida proporcionar à atividade econômica em geral. Se, em geografia, a pergunta que se faz é “onde”, em história, é “quando”. Já em economia, a pergunta é “quanto custa”.
Se a presidenta tivesse demonstrado – ao longo do mandato – que tem características de verdadeira estadista, ela não estaria desprezando um setor que, por seu dinamismo e por sua importância estratégica, representa um dos caminhos por onde passará o futuro do mundo em geral e dos países em particular. Afinal, estadista nunca é aquele que vê mais. Estadista é sempre aquele que
vê antes. Mas parece que, nesse particular, a presidenta apenas vê. E muito pouco. Mas, lamentavelmente, não enxerga nada. Enxergar é ver o que os outros não veem. Em política – mais do que em qualquer outra atividade humana –, o preconceito é sempre um mau conselheiro. Seus resultados são catastróficos.